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[Folclore em Foco] Músicas populares para tribal e fusões

 por Nadja El Balady

Este artigo foi pensado para convidar você a refletir a respeito das músicas que você escolhe para as suas performances, sejam de ATS® / FCBD® Style ou qualquer tipo de fusão.

Não que exista algum órgão regulador do que se pode ou não usar para dançar, mas desde os debates acerca de apropriação cultural e orientalismo podemos lançar um novo olhar para todos os aspectos que compõe uma performance, incluindo a música que escolhemos. É preciso agora que você preste muita atenção ao fato de que apresento aqui minha visão pessoal, não se trata de nenhuma regra rígida que precise ser seguida à risca sob o risco de cancelamento virtual. Compartilho minhas reflexões, aquilo que significa para mim montar uma performance de fusão, seja ela qual for, a forma como penso e escolho as minhas músicas. Reconheço inclusive que muita gente não se importa, não parece ser muito relevante para o mercado, nacional ou internacional, pensar a respeito das músicas que usamos para dançar, tendo isso quase nenhum impacto no sucesso que determinadas artistas alcançam.


Por que, então, é relevante levantar esta questão?

Porque a partir do momento em que conheço algo, não posso mais fingir que não conheço. Porque sabendo que muitas músicas que usamos para compor performances de dança do ventre, tribal ou não, são de propriedade de pessoas que vivem em condições difíceis de vida por conta de uma história de colonialismo e exploração de sua força de trabalho e que podem ter suas origens apagadas pela discriminação social, eu como artista, tenho a obrigação de conhecer e valorizar a arte destas pessoas. No mínimo. Existem outros motivos, como saber que faço um trabalho com profundidade, mas este é o mais importante: Ética. 

Meu primeiro conselho é um velho amigo já repetido por tantas professoras: “Conheça a sua música”. Quando você escolher uma música para preparar a sua performance conheça tudo sobre ela. Sim, você precisa conhecer a estrutura da música (instrumentos, frases musicais, melodia, andamento, ritmo), mas você precisa saber também como ela se chama, quem compôs, quem gravou, de que país ela é e também qual a tradução da letra. Só assim você vai conhecer a sua música.

“Nossa, Nadja, mas conhecer até a tradução dá muito trabalho. Quero só dançar ATS®. ”

Pois é, fazer as coisas com profundidade dá trabalho. Mesmo que você não tenha intenção de ser profissional, se quiser colocar na prática o que a gente debate na teoria este é um caminho inevitável: A busca pelo conhecimento, que é infindável. Apaixone-se por isso, pois conhecer uma música, é conhecer um pedaço de uma cultura, cultura esta que é base matriz da dança que você faz. É importante conhecer a tradução das músicas também porque pode ser que a letra fale de religião ou que tenha algum trocadilho de mal gosto, que seja de cunho machista, ou ainda que conte uma história trágica. Tem a ver com a mensagem que você gostaria de transmitir com a performance. 


Em relação ao aspecto cultural, na busca pelos detalhes você encontra muitas informações como: A qual gênero musical esta música pertence, em que ano foi gravada, a qual tipo de dança popular ela está relacionada. Se for possível, tente adicionar algo na sua performance que se relacione com a cultura: Um movimento característico, detalhes no figurino, acessórios, permita que esta música influencie nas suas escolhas estéticas. Você pode começar pensando a respeito do país e gênero musical, por exemplo: Se a música é um Said egípcio, um karsilama turco, um bhangra indiano, uma rumba gitana ou um dabke libanês. Diferentes combinações estéticas para cada uma destas hipóteses.

Algumas destas danças populares são bem conhecidas no universo das danças orientais e você consegue encontrar vídeos e workshops a respeito do assunto. Quando a gente usa uma música que é reconhecidamente de determinada cultura ou região e que você sabe como ela é dançada em sua cultura de origem, pode parecer meio estranho dançar ela de outra maneira. Eu sinto isso muito forte em relação ao uso de músicas populares egípcias para tribal e fusões, como “Luxor Baladna” por exemplo, que é um said egípcio. É uma música ótima para ATS®, com um excelente andamento para tocar snujs, mas eu preciso trabalhar bastante os elementos ghawazee para sentir que a música “casa” com a estética da performance. 

Lembra que representatividade importa? Quando as músicas são muito tradicionais, elas têm um grau de importância na identidade cultural de um povo. Será que alguém daquele povo, que por ventura assista à sua performance, vai entender que mesmo sendo uma fusão, você pelo menos procurou saber a respeito da cultura a qual a música pertence? 

