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[Flamenco - das origens à fusão] Vivendo a dança e dançando a vida

 por Karina Leiro


Quando fui chamada para voltar a escrever para o blog fiquei me perguntando que rumo daria a esta publicação, se seguiria do ponto onde parei, e inicialmente decidi que seria assim. No entanto, este momento de pandemia com todas as transformações, medos e dores que causou, fez com que minha escrita tomasse outro rumo.

Ao preparar uma oficina de movimento e expressão que ministrei no mês de agosto, entre outros materiais, voltei a ler Corpo Poético, O movimento expressivo em C. G. Jung e R. Laban e as coisas relidas vieram com outra carga de significado, devido ao momento que atravessamos. Nas minhas aulas online, adaptadas ao novo contexto, também foi ficando cada vez mais evidente a importância do contato com o nosso corpo. As aulas de dança, que naturalmente já traziam essa conexão e essas descobertas de si mesmo, ganharam uma importância ainda maior na vida das pessoas quando o isolamento as empurrou a ficarem sós, consigo mesmas. Também neste período, outras pessoas entraram num turbilhão de afazeres devido à mudança da rotina e ao acúmulo de funções, inclusive muitas afirmando que estavam trabalhando muito mais. O momento de dançar passou a ser, então, o único momento para si: momento de liberar as tensões, de fluir e respirar. 

No livro citado acima, Vera Lucia Paes de Almeida fala do Movimento Expressivo e se fundamenta, principalmente, na psicologia analítica de Carl Gustav Jung e nas teorias de Rudolf Laban. Jung defende que a criatividade, que o ser humano muitas vezes vai perdendo na medida em que cresce, não é privilégio dos artistas, mas é própria do humano e necessária à saúde psíquica de todos, provendo, inclusive, ferramentas para lidar melhor com as questões da vida. Sob a perspectiva Junguiana a arte em geral e consequentemente a dança, é vista sob o ponto de vista psicológico, criativo. Através do movimento, resgatamos o potencial poético, aquela capacidade que temos de nos surpreender e nos encantar perante a vida. Dessa forma, o trabalho de conscientização corporal possibilita o acesso à imaginação criadora e nessa perspectiva, a consciência envolve, além do pensamento, a sensação, o sentimento e a intuição.

Em Laban predominam os aspectos pedagógicos e artísticos do movimento, mas ele também afirma que, com o advento da formação da sociedade industrial e a mecanização da vida, nossa civilização perdeu o contato com a qualidade poética do movimento ao se preocupar apenas com suas funções práticas. Diz ainda que os desequilíbrios físicos e psíquicos decorrentes desse distanciamento da poética do corpo, podem ser recuperados pela prática de exercícios compensadores e da consciência do movimento, criando estados mentais poderosos.

Ao propor nas oficinas e nas minhas aulas regulares, atividades que contemplem essa abordagem, pude perceber o potencial para o desenvolvimento de jogos lúdicos surpreendentes e a ativação da energia criativa que resultou num colorido na performance dos alunos ou profissionais que participaram dessas práticas. Ao mesmo tempo, isso acaba por repercutir na vida, quando a força criativa ativada, leva a enxergar novas possibilidades. O contato com o corpo e a exploração das suas possibilidades nos leva a questões como: Porque nos movemos, sempre da mesma maneira nos mesmos planos, velocidades e intensidades? Então, na pesquisa de novas possibilidades no corpo, ele, o corpo, nos mostra que existem novas maneiras de se mover na vida e que a vida, sobretudo nos momentos de crise como agora, nos pede isso.

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Flamenco - das origens à fusão



Karina Leiro (Salvador-BA) é bailarina, professora e coreógrafa de Fusion Belly Dance e dança flamenca e certificada em FCBD® Style. Atualmente mora em Salvador onde atua na área da dança.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Flamenco] Inspiração Flamenca no ATS®: O barrel turn e a vuelta de pecho

por Karina Leiro



Dentre os vários giros que existem na dança flamenca, está a volta de peito (vuelta de pecho), que provavelmente foi a volta que serviu de inspiração para o Barrel Turn. Digo provavelmente, porque assim como a vuelta de pecho, a volta quebrada também tem quebra de torso. Segundo Monica Gonzalez Sanchez no artigo "Clasificación de los Giros en el Baile Flamenco",­­­­­­­­­­ a diferença está em que a  volta de peito é pela frente (en dedans) e a quebrada é por trás (en dehors). Portanto, por ser girando pela frente, o barrel turn se assemelha mais à volta de peito.

