[Resenhando-SC] Atividades e eventos online durante a pandemia

 por Aline Pires

Muitos devem ter visto o meme “Que saudade de ir ao teatro, né minha filha?”. Sem ir ao teatro tanto para assistir ou para realizar espetáculos, e sem poder organizar haflas e apresentações informais em seus estúdios, os profissionais buscam nas atividades online uma forma de suprir a necessidade do contato do público com a arte, integrando as alunas e colegas bailarinas em lives, challenges, e shows gravados que são postados no youtube.  Por conta da pandemia, não estamos realizando eventos com a mesma frequência, colocando-os mais para o fim do ano, porém aqui nesse Resenhando irei mostrar o que anda acontecendo na forma online, e nos próximos, irei focar também em eventos passados dentro deste período que o blog ficou fora do ar, então tudo será relembrado aqui! Lembrando que temos uma variedade de mostras online e lives pelo país, e altamente recomendo assistirem os trabalhos dos seus profissionais favoritos nas redes sociais. Confira aqui dois acontecimentos online em Santa Catarina:


Tribal ATS® Live Duet Show por Cintia Vilanova, com alunas do estúdio Raqs Florianópolis

A professora Cintia Vilanova e alunas integrantes do Sangha FCBD® Style se apresentaram em um live show no instagram no início da pandemia. São elas: Lívia Gomes, Elenira Santos, Carol Araújo e Ana Terra de Leon. Segundo Cintia Vilanova, “Cada uma dançou uma música comigo de repertório lento aplicando o sistema de improviso do estilo em duplas, dentro da possibilidade de lives compartilhadas do instagram. Foi uma experiência incrível, e mesmo com tantos ajustes necessários, a gente conseguiu realizar as trocas de liderança, colocar movimentos que amamos e sentir o poder desse estilo na sua essência: o improviso coordenado em grupo, no caso, em duplas.” Aqui vai mais uma idéia para professoras colocarem em prática os aprendizados das alunas de forma online, motivando assim a turma a usar figurino durante a pandemia (todas com saudade!) e testar seus conhecimentos com o acompanhamento da professora.







Fusion challenge por Aline Pires, com alunas do La Lune Noire Estúdio de Dança

Resolvi montar um desafio online para minhas alunas no instagram, colocando-as em evidência e dando aquela motivada nos estudos. Este aqui foi um deles, a idéia era que cada uma continuasse a dança de onde a última pessoa parou, com a música "Sage" de Beats Antique. Tem várias ideias de challenge que as professoras podem realizar com as alunas; além de possivelmente atrair novos praticantes, os challenges tornam a rotina das aulas mais divertida e integram as alunas com suas colegas, além de aumentar o engajamento das redes sociais da professora.




Irei mencionar aqui também de forma resumida minha participação no show Conexões Tribal Online Show (organização de Karine Neves). Como faz parte do Resenhando do RS, não farei a resenha deste show, mas aguardem que ele deve aparecer na coluna do Rio Grande do Sul!

 

Não deixe de acompanhar bailarinos que estão realizando suas mostras online! Principalmente porque em shows não presenciais a questão do ingresso é bastante diferente da forma presencial. Então, caso tenha condições de colaborar com as vaquinhas dos artistas, pense nisso como um ingresso da mesma forma que seria se você fosse ao teatro para assistí-los. Além de assistir shows, estamos tendo a oportunidade de estudar com diversas pessoas do país e do mundo através da videoconferência, portanto continue seus estudos com um profissional caso tenha essa possibilidade, sua dança agradece!

 

Obrigada e até o próximo!


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Resenhando-SC


Aline Pires (Florianópolis-SC) é bailarina e professora de dança oriental árabe e fusion bellydance/tribal fusion natural de Florianópolis, Santa Catarina e proprietária do La Lune Noire Estúdio de Dança. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Índia em Dia] Interculturalismo

 por Raphael Lopes

 Kathak repaginado sob a influencia da estética ocidental

Olá queridos leitores.

É com muita alegria que reergo minha pena para escrever um pouco sobre aquilo que fazemos e produzimos no palco, compartilhando idéias e pesquisas para fomentar sempre um dançar cada vez mais consciente e produtivo. O período conturbado em que nos encontramos no cenário atual de uma pandemia impactou profundamente nossa experiência como "fazedores de dança" - seja como professores (uma vez que tenhamos migrado para plataformas online) ou como performers (sem eventos para participar).