O segundo conselho vem para clarear melhor as coisas: Para fazer fusão, dê preferência a músicas estilizadas, que já sejam trabalhadas com outros elementos musicais, batidas eletrônicas e arranjos modernos. Ainda é importante saber a origem das melodias e ritmos, o país e povo de origem, mas encontramos abertura artística para sair da representação cultural. 




Como não existem regras precisas, é sempre bom contar com o bom senso, com a sua própria lógica e intuição no momento de escolher a música. No meu caso, meu parâmetro é sempre o meu conhecimento da cultura brasileira. Eu penso que se eu quiser dançar samba no maracatu é até possível fisicamente, musicalmente alguns maracatus têm uma levada de caixa até parecida com samba, mas o resultado é muito esquisito, pelo menos para mim que conheço maracatu. Principalmente se for uma toada de maracatu muito tradicional. Os pernambucanos provavelmente iriam achar engraçado, no mínimo. Mas se a música for um mangue beat, uma MPB, uma música eletrônica, que tenha um baque de maracatu, eu posso usar nessa música o vocabulário de movimentos que eu quiser: Contemporâneo, jazz, samba, afro, ijexá, dança do ventre. Vai ficar lindo, interessante, moderno, rebuscado. Percebe a diferença?

Outro exemplo, você deve conhecer a música “Baianá” do grupo Barbatuques, que tanta gente (incluindo eu) já fez performance de fusão com esta música, que já foi usada inclusive como tema de filme da Disney. Esta música é uma superfusão de folguedos, você sabia que ela mistura o baianá tradicional alagoano com coco de arco verde pernambucano? Tudo arranjado com percussão corporal e canto coral, o que faz a música genial e perfeita para compor uma coreografia de fusão. Já não vai ficar tão adequado se você fizer uma fusão sobre a música “Boa Tarde Povo” de Maria do Carmo Barbosa e Melo, das Baianas Mensageiras de Santa Luzia, que é a música original que o Barbatuques usou e chamou de Baianá. Você pode conferir estas duas versões nos links do youtube relacionados ao final do artigo. 


Existe ainda a música que parece folclórica, mas na verdade não é: Foi composta por um músico estadunidense que pesquisa música médio oriental, ou um europeu que ama música brasileira. Se a melodia e os arranjos foram compostos por ele, mesmo que use instrumentos folclóricos, não será. Será folclórica se este músico estiver regravando uma música tradicional, mas logo aí a gente tem espaço para a inserção de mil elementos de fusão. O quão fiel à tradição é esta regravação?

 

Helm (EUA) – Releituras de músicas folclóricas e músicas autorais com elementos folclóricos

Agora você vai me perguntar: “Como eu vou saber diferenciar uma música tradicional de uma música fusionada? “ A resposta é aquela que você não quer ouvir: Pesquisando. Dedicando tempo a isso, ouvindo e conhecendo muitas músicas, do mundo inteiro. Lendo, se interessando, buscando. 

O último conselho assina em baixo dos outros dois: Nunca mais se conforme com uma música que tenha como nome “Faixa 1”. Não dance uma música que você não sabe nem como se chama, por favor. Temos internet e apps moderníssimos para usar como ferramenta hoje em dia, o que facilita em muito a nossa missão. 

A música é nossa ferramenta de criação. Nós dançarinas dedicamos tanto tempo aprimorando nossa técnica, por que não nos dedicar também a conhecer as músicas e também os povos e culturas que usamos como referência estética?

Confesso que muitas vezes já dancei músicas que não conhecia muito bem, que até hoje não sei de onde vieram nem para onde foram. Já cometi gafes imperdoáveis como dançar como Khaliji uma música síria (em minha defesa, todas as dançarinas brasileiras dos anos 2000 fizeram isso ahahaha...), igualmente já presenciei inúmeras gafes com músicas folclóricas em concursos de folclore árabe e apresentações de tribal. Gafes musicais são muito comuns em nosso meio, com maior ou menor gravidade. Considero grave se alguém lança um trabalho como fruto de uma pesquisa folclórica, ministra workshops a respeito, mas usa músicas de outros povos, ou até compostas por estrangeiros, como material de coreografia. Mas uma vez o dono de um restaurante libanês em que eu dançava puxou uma roda de dabke com um said egípcio, ninguém ligou, todo mundo se divertiu. Tudo depende sempre de onde eu danço e para quem eu danço. O que eu danço e como eu danço, será consequência.