No flamenco, a volta de peito costuma ser feita rapidamente e os braços são mais arredondados, não tão alongados como no barrel turn, até para ajudar na velocidade, concentrando a energia no centro do corpo. Ao ver o barrel turn, que faz parte dos movimentos do repertório lento do ATS ®, tenho a sensação de que (com algumas adaptações) é como ir demonstrando lentamente cada etapa da volta de peito.

No flamenco, os giros fora do eixo vertical procedem da escola bolera. Sergundo Gabriel Veudagna Arango em seu livro "Apuntes de Clases: La Danza Española y el Baile Flamenco", a escola bolera é considerada o verdadeiro ballet clássico da Espanha. Sua origem remonta o século XVII e teve seu auge durante o século XVIII. Bolero é uma possível tradução de “volar”, voar, já que os intérpretes costumavam dar grandes saltos inspirados nos bailarinos da dança clássica francesa. A escola bolera seria, uma espécie de combinação do acadêmico ballet francês com as danças espanholas.

Os giros fora do eixo vertical consistem em efetuar um giro sobre um eixo forçado ou quebrado, fruto de inclinar lateralmente o tronco, modificando diagonalmente o eixo longitudinal. De maneira que a parte inferior gire sobre o eixo vertical e o tronco gire sobre esse eixo longitudinal inclinado.

Segue um vídeo:




Fontes de pesquisa:
Revista del Centro de Investigación Flamenco Telethusa

Apuntes de Clases: La Danza Española y el Baile Flamenco, Gabriel Vaudagna Arango



[Flamenco] Flamenco e ATS - O Egyptian Sevillana

por Karina Leiro



O Egyptian Sevillana se inspira na Sevillana (se pronuncia Sevilhana), dança originaria da baixa Andaluzia (região ao sul da Espanha), derivada de um tipo de canção espanhola chamada Seguidillas manchegas, típica das atuais comunidades autônomas de origem castelhana (Castilla-La Mancha, Comunidad de Madrid e o sul de Castilla y León (provincias de Segovia, Ávila y Burgos) e adaptadas à cidade de Sevilla. As sevillanas podem ser vistas na Feira de Sevilla, nas romarias, ou em locais onde se reúna um grupo de pessoas, até mesmo na balada, em bares e boates. A sevillana é originalmente dançada aos pares, geralmente homem e mulher, mas é recorrente ver duas mulheres dançando. É possível variar as formações principalmente quando a sevillana é levada para o palco, variando entre pares, círculos, blocos, filas, etc.

As sevilhanas habitam a tênue linha entre o folclore andaluz e o flamenco e trazem em si a essência popular junto com a expressividade do flamenco.

As sevillanas tem 4 coplas, denominadas segundo a ordem em que são dançadas; a primeira a segunda, a terceira e a quarta. Do ponto de vista da dança, as coplas podem ser explicadas como quatro pequenas danças dentro de uma mesma música e a estas quatro danças em conjunto, chamamos sevillanas.

As sevillanas variam segundo as suas origens ou ao local onde são cantadas e dançadas: as rocieras são cantadas nas romarias da Virgem del Rocio; as de feria são cantadas nas feiras e festividades populares; as corraleras são as dos “currais” ou pátios das casas da vizinhança, onde eram dançadas antigamente.

Do ponto de vista da dança, existem muitas versões diferentes de sevillanas, os passos podemos variar de uma para a outra, além do espaço para improviso. Sendo a estrutura musical das coplas sempre a mesma no que diz respeito à métrica, qualquer das versões da dança vai caber nas coplas de qualquer música de sevillanas, independente do seu canto ou melodia. Apesar das diferenças entre as versões, há recorrências em todas elas que permitem identificar qual das coplas está sendo dançada. Por exemplo, a terceira copla é a do sapateado, a segunda é a da roda, etc. Passos como paseos, remates e passadas são comuns a todas as coplas e versões.