Muitos se viram sufocados pela falta de saídas, mas outros fizeram suas próprias saídas e encontraram nesse cenário novas possibilidades de se produzir arte. Pude particularmente atender alunos que antes não se animavam para aulas onlines, pois essa nem de longe era uma realidade. E agora, não apenas mantivemos os alunos nessas novas plataformas, como pudemos agregar quem antes estava mais distante.

Pude coreografar em parceira com bailarinas de outros estados, e oferecer cursos com lotação máxima, e o mais interessante de tudo, pude participar da iniciativa do Fórum Online de Danças Indianas, que gerou muitas discussões pertinentes ao cenário da dança, e das fusões em geral. Assinalo especificamente a questão abordada logo no nosso primeiro encontro, onde abordamos o Interculturalismo e Apropriação Cultural. Reproduzo aqui parte de minha fala introdutória ao tema, convidando todos a reflexão e lançando uma semente de boas novas para essa nova fase:

O Interculturalismo sendo discutido pelo viés da ética e da estética pode nos convidar a observar a história de como as danças clássicas indianas chegaram até a nós no Ocidente, especificamente aqui no Brasil nos pouco mais de três décadas de sua ocorrência em nosso país. Muito provavelmente a grande maioria do público teve seu primeiro contato com essas danças pelo contato indireto, por meio de produções culturais (como filmes ou documentários, quase sempre nos trazendo um pouco do exotismo das culturas asiáticas, como de costume nas produções estadunidenses e europeias). Ou ainda oriundos de outras práticas corporais como o Yoga ou a Ayurveda, ou atraídos pelas diferentes correntes filosóficas que ganharam grande atenção (comercial, inclusive) do Ocidente sobre a vasta cultura indiana.

A estética tradicional indiana influencia a dança e as artes em todo o mundo
Por qualquer via como tenhamos nos aproximado da cultura indiana temos que ter em mente que somos produtos de nossa própria memória cultural, e quase sempre a lente que usamos para observar uma nova cultura nos permite uma visão intercultural, pois partimos de nossas próprias réguas para mensurar o contato e impacto entre duas culturas.

Muito embora se compreenda que o aprendiz interessado em um novo estilo possa vir a obter uma compreensão sobre sua arte em tese e performance, muitas vezes vemos um movimento de aproximação entre fazeres artísticos distintos, dialogando artes performáticas, quase sempre gerando um novo produto, já distinto de suas fontes matriz.

Nos últimos anos vemos no Brasil um forte interesse pelas danças étnicas fusionadas, fortemente influenciados pela estética do estilo conhecido como Tribal Fusion oriundo das bailarinas norte americanas, que vieram nas últimas décadas mesclando estilos folclóricos diversos sob a denominação como danças do ventre, adereços indianos, posturas e floreios flamencos, numa formatação arrojada e claramente intercultural. Como professor e estudioso das danças clássicas indianas, tomei como parte de minha iniciativa profissional, um posicionamento próximo e presente a comunidade Tribal: fornecendo aulas técnicas e teóricas, proporcionando debates para inferirmos o que de fato foi fusionado, e quais critérios deveríamos tomar para além do puramente estético.

Seja como for, as danças surgidas dessa iniciativa podem ser entendidas como frutos de um interstício cultural, que podem - sem a devida discussão - criar um distanciamento cada vez mais silencioso entre duas danças e culturas distintas. E isso nos leva para um novo questionamento muito recorrente aos nossos tempos correntes: a problemática da apropriação cultural. O fazer arte envolve quase sempre a liberdade criativa, e a possibilidade de se criar novas narrativas a partir de símbolos já existentes de alguma forma. Até pouco tempo atrás não víamos discussões sobre “fantasiar-se” de outras personagens que geralmente em vida, fora do palco, possuem seus lugares de fala suprimido. E isso é algo que vemos surgir como fruto de uma nova consciência, mas mais ainda como uma nova urgência, se não reparativa, ao menos tentando trazer a reflexão e reduzir a reprodução dos clichês de outrora.

Até a próxima pessoal!


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Índia Em - Dia


Raphael Lopes (São Paulo-SP) é bailarino de dança clássica indiana Odissi e tem levado à dança aos cenários dos Festivais e Encontros nacionais defendendo seu caráter sagrado, conscientizando as novas gerações a buscar um aprofundamento tradicional evitando a macula à essa refinada e sofisticada forma de arte. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Flamenco - das origens à fusão] Vivendo a dança e dançando a vida

 por Karina Leiro


Quando fui chamada para voltar a escrever para o blog fiquei me perguntando que rumo daria a esta publicação, se seguiria do ponto onde parei, e inicialmente decidi que seria assim. No entanto, este momento de pandemia com todas as transformações, medos e dores que causou, fez com que minha escrita tomasse outro rumo.