Eu dançando Baianá do Barbatuques


Vídeos de Referência:

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Folclore em Foco

Nadja El Balady (Rio de Janeiro-RJ) é diretora do grupo Loko Kamel Tribal Dance e proprietária do Oriental Studio de Dança no Rio de Janeiro, dedicando-se há 21 anos a estudar danças orientais. Professora de Dança do Ventre, American Tribal Style® e Tribal Fusion, com experiência internacional na Europa em shows e workshops. Estuda o Estilo Tribal desde 2005 e é uma das pioneiras da Fusão Tribal Brasileira. . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Folclore em Foco] Cultura beduína: Hagalla

 por Nadja El Balady


Por que eu, que pratico estilo tribal, preciso saber sobre Hagalla? 

Porque Hagalla é uma manifestação popular folclórica beduína que dá origem a movimentos importantíssimos do vocabulário da dança do ventre, seja tradicional, moderna, fusão ou tribal. Como estudantes, apreciadoras e praticantes de dança do ventre, é nossa obrigação saber de onde vêm os movimentos, saber o mínimo sobre a cultura de origem e valorizar esta cultura de todas as formas possíveis.

Cena filme Gharam Fil Karnak

A cultura beduína é diversa e muito presente em quase todos os países MENAHT. Na verdade, para além das fronteiras MENAHT ainda existem povos beduínos, desde o oriente médio até a Índia.  Estejamos sempre atentas para saber como a presença desta cultura ancestral afeta as diversas manifestações da arte da dança do ventre.

Beduínos são parte de um grupo árabe habitante dos desertos, povos que existem há milênios antes de cristo. Tradicionalmente se dividem em tribos ou clãs. O termo "beduíno" deriva da palavra árabe badawī. O termo "beduínos" significa, "pessoas do deserto", porém em alguns lugares é tido também como uma expressão pejorativa. As regiões de deserto não são regiões inabitadas, são plenas de povos de etnias diferentes. Embora existam registros de presença beduína em todo o oriente médio desde tempos remotos, considera-se que são originários da península arábica e durante as conquistas árabes, no século VII, expandiram-se pelo norte de África. 

A maioria dos beduínos são muçulmanos sunitas, mas existem os praticantes de outras variações do islã, como os sufi, bem como uma minoria cristã no oriente médio.

Se dedicam principalmente a atividades como criação de animais, lavoura e comércio. São de tradição nômade, isto é, durante séculos mantiveram o hábito de migrar sazonalmente entre regiões diferentes para realizar suas atividades. Este é um traço cultural cada vez mais difícil de ser mantido a partir da colonização ocidental sobre países da África e Ásia. Com a demarcação rígida das fronteiras, ser nômade passou a se tornar tarefa cada vez mais difícil.  Ao longo do tempo uma quantidade cada vez maior de pessoas de origem beduína foram adotando uma vida urbana moderna, integrando comunidades em cidades e regiões próximas a oásis.


Segundo o professor Khaled Eman, Hagalla é uma dança que não faz parte apenas da cultura popular beduína do Egito, mas também da Tunísia e da Líbia e ressalta a importância de saber diferenciar a Hagalla de cada região. No Egito, Hagalla faz parte da cultura dos beduínos da região de Marsa Matruh, noroeste do Egito, entre Alexandria e a fronteira com a Líbia. Segundo ele, Hagalla é uma palavra que quer dizer dançarina no dialeto badawya. Alguns outros pesquisadores apontam uma derivação do termos “hagl” em árabe, que significa “saltar”, mas de todo modo o termo se refere ao protagonismo da mulher que está dançando.

Atualmente Hagalla é uma celebração que faz parte de um festejo ou uma cerimônia, principalmente casamentos. No blog da pesquisadora Hanna Aisha encontrei a informação de que, na Líbia, por exemplo, essa manifestação cultural representa uma celebração ao início da vida adulta de uma jovem. Existe uma hipótese de que no passado este ritual seria usado para que a mulher escolhesse seu pretendente para o casamento, mas não encontrei nenhuma evidência que comprove esta hipótese, bastante difundida aqui no Brasil.

A música usada para Hagalla faz parte da tradição de “Kaff” no Egito. Kaff é uma forma muito interessante de fazer música com palmas e é um elemento que é incorporado em outras musicalidades egípcias como o Kaff (ou kafafa) do alto Egito ou a Sensemeya da região de Suez.