O Egyptian Sevillana foi provavelmente inspirado nas passadas, passo presentes nas 4 coplas (porém mais repetido na primeira) onde o par troca de lugar. As pessoas dançando uma de frente para a outra, trocam de lugar entre si, de maneira em que uma vai ocupar o lugar da outra e então voltam a ficar de frente na posição inversa à que estavam anteriormente.

No Flamenco:



No ATS:






[Flamenco] Glossário de termos do Flamenco – Parte 2

por Karina Leiro



ACENTO: Nota do compasso sobre a qual se exerce maior força, com essa medida podem ser diferenciados os palos que tem os mesmos tempos. (palo: cada uma das estruturas musicais do flamenco)

AFLAMENCADO: Termo que se aplica às canções e danças do folclore de Andaluzia e outros estilos musicais que se interpretam com entonação e compasso flamencos. (Andaluzia: região ao sul da Espanha onde nasceu o flamenco)

BRACEOS: Movimentos da dança flamenca executados com os braços

CANTE CHICO: Expressão subjetiva que denomina os cantos menos solenes do flamenco.

CANTE FESTERO: Estilos de canto alegres como as rumbas e os tanguillos.

CANTE GITANO: Expressão que denomina o canto flamenco feito por intérpretes da raça cigana.

CANTE GRANDE: Expressão subjetiva que denomina os cantos mais solenes do flamenco. Se aplica por extensão a qualquer canto bem interpretado.

CANTE JONDO: Os estilos mais solenes, cheios de primitivismo, profundidade e força expressiva. Se considera sinônimo de canto puro. Alguns glossários o definem como o mais genuíno canto andaluz, de profundo sentimento.

CANTE DE IDA Y VUELTA: O conjunto de estilos aflamencados procedentes do folclore hispano-americano. 

Palillos


DECIR: Tradução, dizer. Significado no meio flamenco, cantar. Cantar com um estilo peculiar, dando ao canto intensidade e comunicação plena.

ESCOBILLA: Parte da estrutura da dança flamenca na qual predomina o sapateado.

FIESTA ou JUERGA: No meio flamenco é uma reunião de aficionados e intérpretes do flamenco na qual predomina o respeito ao flamenco, o que faz com que tanto cantores como bailarinos e guitarristas se sintam na atmosfera ideal para expressar sua arte.

LETRA: Cada uma das estrofes cantadas no flamenco.

ÓPERA FLAMENCA: Espetáculo flamenco que se proliferou na Espanha entre 1920 e 1936. Organizados por empresários profissionais e apresentados em geral nas plazas de toros (locais onde ocorrem as touradas) e em grandes teatros.

PALILLOS: Castanholas (também chamadas castañuelas) 

QUEJÍO: Os “ais” que se executam no canto flamenco, no começo, no meio ou no final.

TOQUE: Ação ou efeito de tocar a guitarra flamenca.

REFERÊNCIAS:

Tradução do autor



[Flamenco] Glossário de termos do Flamenco – Parte 1

por Karina Leiro




Como qualquer atividade humana, o flamenco tem sua linguagem própria e, atendendo a pedidos, iniciei uma pesquisa dos termos relacionados ao flamenco. Termos esses que podem parecer óbvios e naturais aos que estão inseridos nesse universo, mas que soam estranhos a quem está de fora ou iniciando na arte flamenca.

  • AFICONADO/A: Pessoa entusiasta da arte flamenca. Também se chama assim ao intérprete do flamenco (toque, canto ou dança) que não o exerce como profissional;
  • A PALO SECO: Canto interpretado sem acompanhamento de guitarra, à capela;
  • BAILAOR/A: Artista que dança flamenco;
  • CANTAOR/A: Artista que canta flamenco;
Foto de Horst Lambert
  • CANTE: Termo usado como abreviatura de cante (canto) flamenco, denomina o conjunto de composições musicais em diferentes estilos, que surgiram entre o último terço do século XVIII e a primeira metade do século XIX, pela justaposição de estilos musicais e folclóricos existentes em Andaluzia, região ao sul da Espanha onde nasceu o flamenco;
  • CANTE DE ADELANTE/CANTE DE ATRÁS: Tem a ver com a situação de protagonismo do cantaor. Se ele canta em primeiro plano com o guitarrista acompanhando, se diz que está cantando “adelante”. É um canto para ser escutado, sem dança. Por outro lado, se ele canta em segundo plano, acompanhando a dança se diz que está cantando atrás. É um canto para ser   dançado;
  • COMPÁS: Compasso. A divisão regular do tempo entre diferentes acentos e pulsos. Cada compasso se divide em períodos de igual duração chamados tempos;
  • CUADRO FLAMENCO: Um conjunto de intérpretes de baile, canto e toque flamencos;