Ao preparar uma oficina de movimento e expressão que ministrei no mês de agosto, entre outros materiais, voltei a ler Corpo Poético, O movimento expressivo em C. G. Jung e R. Laban e as coisas relidas vieram com outra carga de significado, devido ao momento que atravessamos. Nas minhas aulas online, adaptadas ao novo contexto, também foi ficando cada vez mais evidente a importância do contato com o nosso corpo. As aulas de dança, que naturalmente já traziam essa conexão e essas descobertas de si mesmo, ganharam uma importância ainda maior na vida das pessoas quando o isolamento as empurrou a ficarem sós, consigo mesmas. Também neste período, outras pessoas entraram num turbilhão de afazeres devido à mudança da rotina e ao acúmulo de funções, inclusive muitas afirmando que estavam trabalhando muito mais. O momento de dançar passou a ser, então, o único momento para si: momento de liberar as tensões, de fluir e respirar. 

No livro citado acima, Vera Lucia Paes de Almeida fala do Movimento Expressivo e se fundamenta, principalmente, na psicologia analítica de Carl Gustav Jung e nas teorias de Rudolf Laban. Jung defende que a criatividade, que o ser humano muitas vezes vai perdendo na medida em que cresce, não é privilégio dos artistas, mas é própria do humano e necessária à saúde psíquica de todos, provendo, inclusive, ferramentas para lidar melhor com as questões da vida. Sob a perspectiva Junguiana a arte em geral e consequentemente a dança, é vista sob o ponto de vista psicológico, criativo. Através do movimento, resgatamos o potencial poético, aquela capacidade que temos de nos surpreender e nos encantar perante a vida. Dessa forma, o trabalho de conscientização corporal possibilita o acesso à imaginação criadora e nessa perspectiva, a consciência envolve, além do pensamento, a sensação, o sentimento e a intuição.

Em Laban predominam os aspectos pedagógicos e artísticos do movimento, mas ele também afirma que, com o advento da formação da sociedade industrial e a mecanização da vida, nossa civilização perdeu o contato com a qualidade poética do movimento ao se preocupar apenas com suas funções práticas. Diz ainda que os desequilíbrios físicos e psíquicos decorrentes desse distanciamento da poética do corpo, podem ser recuperados pela prática de exercícios compensadores e da consciência do movimento, criando estados mentais poderosos.

Ao propor nas oficinas e nas minhas aulas regulares, atividades que contemplem essa abordagem, pude perceber o potencial para o desenvolvimento de jogos lúdicos surpreendentes e a ativação da energia criativa que resultou num colorido na performance dos alunos ou profissionais que participaram dessas práticas. Ao mesmo tempo, isso acaba por repercutir na vida, quando a força criativa ativada, leva a enxergar novas possibilidades. O contato com o corpo e a exploração das suas possibilidades nos leva a questões como: Porque nos movemos, sempre da mesma maneira nos mesmos planos, velocidades e intensidades? Então, na pesquisa de novas possibilidades no corpo, ele, o corpo, nos mostra que existem novas maneiras de se mover na vida e que a vida, sobretudo nos momentos de crise como agora, nos pede isso.

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Flamenco - das origens à fusão



Karina Leiro (Salvador-BA) é bailarina, professora e coreógrafa de Fusion Belly Dance e dança flamenca e certificada em FCBD® Style. Atualmente mora em Salvador onde atua na área da dança.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Dançando Narrativas] Desenvolvimento de personagens para a dança: Mitologia e pesquisa

 por Keila Fernandes

Gina Lollobrigida como a Rainha de Sabá (1959).

A interpretação de personagens, especialmente as mitológicas, em coreografias é muito comum entre quem dança Tribal Fusion. No entanto, ainda vemos muitas representações equivocadas, rasas e caricatas.

Tais representações acabam ocorrendo por falta de um estudo mais aprofundado sobre o objeto a ser trabalhado, ou até mesmo como resultado do olhar ocidental sobre a cultura e a história de outras civilizações.

Por isso é importante conhecer os bem os aspectos com os quais queremos trabalhar em nossa dança.

E o que é importante saber antes de dançar um personagem?

A primeira coisa que temos de ter em mente é: Mitologia não é fantasia, nem sinônimo de mentira.

Mito é uma palavra grega que significa narrar, contar uma história para alguém que reconhece no contador autoridade sobre o assunto.