Raqs El Kaff ou Kaffafa - Alto Egito

Na década de 1960 o famoso coreógrafo egípcio Mahmoud Reda e a então primeira dançarina de sua trupe, Farida Fahmy conseguiram estar presentes a uma celebração de casamento na região de Marsa Matruh onde puderam assistir a uma apresentação de Hagalla original e desenvolveram um trabalho muito importante para palco e cinema representando esta parte da cultura beduína egípcia. A performance de Hagalla adaptada para o cinema pela Reda Trupe foi incluída no filme egípcio Gharam Fil Karnak de 1965. Ainda hoje, a adaptação de Reda é a principal fonte de estudo sobre Hagalla em todo o mundo. Muitos coreógrafos usam o estilo Reda como inspiração para suas próprias coreografias. É importante entender que por mais bonito que seja, Reda fazia uma interpretação teatral de danças folclóricas, nunca foi a intenção reproduzir fielmente as danças como as viam em sua raiz popular. Trata-se de uma estilização folclórica, como já explicado em artigos anteriores desta coluna “Folclore em foco”.

De qualquer forma, sua pesquisa de campo foi bastante rica em detalhes e o artigo redigido por Farida Fahmy, essencial como fonte de pesquisa. Segundo eles, Hagalla era uma performance celebrativa protagonizada por uma dançarina profissional durante o casamento.


A seguir, faço uma tradução livre de um trecho deste artigo publicado em seu site, onde ela descreve o que viu de Haggala no casamento em que pode estar presente há tantos anos:

“A Hagalla geralmente acontece para celebrar casamentos ou as vésperas de um enlace, ou também são é apresentada em festas para honrar visitantes ou selar um compromisso”.

“Na Hagalla há um aspecto competitivos onde diferentes grupos batem palmas chamando a solista, e aquele grupo mais forte ou carismático ganha a presença da solista perto dele. Essas palmas sofrem flutuações de dinâmica e velocidade, o que pode alterar a construção da dança. Uma mulher ou uma dupla de mulheres, dançam movidas pelas palmas de grupos de homens, que cometem entre si para ganhar a atenção das mesmas.”

“Quando o evento começou, os homens da comunidade se organizaram em pequenos grupos em formações em semicírculo. Eles ficaram ombro a ombro e começaram a cantar em seu dialeto local e a bater palmas enquanto se inclinavam para frente e para trás em uníssono. Enquanto isso, a Haggala amarrou seus quadris com um tecido parecido com uma toga - semelhante ao que os homens usavam - que é exclusivo desta região do Egito. Ela arrumou o tecido de uma forma que as dobras e babados dessem volume extra aos quadris. Ela só começou a dançar quando as palmas e o canto ganharam força. Cada formação de homens competia com os outros grupos. Os homens dançando ficaram mais animados. Cada grupo aumentou sua competição adicionando síncopes às palmas, flexões profundas dos joelhos, inclinações para a frente e intercalando seu canto com gritos de encorajamento. Al Haggala começou a dançar, o tempo todo mantendo uma atitude indiferente, recatada e reservada. Ela alternou sua atenção de um grupo para o outro e avançou em direção ao grupo que demonstrou mais zelo. Isso criou um fervor competitivo entre os participantes. Essa interação ofereceu uma dinâmica única para a dança. O movimento do quadril de Al-Haggala era basicamente uma oscilação pélvica contínua. Esta oscilação foi executada simultaneamente quando ela andava. Depois que a dança acabou, consegui uma demonstração mais próxima do movimento do quadril de al-Haggala em seus aposentos privados. A maioria das danças indígenas são aprendidas por meio da imitação. Depois de repetir o movimento muitas vezes, consegui aprendê-lo. Posteriormente, após quebrar o movimento, esse tipo de oscilação foi agregado ao vocabulário da dança e foi apresentado aos exercícios de aula da Trupe Reda.”