    Foto de Lane Hans

  • DUENDE: A energia que permeia o flamenco, sua magia intrínseca. Um poder misterioso que todos sentem, mas que ninguém explica. No imaginário flamenco, o duende vai além da técnica e da inspiração. Quando um artista flamenco experimenta a chegada desse misterioso encanto, se diz que ele “tem duende” ou que canta, dança ou toca “com duende”;
  • GUITARRA: Instrumento principal do flamenco, violão flamenco;
  • JALEAR: Expressar entusiasmo ou animar/incitar aos interpretes do flamenco com palmas, falas, exclamações. Pode ser feito pelo público ou pelos próprios artistas envolvidos na cena. Algumas dessas expressões são: Ole!, Agua!, Toma!
  • PALO: Cada uma das estruturas musicais que existem no flamenco;
  • TABLAO: Palco específico para o flamenco e também o local, o espaço especializado em oferecer espetáculos de flamenco. Inspirados nos antigos Cafés Cantantes, vieram a substituí-los. Se fizeram importantes a partir dos anos 50, promovidos pelo auge do turismo;
  • TOCAOR: Guitarrista flamenco, artista que toca o violão flamenco;
  • ZAPATEAR: Realizar percussão rítmica com os pés. Se utilizam para isso as diferentes partes do pé como a “planta” (metatarso), o “golpe” (o pé inteiro), a “puntera” ou “punta” (a ponta do sapato), o “tacón” (o salto do sapato).


REFERÊNCIAS:

[Flamenco] Gitana

por Karina Leiro


Foto retirada do site http://perso.wanadoo.es/elflamenco/definicion.htm


Minhas últimas publicações vieram numa linha autobiográfica, falando da minha pesquisa em meio ao que venho denominando flamenco fusion, derivação das minhas vivências com flamenco tradicional, tribal fusion e, mais recentemente, uma vivência mais profunda do ATS, que resultou na certificação.


Retomando o caminho das fusões, logo após o Andaluz, surgiu Gitana. Desta vez um solo que tinha a ver com os meus questionamentos sobre meus processos identitários e os da minha dança. 


Os teóricos das origens do Flamenco se dividem em “ciganistas” e “andaluzistas”. Para os teóricos “ciganistas”, somente o que é por eles considerado canto cigano tem garantia de pureza. Os demais cantos, que eles consideram “aciganados” não tem valor intrínseco, e os intérpretes não ciganos são meros aprendizes. Para os andaluzistas, os ciganos que se instalaram em Andaluzia foram apenas transmissores do canto andaluz, às vezes intérpretes geniais. Mas o flamenco teria sido resultado de um conjunto de influências e fatores.


Foto retirada do site: http://porsolea.com/tag/flamenco/



Independente de concordar com uma ou outra linha, o fato é que os ciganos tiveram e tem importância fundamental no universo flamenco. A bailarina de flamenco, gitana ou não em termos de linhagem, acaba sendo associada à imagem da gitana flamenca. 