Essas histórias são narrativas sagradas usadas para explicar a realidade: a natureza, as instituições, costumes sociais, origem da vida e outras características do mundo humano.

E a mitologia é o conjunto e o estudo desses mitos. 

Os mitos foram e são partes importantes na formação de muitas civilizações, pois eles carregam muito mais que relatos fantásticos, eles carregam a história, a cultura e a identidade de um povo. 

O que chamamos de mito, constituiu (e constitui) a realidade para diversas culturas. Permeando seu cotidiano, e integrando outras esferas da vida.

Para os povos originários brasileiros e os praticantes de religiões de matriz africana, por exemplo, o mito integra suas realidades, não apenas na esfera espiritual, mas também como parte de sua identidade e de sua história.

 

Monni Ferreira como Exu. Coreografia: "O Guardião", apresentada no Underworld Fusion Fest (2018)

Outra coisa importante é ter sempre em mente que deuses e outros personagens mitológicos são representações de forças da natureza e características humanas, por isso são diversos e não devemos generalizá-los ou tentar encaixá-los nas nossas expectativas. É necessário conhecer tais aspectos e escolher quais serão representados na dança a fim de evitar caracterizações rasas e caricatas, pois isso esvazia e desvaloriza a dança.

As características escolhidas não devem ficar apenas na parte visual da apresentação. E quando usadas no figurino e maquiagem, devemos ter cuidado e compreender cada símbolo, e não utilizá-los de maneira aleatória.

Para uma coreografia não se tornar caricata é importante trazer o que se quer mostrar também para os movimentos, afinal, estamos falando de dança. A personagem deve se comunicar por meio da movimentação, da expressividade. E para isso é preciso também escolher uma música coerente com os aspectos da figura a ser interpretada. Então, atenção à letra e aos elementos presentes na música.

Tudo isso é importante para que sua dança seja capaz de contar uma história e interagir com o público. E para isso acontecer,  é necessário pesquisar de verdade. E pesquisar não é só procurar uma palavra chave no Google, ou ver vídeos no YouTube. Estamos falando de uma pesquisa mesmo, na qual se tem contato com materiais diversos, além do audiovisual. É buscar referências em artigos de especialistas no assunto, perguntar para pessoas que conhecem e entendem daquilo, ver documentários e filmes, ler livros, ouvir músicas. Enfim, buscar todo material necessário para te dar bases seguras de onde você pode começar a criar.

 

Ethel Anima interpretando um gárgula. International Tribal Festival "Neverending Story 2.0 - 2018

Trabalhar com mitologia pode não parecer, mas é complexo. E não deve ser diferente, pois estamos falando de outras culturas, outras maneiras de se ver o mundo. Isso nunca deve ser tratado de maneira leviana.

Sendo assim, o respeito, o bom senso e a pesquisa devem  ser as principais ferramentas para a construção de uma coreografia coerente e ética.


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Dançando Narrativas


Keila Fernandes (Curitiba-PR) é escritora, professora de história e  historiadora, especialista na área de Religiões e Religiosidades e História Antiga e Medieval. É aluna da bailarina e professora Aerith Asgard e co-diretora do Asgard Tribal Co. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 
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Dançando Narrativas por Keila Fernandes


Dançando Narrativas

 Keila Fernandes, Curitiba-PR, Brasil

Sobre a coluna:

Interpretar um personagem na dança é muito mais que caracterizá-lo por meio de figurino, maquiagem e acessórios.

É necessário um conhecimento aprofundado sobre as características do mesmo, de modo a nos conectarmos melhor com os conceitos que queremos expressar e assim construir nossa apresentação.

Deusas, deuses, criaturas mitológicas, personagens históricas e até mesmo animais, são escolhas muito comuns feitas pelas bailarinas e bailarinos do Tribal Fusion e outras danças. Contudo, por muitas vezes, nos deparamos com representações equivocadas, baseadas apenas em estereótipos e conhecimento superficial do personagem em questão.

Na coluna Dançando Narrativas discutiremos sobre importância da pesquisa para o desenvolvimento de um personagem, com foco na mitologia.

Também trarei algumas análises de personagens mitológicos e as possibilidades de usá-los na dança.

Sobre Keila:

Keila é escritora, professora de história e  historiadora, especialista na área de Religiões e Religiosidades e História Antiga e Medieval. É aluna da bailarina e professora Aerith Asgard e co-diretora do Asgard Tribal Co.