A movimentação da dança Hagalla é bastante focada na movimentação dos quadris, rica em torsões e shimmies. Twists, oito para trás, batidas secas verticais como o que conhecemos aqui no Brasil como “soldadinho” ou “maia quebrado”, básico egípcio, shimmies de ombro e shimmies de quadril combinados com outros movimentos, como o twist. O movimento mais usado na dança do ventre e estilo tribal é o que conhecemos como “Shimmy Hagalla”, que é um deslocamento com shimmy de 3/4 (intenção para baixo) combinado com torsão de quadril. Também encontro no vocabulário de Hagalla um deslocamento com shimmy de quadril que no vocabulário de ATS® / FCBD® conhecemos como “Turkish Shimmy”, ou (Shimmy Turco em português). A dançarina de Hagalla pode entremear sua movimentação com pequenos saltos e palmas, uma vez que as palmas são bem marcantes na encenação como um todo. A apresentação é sempre vibrante e estimula o público a acompanhar com palmas também.

A sonoridade da música beduína é bastante atraente para estilo tribal, principalmente ATS® / FCBD® com bases rítmicas comuns a muitas músicas de dança do ventre tradicional, como malfuf (ou Laff), felahi (bases 2/4), ricas em flautas bem agudas e percussão marcante. Existem músicas feitas para shows de dança que são mais trabalhadas em arranjos de violinos, com uma musicalidade mais acessível para ouvidos ocidentais, como nas músicas utilizadas pela Reda Troupe e alguns professores de folclore egípcio que trabalham na Europa. 

Uma referência musical bem interessante é o disco “Bedouin Tribal Dance”, lançado por Hossan Ramzy em 2007 com participação do grupo Gypsies of the Nile. Várias canções usadas em festividades e casamentos beduínos no noroeste do Egito foram regravadas nesta obra e são bastante utilizadas pelas dançarinas de estilo tribal mundo à fora.



Fontes

http://hannaaisha.blogspot.com/2010/12/danca-hagalla.html

https://teachmideast.org/articles/hand-clapping-egypt/

http://www.shira.net/about/reda-interview07-hagalla.htm

http://www.faridafahmy.com/haggala.html

https://www.facebook.com/watch/?v=872982859542516

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Folclore em Foco


Nadja El Balady (Rio de Janeiro-RJ) é diretora do grupo Loko Kamel Tribal Dance e proprietária do Oriental Studio de Dança no Rio de Janeiro, dedicando-se há 21 anos a estudar danças orientais. Professora de Dança do Ventre, American Tribal Style® e Tribal Fusion, com experiência internacional na Europa em shows e workshops. Estuda o Estilo Tribal desde 2005 e é uma das pioneiras da Fusão Tribal Brasileira. . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 



[Folclore em Foco] MENAHT e a dança do ventre

por Nadja El Balady


Você sabe o que é MENAHT? É a sigla em inglês para reunir diversos países de regiões diferentes da África, Ásia e Europa: Middle East, North African, Hellas and Turkey (oriente médio, norte da África, Grécia e Turquia). O nome oficial da Grécia é Hellas, são os estrangeiros que chamam de Grécia, nome dado durante a dominação romana. Os gregos chamam seu país com este nome devido a sua ancestral cultura helênica, que se estende também para alguns países vizinhos da região dos Balcãs.

Todos estas regiões têm em sua diversidade cultural, alguma manifestação popular que se relaciona direta ou indiretamente com o fazer da dança do ventre, de qualquer estilo. A base, os fundamentos dos movimentos principais da dança do ventre – oitos, redondos, ondulações, shimmies, batidas de quadril – são todos movimentos de danças populares diversas de países como Egito, Líbano e Turquia, de povos nativos que conhecemos com os nomes de ciganos, beduínos e berberes (que são denominações colonialistas).

Cada país tem em sua população miscigenações resultado da história de migrações e dominações culturais. Um povo estrangeiro que chega em um território para habitar (seja por conta de guerras, de fome ou qualquer causa natural), Transforma seus próprios hábitos e também influencia a cultura dos povos que já habitavam este mesmo território antes. É o que chamamos de tranças culturais e em todos os países das regiões MENAHT estas tranças culturais acontecem há milênios e são muito interessantes para quem tem sua arte conectada a estas culturas.

Tapestry Amités - Safia Farhat

Falamos muito sobre ciganos, beduínos e berberes porque, entre os diversos povos que habitam os países MENAHT, estes são fundamentais para a base da nossa dança. É importante saber que cada grupo destes significa a presença de uma infinidade de etnias, clãs e famílias, com diferentes línguas, festejos, hábitos, música e dança. Para nós que não temos contato direto é bem difícil encontrar as diferenças entre todos estes povos sem um estudo mais aprofundado. As semelhanças entre suas manifestações populares, são devido às tranças culturais que se delinearam através do tempo e da história, principalmente considerando um passado migratório e nômade de uma grande parte da população destas regiões. Cada grupo, cada cultura também é influenciado pela história das dominações, guerras, condições políticas, das imposições de uma cultura sobre a outra, incluindo aspectos religiosos.