Nesse momento, faço minhas as palavras de um patriarca gitano que disse; Vivan los gitanos flamencos del mundo esten donde esten y sean de la raza que sean (Vivam os ciganos flamencos do mundo, estejam onde estejam e sejam da raça que sejam)


A coreografia Gitana nasceu de uma música (de mesmo nome) composta pelo meu parceiro de flamenco a anos, o guitarrista Eduardo Bertussi. Eu pedi, como grande amigo que é e que me conhece a muitos anos, que compusesse para mim uma música que me retratasse naquele momento, que tivesse a ver com esse meu momento de muitas transições pessoais e profissionais; e de muitos questionamentos e inquietações sobre a minha dança. A música veio com sonoridades híbridas e me identificando com o nomadismo dos gitanos, literalmente (já morei em vários lugares) e subjetivamente, como artista que transita entre diversas manifestações culturais e pesquisas. A música me trouxe imagens que tem a ver com a passagem, o caminho, a caravana, a fogueira, o rito, a alma que transita. A melancolia dos apátridas e também o alívio no momento mais alegre no final da música, como ocorrem nos palos do flamenco que parecem dizer que, apesar de toda a dor que nos transtorna, ainda vale a pena estar vivo.





http://aerithtribalfusion.blogspot.com.br/2014/04/flamenco-das-origens-fusao-por-karina.html

A Espanha e o Nordeste: Sobre flamenco, flamenco fusion e tribal brasil

por Karina Leiro



Na última publicação comecei a falar do flamenco fusion como fruto de uma inquietação, da contraposição de tradição e contemporaneidade manifesta no guarda-roupas de Takatatá, das pesquisas de movimento que surgiram dos meus primeiros contatos com o tribal e os trabalhos que resultaram disso. A próxima etapa desse percurso foi me questionar quem sou eu no meio de todo esse processo. Nordestina, nascida na Bahia, morando em Recife, filha de pai e mãe espanhóis, perpassada pela cultura dos meus pais, em contato constante com a Espanha desde pequena, contato ora presencial, ora através da minha família de imigrantes, dos seus costumes, da convivência com a colônia espanhola em Salvador. Contudo, por outro lado, se eu sou geneticamente espanhola e com traços dessa cultura no meu cotidiano, também sou nordestina de nascimento e imersa na cultura do nordeste. Sou aquela que, desde pequena, comia as comidas espanholas que a minha mãe fazia, misturando-as com farinha de mandioca.

Quando vim pra Recife em 2010, fui chamada por Alê Carvalho para dançar no seu grupo, o Aquarius, no qual fiquei de meados de 2010 até meados de 2011. Nesse período, baseada numa belíssima proposta musical de Andressa Máximo, Alê Carvalho e Tamyris Farias e, tendo Tamyris como co-coreógrafa, montei Andaluz. Trabalho cujo título faz referência à Andaluzia, região ao sul da Espanha onde o flamenco nasceu. A música, foi uma montagem que iniciava com um canto de aboio (canto do vaqueiro na sua lida com o gado), passava por um trecho de música armorial, entrava na música "A Devastação da Calma" ou "A Tempestade", do grupo pernambucano Cordel do Fogo Encantado, e terminava com uma marcação de compasso por Sevilhanas, música flamenca de ramificação folclórica.

Ao ouvir a proposta musical, as relações foram surgindo, as imagens e os sons: o aboio gravado no sertão, que me remete ao cante jondo do flamenco (aquele canto andaluz de profundo sentimento), o boi do bumba e o touro das touradas espanholas, a viola nordestina, de comprovada influência ibérica, tocada pelo Cordel do Fogo Encantado num ternário que me remetia às minhas tão conhecida sevilhanas. Os passos do coco nordestino e sua semelhança em mecânica e marcação com os passos das sevilhanas. A dança flamenca, o flamenco fusion, o tribal brasil. O sertão nordestino e a aridez da Andaluzia!!!

Segue vídeo do Andaluz que apresentamos, já pela Cia Lunay, no Campo das Tribos em 2012. Nesse vídeo, dançamos Daniela Albuquerque, Tamyris Farias e eu.