Artigos

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[Campo em Cena] Ética na Dança: E o porquê precisamos falar sobre ela.

 por Thaisa Martins



Será que falar sobre ética na dança é algo relevante? Afinal, todas nós somos pessoas éticas… não somos? Desdobrando um pouco mais a questão me pergunto, a conduta ética expressa pelo indivíduo em seu meio social (em casa, com os amigos, e etc) é o suficiente para satisfazer as especificidades do seu meio profissional? E ainda, enquanto pessoas inseridas no campo da dança (profissionais ou amadoras), há a necessidade de se estabelecer um código ético para nos guiar? Antes de nos debruçarmos nessas perguntas um tanto quanto espinhentas, acredito que faz se necessária uma pergunta anterior. O que é ética? Recorrendo ao dicionário em busca de respostas, encontro as seguintes definições para ética: “1. parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo especialmente a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social. 2. POR EXTENSÃO: conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade.’é profissional’ “ Começo a compreender que a ética está conectada ao estudo dos valores morais e regras de conduta que normatizam as ações humanas. Através de seus códigos, instaura-se o discernimento entre o certo e errado em uma sociedade. Ela também está ligada aos costumes e tradições sociais. Seguindo por essa trilha, podemos afirmar que existem muitas visões sobre o que é ou não ético, pois cada sociedade estabelecerá seus valores morais, que serão absorvidos ou não pelo indivíduo. A escrita dos códigos éticos surge como ferramenta para estabelecer um caminho harmonioso nos diversos fazeres humanos. Reflexões no campo da dança Então, falar sobre ética na dança se faz necessário pois trata-se de um fazer extremamente especializado, onde lidamos com corpos em uma sociedade capitalista que incentiva a total anestesia corporal. Em sua tese de doutorado, o pesquisador e professor das graduações em Dança da UFRJ, Marcos Vinicius Machado de Almeida (2006) aponta, “ Quem trabalha com o corpo, seja educador, terapeuta ou artista deve ter este compromisso ético. Não pode haver prática ou pensamento sobre o corpo na contemporaneidade que não compreenda que esta potência de criação deve nos levar para valores éticos com relação ao corpo.” (p.182) Ao refletirmos sobre ética na dança, também estamos falando sobre a forma que lidamos com nossos corpos enquanto dançarinas. A supremacia da técnica impecável que deforma, lesiona, objetifica e anestesia o corpo numa busca insana por um padrão estético de movimentação. Queremos ser qualquer uma delas: Rachel Brice, Mardi Love, Polina Shandarina, Olga Meos e etc. Queremos ser todas, menos nós mesmas. E como fica nosso compromisso ético com nossos corpos nesse momento? Quando me pergunto sobre ética de campo e suas diferenças entre a ética individual (que aqui caracterizo como expressa pelo indivíduo em seu meio social), um exemplo do campo da advocacia me vem à mente. No Brasil todos os indivíduos, culpados ou não, tem direito de defesa de acordo com a Constituição Federal de 1988. Assim, independentemente dos valores morais que envolvam o caso, o réu terá um advogado para defendê-lo de forma isenta. Por mais que o advogado acredite na culpa de seu cliente e isso fira sua ética individual, ele deverá seguir o Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil, que no artigo 21 estabelece que "é direito e dever do advogado assumir a defesa criminal, sem considerar sua própria opinião sobre a culpa do acusado". Podemos perceber dois pontos nesse exemplo: A primeira, em como a conduta ética do campo da advocacia pode ser diferente do que o advogado enquanto indivíduo acredita e a segunda, como é relevante que as definições éticas do campo estejam muito bem definidas para auxílio na ação. Quando as regras não estão postas, cabe ao próprio campo uma auto regulação. Os profissionais passam a agir de acordo com o que acreditam e muitas vezes seguem exemplos de outros colegas. Trazendo para a dança, podemos apontar diversos exemplos crônicos de condutas eticamente questionáveis. A infinita linhagem de professoras que gritam com suas alunas em sala de aula porque “quando ela era aluna era assim que funcionava”, professoras que estimulam fofocas depreciativas e maldosas entre alunas pois “somos amigas fora da sala de aula”, alunas que se sentem prontos para dar aula de dança após 2 meses de prática porque “com a minha professora também foi assim”, profissionais que não comparecem ao evento em que foi contratado pois “somos artistas e artista é assim mesmo”. Enfim, muitos outros exemplos seriam possíveis. Na minha percepção, nossa situação é tão frágil que até a definição do que é ser um profissional da dança encontra-se em aberto. Hoje a lei que regulamenta a atividade profissional da dança é a chamada “Lei do Artista” nº 6.533/78 que não abrange especificamente as peculiaridades do fazer em Dança. Tramita na Câmara Federal desde 03/2016 a PL 4.768/2016 que, ao ser publicada, regulamentará a atividade profissional da dança mas que ainda assim, não entra nos pontos de competência ética. Nesse caso, cabe ao Sindicato de Profissionais de Dança a responsabilidade de propor e fiscalizar as questões éticas do campo da dança. Mas as perguntas que ficam são: Como esperar que os profissionais da dança busquem, participem e cobrem de seu sindicato por um código de ética, sem que os mesmos tenham desenvolvido a consciência de classe? Será que todos os profissionais têm noção de que o sindicato é uma instituição formada por e para eles próprios? Você tem? E na cena Tribal? Colocando a questão de forma ainda mais específica, trago essas reflexões para a cena Tribal brasileira. Podemos inferir que as coisas não são tão diferentes do quadro apontado anteriormente (levante a mão quem nunca experienciou um dos exemplos acima apontados), pois estamos inseridas nesse grande grupo que é o campo da dança. Sinto que urge a necessidade de sentarmos enquanto classe de profissionais para refletir sobre a conduta ética e seus desdobramentos na cena Tribal. Começando desde o problema do nome (que cada um passará a chamar como bem entender), passando por temas como condutas desrespeitosas entre profissionais, regulamentação de cursos de formação, até questões mais elementares como currículo profissional (será que é ético aqueles infinitos nomes de profissionais nacionais e internacionais que a pessoa fez uma única oficina na vida, mas que vende como algo muito mais relevante para atrair público em suas aulas?), até a conduta em sala de aula de professoras e alunas. Me pergunto por mais quanto tempo estaremos a mercê da maré, fazendo coisas que nem sempre concordamos, apenas para suprir uma necessidade, muitas vezes, fantasiosa. Sei que o assunto é delicado pois mexe com o nosso emocional e crenças, mas acredito que temos maturidade profissional para compreender que a posição da outra pode (e deve) ser divergente da nossa, mas que isso não nos torna inimigas da vida. Concluo minha fala apontando para os muitos espaços de reflexão que ainda existem sobre o assunto “ética na dança”. Quanto mais profissionais se engajarem na questão, a fim de mudar nossa situação, mais proveitoso será para o campo e mais rápido alcançaremos diferentes resultados. Aponto ainda, que o incômodo visceral que o debate nos gera, acaba por forçar nossa cena, formada majoritariamente de mulheres, a abandonar de uma vez por todas os freios morais da “bela, recatada e do lar” tão enraizado na cultura ocidental, e passa a estimular que tenhamos um posicionamento crítico da nossa existência enquanto artistas, profissionais, comunidade e indivíduos.