Para conhecer as peculiaridades de cada local, é preciso estudo intensivo e mesmo em uma vida ninguém consegue saber com profundidade tudo de todos os povos, pois a diversidade é, de fato, muito grande. Mesmo assim, vale o esforço de mergulhar para conhecer o máximo que pudermos para nos enriquecermos como artistas e como seres humanos, para estar atentas às implicações sociais relacionadas à arte que praticamos.

Estas populações têm histórico nômade e ao longo do século XX passaram por grandes mudanças e restrições de seu modo de vida devido às colonizações e ocupações europeias que mudaram as fronteiras e restringiram a circulação de pessoas de uma região para outra. Países foram criados de forma artificial por interesses políticos e durante muito tempo alguns povos não tiveram acesso a direitos básicos como cidadãos dos países a qual passaram a pertencer. Apesar de a história das dominações entre os povos ser tão antiga quanto a história da própria humanidade, a presença ocidental no norte da África e em outras regiões da Ásia, foi especialmente negativa do ponto de vista do desenvolvimento social, cultural e econômico de povos nativos como os berberes (Amazigh) e beduínos, por exemplo.

A seguir seguem mapas a respeito da presença dos principais grupo étnicos na região MENAHT.

Mapa da população de origem beduína
no norte da África e oriente médio
Beduínos são árabes nômades, com origem na península arábica e que se espalharam pelo norte da África e oriente médio durante a expansão do Islã, a partir do século VII. A palavra “beduíno” significa “povo do deserto”. É maior população com histórico nômade das regiões MENAHT, ocupando norte da África, todo o oriente médio e partes da Ásia. Muitos beduínos abandonaram os hábitos nômades, apesar de alguns clãs ainda persistirem em suas tradições. A vida nômade foi se tornando cada vez mais difícil ao longo do século passado. A maioria esmagadora dos beduínos são muçulmanos, embora existam uns poucos cristãos.


Mapa da presença Amazigh no norte da África
Os grupos que conhecemos como Berberes se identificam com o nome Amazigh (povo livre), a denominação “berbere” tem origem na época da colonização romana e é considerada ofensiva. Seus idiomas e dialetos vem da família de línguas afro-asiáticas e ocupam regiões entre o Marrocos e a Argélia, principalmente a região que conhecemos como Magrebe. Durante a expansão do Islã, os amazigh se tornaram, em sua maioria, muçulmanos e assimilaram muito da cultura árabe.


“Ciganos” com o qual conhecemos o povo
Mapa das ondas migratórias rom
Roma, ou Rom, que em português significaria “homem”. População com histórico nômade, supostamente de origem indiana e que se espalhou pelo mundo em ondas migratórias, assimilando diferentes costumes e dando origem a diferentes etnias, clãs, famílias, línguas e dialetos. Durante a segunda onda migratória, no século XIV, muitas caravanas partiram para a Europa, Oriente Médio e Norte da África. Um primeiro grupo tomou rumo oeste e atingiu a Europa através da Grécia; o segundo partiu para o sul, adentrando o Império Bizantino e chegando à Síria, Egito e Palestina. Em razão da ausência de uma história escrita, a origem e a história inicial dos povos rom foram um mistério por muito tempo. Até meados do século XVIII, teorias da sua origem se limitavam a especulações.

A dança do ventre é uma grande porta de entrada cultural. Junto com a dança, vêm a música, junto com a música, a língua, com a língua os sabores e aromas e em seguida vêm a geografia, a história e os hábitos do um povo. Nos interessamos por seus folclores, por suas festas, suas cerimônias e rituais. Quem mergulha na cultura de um povo compreende melhor sua corporeidade, consegue traduzir sua musicalidade, acrescenta a si mesmo saberes e se enriquece culturalmente.

É muito importante conhecer culturas nativas MENAHT, por diversos motivos. Além de enriquecimento artístico e cultural, precisamos conhecer sua história, inclusive das dominações, das guerras, das sobreposições de uma cultura sobre outra. Existem muitos povos importantes que estão relegados à pobreza e a falta de condições sanitárias por motivos de dominação cultural e econômica e a arte também reflete a história destes povos.