Flamenco Fusion por Karina Leiro, o fruto de uma inquietação

por Karina Leiro


Depois de muita teoria vamos à prática!
Eu havia sempre estudado técnicas com repertório bem definido até que fui fazer dança na Universidade Federal da Bahia e precisei rever os meus paradigmas sobre dança. Entrei em contato com a dança contemporânea e me encantei com a liberdade de criação que ela proporcionava, mas sentia falta de poder exercer essa liberdade usando como base não o ballet clássico ou moderno ou as outras técnicas a que os dançarinos de contemporâneo que eu conhecia costumavam recorrer, eu queria usar o flamenco. Dessa inquietação e da necessidade de produzir um resultado em dança contemporânea na universidade, surgiu o vídeo Takatatá, que mostra o meu conflito enquanto dançarina de danças tradicionais que precisava criar um trabalho contemporâneo, falava de tradição e contemporaneidade. 
Dancei no interior de um guarda-roupa, afastando as roupas pesadas da tradição para abrir espaço para criar; experimentei possibilidades de sapatear em posições diferentes, quebrando a verticalidade do flamenco tradicional; questionei o que guardamos e o que jogamos fora daquilo que recebemos como tradição. Em Takatatá está a primeira manifestação da minha necessidade de transformar aquilo que estava cristalizado em algo diferente, onde o que estava no meu corpo até então, como técnica muito bem definida, pudesse surgir de outra maneira. O Takatatá passou na seleção do MIV, Mostra Internacional de Vídeo e Dança do Dança em Foco, em 2010, e nesse mesmo ano, tive minha primeira experiência com o flamenco fusion.  Eu ainda estava no comecinho dos meus estudos do tribal fusion, que me encantou por ser uma dança étnica contemporânea, que me permitiria a liberdade que havia na dança contemporânea mas que tinha como base as danças étnicas, minha área de maior interesse.
 No início do meu processo, busquei ir desconstruindo os movimentos do flamenco tradicional, partindo da pesquisa dos pontos de interseção entre as movimentações da dança flamenca e do que eu havia estudado de tribal fusion até ali. Fui então experimentando, montando e registrando algumas combinações de movimentos. Esse momento foi um despertar para as possibilidades desse trabalho, entre muitos questionamentos, muitas dúvidas e muita vontade de experimentar. Pedi ao Eduardo Bertussi, guitarrista e diretor musical dos meus espetáculos de flamenco que fizesse uma trilha baseado nessa minha perspectiva e inquietação. Sobre a trilha, Eduardo Bertussi diz o seguinte:
“As fontes sonoras utilizadas na primeira parte da trilha remetem aos povos da Ásia, Oriente Médio e África, onde surgem as primeiras manifestações envolvendo a produção dos sons conectados à uma performance de dança, em um contexto puramente ritualístico. Tal contexto, presente como característica essencial em boa parte das construções de tribal, é reproduzido na trilha como preparação para a influência da arte flamenca, representada na segunda parte.”


Dos desdobramentos e do amadurecimento dessa pesquisa inicial surgem:



Uma parte do trabalho Fio do Tempo, concepção de Kilma Farias no qual eu e Jaqueline Lima contribuímos e que foi apresentado pela Cia Lunay no show de Gala do Octubre MEM com Jill Parker no teatro Empire em Buenos Aires em 2011




O meu solo da Caravana Tribal Nordeste 2013 em João Pessoa 



E para lembrar de como a inquietação começou: Takatatá





Flamenco e fusão - Primeiras Inspirações

por Karina Leiro
Salomé de Carlos Saura (2002)

Após falar sobre as origens do flamenco gostaria de começar a falar sobre a minha experiência com as fusões, propondo uma análise do filme Salomé de Carlos Saura, lançado em 2002. Assisti a esse filme em 2008 e ele me despertou para a questão da mestiçagem que acabou me levando ao interesse pelas fusões na dança.



Um diálogo entre o passado e o presente permeia todo o filme. O flamenco é relido de forma contemporânea e esse processo se dá, através de referências a culturas que influenciaram suas próprias origens; elementos árabes, indianos, peças religiosas ocidentais. Salomé conta a história do mito bíblico da enteada de Herodes o tetrarca da Galiléia que, incitada pela mãe, pede ao padrasto em troca de sua dança, a cabeça do pregador João Batista. Na história de Saura, no entanto, o pedido de Salomé tem menos a ver com a influencia da mãe do que com a sua própria frustração. A Salomé de Saura é apaixonada por João Batista e é rejeitada por ele numa dança em que tenta seduzi-Io.