Referência Bibliográfica:

ALMEIDA, Marcus Vinicius Machado de et al. A selvagem dança do corpo. 2006.

DO BRASIL, Ordem dos Advogados. Código de Ética e Disciplina da Ordem dos Advogados do Brasil. 1995.

Dicionário Online Oxford Languages. Acesso em 14/08/2020


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Campo em Cena


Thaisa Martins (Rio de Janeiro-RJ) é graduada em Teoria da Dança (UFRJ) e mestranda em Arqueologia (UFRJ) onde pesquisa processos de reconstrução de dança na Índia antiga. É sócia do Medusa Tribal Studio, estúdio de dança dedicado ao Tribal Fusion, suas derivações e origens no RJ,  junto com a dançarina e fisioterapeuta Maya Felipe. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 
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Campo em Cena por Thaisa Martins

Campo em Cena

Thaisa Martins,  Rio de Janeiro-RJ, Brasil


Sobre a Coluna:

Trago a você um convite a reflexão crítica sobre o “fazer Dança”. Proponho discutirmos assuntos que envolvem e são envolvidos pelo campo da Dança, e que afetam direta ou indiretamente a cena do Tribal Fusion, suas derivações e origens. Questões como ética, estética, curadoria, crítica, processo criativo, análise de movimento, entre outros serão colocados em cena!      

Sobre a Autora:

Graduada em Teoria da Dança (UFRJ) e mestranda em Arqueologia (UFRJ) onde pesquisa processos de reconstrução de dança na Índia antiga. É sócia do Medusa Tribal Studio, estúdio de dança dedicado ao Tribal Fusion, suas derivações e origens no RJ,  junto com a dançarina e fisioterapeuta Maya Felipe.









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