Ao mesmo tempo que a dança traz visibilidade às culturas populares menos favorecidas (e isso é ótimo), muitas vezes a dançarina ocidental desenvolve um olhar superficial, romantizado, turístico e até exploratório a respeito destas culturas, o que no final das contas não vai ajudar a diminuir as desigualdades sociais desenvolvidas no sistema colonialista em que estamos todas inseridas. Todas nós que dançamos estamos implicadas nisso: Nós que fazemos ATS/FCBD®; Nós que fazemos Tribal Fusion; Nós que fazemos Fusion Bellydance; Nós que fazemos Dança do Ventre tradicional; Nós que fazemos Folclore Árabe ou de qualquer região MENAHT.

Fazer aulas com professores nativos de determinado país é de suma importância, mas vejam bem: Dentro de um país que sofreu com a colonização, existem camadas sociais diferentes. Muitas vezes o coreógrafo que tem acesso à educação artística e que trabalha na Europa, Estados Unidos e faz fama pelo mundo, não tem contato direto com a fonte cultural daquela dança que ensinam, que em geral é pobre e/ou sofre preconceito. Por exemplo: Em busca de estudar a cultura ghawazee, em vez de fazer aula com uma pessoa diretamente conectada à esta dança popular, como a madame Khariya Mazin, a dançarina faz aula com um coreógrafo egípcio. Não que o coreógrafo não possa estar desenvolvendo um bom trabalho, mas ele está tendo um reconhecimento (financeiro, inclusive) que melhor estaria sendo direcionado para quem dedica a sua vida ao fazer da própria cultura. Além disso, muitas vezes a visão do coreógrafo sobre aquela dança será tão romantizada quanto a nossa e no intuito de “elevar à condição de arte” a cultura popular, desvia o curso do dinheiro que transita apenas nas camadas sociais mais altas e nunca chega de verdade em quem mais precisa dele.

Isso não significa, de forma nenhuma, que devemos deixar de ensinar ou estudar a cultura popular da região que for. No esforço de conhecer outras culturas, de apresentar as danças de outros lugares, de passar este conhecimento a diante, nativos e não nativos prestam um grande serviço de educação e de difusão cultural, o que é a tal porta de entrada citada anteriormente, mas é preciso se preocupar também com a valorização daqueles que têm estas danças em suas vidas como tradição e identidade cultural.

Vou citar como exemplo meu próprio trabalho com o grupo Rio Maracatu no Rio de Janeiro, onde dei aulas por 20 anos de maracatu de baque virado, coco de roda, ciranda, entre outras manifestações populares pernambucanas. O Rio Maracatu foi (ou ainda é) uma grande porta de entrada para a cultural pernambucana no Sudeste. Durante os primeiros anos de existência, não se falava em apropriação cultural ou qualquer outro assunto correlacionado. Éramos jovens artistas de classe média do Rio de Janeiro, enamorados da riquíssima cultura pernambucana com a qual criávamos música e coreografia. Eu tinha acesso direto à cultura pernambucana porque meu pai morava lá e eu cresci vivenciando estas manifestações culturais todos os verões, quando ia visitar. A partir do momento em que entendemos nossa responsabilidade com esta cultura, passamos a ir sempre em Pernambuco para vivenciar, estudar e imergir no fazer do maracatu nação, tendo contato direto com os mestres em suas sedes de maracatus tradicionais. Posteriormente passamos a organizar quase todos os meses workshops e vivências com mestres, batuqueiros, dançarinos, princesas e rainhas destas nações no Rio de Janeiro. Organizamos grupos para ir até os maracatus em Recife para terem acesso a estas pessoas e a estas culturas em suas casas, em suas comunidades. Claro que esta é uma história muito resumida, existem muitas questões a respeito desta situação que precisariam de um livro para serem abordadas com cuidado. Menciono esta história aqui porque ela reflete uma transformação no entendimento de quem somos e que papel escolhemos ocupar no fazer da cultura popular ou da criação artística cênica baseada na cultura popular, que é o caso da dança do ventre tradicional, tribal ou de fusão.