O filme mistura aquele flamenco considerado mais “tradicional” e o clássico espanhol, com outras influências, como os movimentos de dança clássica, moderna e dança do ventre. A indumentária da dança dos sete véus é uma releitura da dança original árabe. Salomé dança com sete vestidos sobrepostos e agrega na sua dança as influências das diversas técnicas já citadas, ao mesmo tempo em que inova o próprio flamenco. Nesse ponto, nota-se a permissividade, a liberdade artística característica da arte pós-moderna, também presente no ecletismo da trilha sonora, que reinterpreta o flamenco confrontando-o com algumas de suas origens mais antigas: há músicas inspiradas em fontes árabes, em peças religiosas ocidentais como as obras de Bach ou Heandel, misturadas com instrumentos de vento e percussões indianas, proporcionando um diálogo inesperado com o flamenco. Quem espera ver no filme apenas o flamenco tal como é conhecido tradicionalmente, é logo tomado de estranheza, pois, mesmo nos momentos em que o flamenco é dançado, os movimentos são frequentemente redefinidos, há a presença de ações múltiplas intercalando com as formas mais tradicionais de coreografia; o figurino evoca imagens de vestimentas orientais, por vezes há uma relação não literal com a música e há mescla com movimentos de outras técnicas de dança. Tudo isso leva o espectador ao questionamento: Isso é mesmo flamenco? 





http://aerithtribalfusion.blogspot.com.br/2014/04/flamenco-das-origens-fusao-por-karina.html

Sobre o Flamenco - Origens - PARTE 4

Parte 4 de 4 | por Karina Leiro


O flamenco, expulso dos cafés pelo cinematógrafo e o cuplé, se reinventa para ocupar teatros e as praças das touradas. Essa etapa, que começa a partir da segunda metade do século XX, é conhecida como ópera flamenca. O flamenco se adapta aos novos cenários com orquestrações e estilos misturados que bebem do próprio cuplé e do folclore americano. Os artistas flamencos tornaram-se autênticos fenômenos de massa e, logicamente, foram criticados pelos puristas como traidores do “verdadeiro flamenco”. Alguns autores puristas dizem que a primeira etapa do flamenco no teatro foi positiva já que os valores tradicionais foram conservados, no entanto, mais adiante, as raízes do “verdadeiro” flamenco teriam sido desvirtuadas. Eles referem-se à etapa do pós-guerra e até meados dos anos 50, chamada ditadura do operismo, onde o fandango, música mais festeira e superficial, ganha primazia na expressão flamenca e onde aparecem atuações teatrais aflamencadas. As modificações relacionadas à readaptação do flamenco a um novo espaço, são criticadas em nome de um hermetismo que é defendido por alguns estudiosos e aficionados até os dias atuais, caindo muitas vezes num fanatismo que acaba por negar tudo que não seja aquilo que eles classificam como “tradicional”. 



A época chamada renascimento do flamenco, de 1955 a 1975 é assim chamada exatamente porque alguns estudiosos a consideram "uma retomada da expressão do verdadeiro flamenco que havia sido perdida na época anterior". O aumento progressivo do turismo nessa época foi motivo para a abertura de muitos tablados flamencos, sobretudo em Madrid e Barcelona, que atraíram artistas de toda a Espanha e, principalmente, como é lógico, de Andaluzia. Os cantores, com fonte de renda fixa, melhoraram sua situação social, tornaram-se conhecidos, gravaram discos de tiragem alta e, nessa época, começaram a surgir os festivais de flamenco. Muitos diziam que "o patrimônio cultural do flamenco estava a salvo e certamente pode-se considerar que nesse período foram fixados firmemente os alicerces da arte flamenca com vistas ao futuro".


Referências Bibliográficas

A ARTE FLAMENCA: ORIGEM. Disponível em: <http: www.   horizonteflamenco.com>. Acesso em 2008.
ALVARES CABALLERO, Angel. El baile flamenco. Madrid: Alianza Editorial, 1998.
AS ORIGENS DO FLAMENCO. Disponível em: <http: www.esflamenco.com>. Acesso em: 10 mai. 2008.
Arrebola, Alfredo. Origen del Flamenco. Disponível em: <http: www.folcloreyflamenco.com >. Acesso em: 20 junho 2008.
Calado, Silvia. Ares clássicos. Disponível em: <http: www.flamenco-world.com>. Acesso em: 10 junho 2008.
Clemente, Luis. Flamenco, um jovem de 200 anos. Disponível em: <http: www. flamenco-world.com>. Acesso em: 03 maio 2008.
FORD, Richard. Cosas de españa, aventuras de un inglés por Ia península ibérica a mediados del siglo XIX. Madrid: Ediciones B, 2004.
PARRA EXPÓSITO, José María: El compás flamenco de todos los estilos. Barcelona: Editorial Apóstrofe, 1999.
POHREN, Doun E. The art of flamenco. 1ª ed. Westport: The Bold Strummer, 1990.
ROSSY, Hipólito. Teoria del Cante Jondo. Barcelona: Gredsa, 1998.
POHREN, Doun E. The art of flamenco. 1ª ed. Westport: The Bold Strummer, 1990.

