Minhas últimas publicações
vieram numa linha autobiográfica, falando da minha pesquisa em meio ao que venho
denominando flamenco fusion, derivação das minhas vivências com flamenco
tradicional, tribal fusion e, mais recentemente, uma vivência mais profunda do
ATS, que resultou na certificação.
Retomando o caminho das
fusões, logo após o Andaluz, surgiu Gitana. Desta vez um solo que tinha a ver
com os meus questionamentos sobre meus processos identitários e os da minha
dança.
Os teóricos das origens do
Flamenco se dividem em “ciganistas” e “andaluzistas”. Para os teóricos
“ciganistas”, somente o que é por eles considerado canto cigano tem garantia de
pureza. Os demais cantos, que eles consideram “aciganados” não tem valor
intrínseco, e os intérpretes não ciganos são meros aprendizes. Para os
andaluzistas, os ciganos que se instalaram em Andaluzia foram apenas
transmissores do canto andaluz, às vezes intérpretes geniais. Mas o flamenco teria
sido resultado de um conjunto de influências e fatores.
Foto retirada do site: http://porsolea.com/tag/ |
Independente de concordar com
uma ou outra linha, o fato é que os ciganos tiveram e tem importância
fundamental no universo flamenco. A bailarina de flamenco, gitana ou não em
termos de linhagem, acaba sendo associada à imagem da gitana flamenca.
Nesse momento, faço minhas as
palavras de um patriarca gitano que disse; Vivan
los gitanos flamencos del mundo esten donde esten y sean de la raza que sean (Vivam
os ciganos flamencos do mundo, estejam onde estejam e sejam da raça que sejam)
A coreografia Gitana nasceu de
uma música (de mesmo nome) composta pelo meu parceiro de flamenco a anos, o
guitarrista Eduardo Bertussi. Eu pedi, como grande amigo que é e que me conhece
a muitos anos, que compusesse para mim uma música que me retratasse naquele
momento, que tivesse a ver com esse meu momento de muitas transições pessoais e profissionais; e de muitos questionamentos e inquietações sobre a minha dança. A
música veio com sonoridades híbridas e me identificando com o nomadismo dos
gitanos, literalmente (já morei em vários lugares) e subjetivamente, como
artista que transita entre diversas manifestações culturais e pesquisas. A
música me trouxe imagens que tem a ver com a passagem, o caminho, a caravana, a
fogueira, o rito, a alma que transita. A melancolia dos apátridas e também o
alívio no momento mais alegre no final da música, como ocorrem nos palos do
flamenco que parecem dizer que, apesar de toda a dor que nos transtorna, ainda
vale a pena estar vivo.