Flamenco, das origens à fusão
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Recife, PE
 

Sobre o Flamenco - Origens - PARTE 3

Parte 3 de 4 |  por Karina Leiro


Terminamos a sessão anterior falando sobre a documentação mais consistente que começa a surgir a partir do século XIX a respeito da história do flamenco, razão pela qual, muitos estudiosos tomam essa época como seu início. Agora, com documentos nas mãos, era gerado nas noites, nos pátios das casas, em restaurantes fora do centro, à luz dos candeeiros, o flamenco, que coexistia com outras danças folclóricas de Andaluzia e da Espanha, através da chamada Escola Bolera. O bairro de Triana em Sevilha já aparece como o epicentro desse pré-flamenco. Eram cantados e dançados ritmos ensinados nas academias, que funcionavam também como salões de exibição voltados para o turismo. Com o salão, começou a competir um novo espaço, o Café Cantante. O primeiro, Los Lombardos, foi inaugurado em Sevilha em 1847. Estes locais proporcionaram um impulso decisivo para o flamenco até por causa da concorrência; era preciso fazer um melhor espetáculo que os demais para atrair um maior número de clientes. Nesses cafés, configurou-se o que se chamou de época de ouro do flamenco, até que o aparecimento do cinematógrafo e o gosto pelo cuplé (canção curta e alegre cantada em teatros e em outros lugares de espetáculo) acabaram afastando o flamenco desses lugares entre as décadas de vinte e trinta, de maneira que ele precisou buscar outras formas, como o flamenco teatral, para chegar ao público. 
 


No final do século XIX, surge o fonógrafo criado por Thomas Edison. Com a intenção de promover o aparelho internacionalmente, são gravadas músicas de muitos lugares do mundo e entre elas o flamenco. A primeira gravação teria sido em 1895, sendo Juan Breva, o primeiro a gravar em cilindros de cera. No inicio do século XX começam a gravar em discos de vinil e as primeiras companhias internacionais de discografia se estabelecem no mercado espanhol. O flamenco, já profissionalizado, não demorou a cruzar as fronteiras de Andaluzia. Ainda em meados do século XIX se tem notícia de algumas festas flamencas em Madri, o que implica em novas trocas e influências. O gosto por flamenco na corte chega a tal ponto que, já no final do século, parte da intelectualidade da oposição começa uma campanha anti-flamenquista cujos ecos chegam à França. Como reação à atitude dos poetas no fim do século XIX, uma geração de intelectuais, sobretudo Federico Garcia Lorca, tomou o flamenco como musa, pois queria recuperá-lo como patrimônio artístico popular (Fig. 2). De Lorca é a obra Romancero Gitano e a gravação ao piano com a cantora La Argentinita, do repertório popular de canções espanholas. A obra do poeta, fuzilado após o golpe de estado franquista, foi e segue sendo inspiração habitual para a dança e o canto flamencos. 

Figura 2
 Precisamente Lorca, junto com o compositor Manuel de Falla (Fig. 3), que experimentava na música um processo paralelo ao dos poetas e outros artistas de várias áreas, agrupados no Centro Artístico e Literário de Granada, organizaram o primeiro concurso de cante jondo (canto flamenco) em 1922, com o objetivo de revalorizar este canto que já naquela época era considerado contaminado e em decadência. 

Figura 3


http://aerithtribalfusion.blogspot.com.br/2014/04/flamenco-das-origens-fusao-por-karina.html 


Flamenco, das origens à fusão
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Recife, PE

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