Entendo também que para um grupo de maracatu é muito mais fácil levar mestres de Pernambuco para o Rio de Janeiro, do que apara uma dançarina brasileira trazer para o Brasil mestres do Egito, do Líbano ou da Turquia. Eu mesma ainda não tive muitas oportunidades de valorizar estes mestres o quanto gostaria, mas estejamos atentas a isso e se você tiver alguma oportunidade neste sentido, não deixe passar. Quanto maior vivência com estas pessoas, melhor para nós, para elas, para o mundo. Faça entender aos produtores de festivais que este é o seu desejo. Se você produz festivais internacionais, se você é uma pessoa que se arrisca em um negócio de milhares de dólares para trazer uma estrela internacional estadunidense ou russa, use este espaço para também valorizar mestres da cultura popular MENAHT. Nós, alunas dos workshops do seu festival, vamos pagar por isso também.

Khaiyria Mazin - Ghawazee

A seguir listo algumas das manifestações populares do universo MENAHT que entendo que são importantes para as dançarinas de ATS/FCBD, Tribal Fusion e Fusion Bellydance conhecerem, não só porque usamos os movimentos das danças, mas também porque usamos suas músicas para nossas apresentações. Saber de onde vem a música que você usa é tão importante quanto saber de onde vêm os movimentos. Nós artistas fazemos uma misturada danada e tudo bem. Apenas invista neste conhecimento para fazer o que você já faz com maior consciência e com menor risco de ofender alguém.

Nesta coluna “Folclore em foco” vamos abordar ainda diversas danças relacionadas aos países das regiões MENAHT, estejam atentas para mergulharmos juntas nestas manifestações populares fantásticas, ricas e que merecem nossa atenção e valorização.

Norte da África – Ghawazee; Hagalla; Awalen; Baladi; Shaabi egípcio; Said; Zaar; Nuba, Fazzani; Ouled Nail; Aalaoui; Chaabi marroquino

Oriente médio – Dabke; Kawleya

Turquia, Grécia (Hellas) e Balcãs – Roman Havasi; Chifititelli; Koulo; Chochek


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Folclore em Foco


Nadja El Balady (Rio de Janeiro-RJ) é diretora do grupo Loko Kamel Tribal Dance e proprietária do Oriental Studio de Dança no Rio de Janeiro, dedicando-se há 21 anos a estudar danças orientais. Professora de Dança do Ventre, American Tribal Style® e Tribal Fusion, com experiência internacional na Europa em shows e workshops. Estuda o Estilo Tribal desde 2005 e é uma das pioneiras da Fusão Tribal Brasileira. . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Folclore em Foco] Dança Popular X Dança Cênica X Folclore

Por Nadja El Balady

Convido você, leitor do Coletivo Tribal, a mergulhar comigo no universo cultural e artístico onde nós, estudantes, dançarinos, coreógrafos e professores de tribal e fusões realizamos nossas ideias e sonhos de arte. A coluna “Folclore em Foco”, se propõe a apontar direções para a pessoa que estuda a dança oriental e suas estilizações, entre elas o estilo tribal de dança do ventre. Vamos passear por diferentes culturas, derrubar algumas fronteiras, entendendo que o universo da fusão pode beber de fontes muito diferentes e inspirações variadas.

Você já foi a um festival de dança do ventre?

Se já foi, percebeu que existe uma categoria considerada para “folclore” para determinadas apresentações. Mas o que são estas “danças folclóricas” como se relacionam com o estilo tribal?

Em nosso primeiro mergulho de 2021, convido você a pensar comigo sobre o que são danças folclóricas, danças populares, danças cênicas e teatrais, para poder pensar qual é a dança que você faz.


Danças populares e folclóricas


Samba de Roda
















A dança popular é aquela que faz parte da identidade cultural de determinada comunidade. Acontece em família, com amigos, em ambiente descontraído, celebrações e partes profanas de festas religiosas. A dança popular é espontânea, transmitida oralmente (informalmente), através de hábitos culturais, se transforma através do tempo e faz tranças culturais com outras manifestações culturais de lugares vizinhos.

Inicialmente, a dança popular não requer espaço cênico, não tem plateia. O objetivo é a celebração em si. Expressar sentimentos, unir a comunidade, reafirmar a identidade cultural.

Podem existir diferentes entendimentos do que é folclore. De maneira em geral, entendemos como “folclore” tudo aquilo que se relaciona à tradição e costumes de um povo, que seja transmitido de geração em geração. Sejam lendas, hábitos alimentares, rituais religiosos e artes em geral. Os folguedos populares folclóricos, estão ligados à tradição através de ritos e festejos, que geralmente são de origem religiosa. Inclusive o ritual do casamento, muitas danças populares ao redor do mundo estão conectadas às tradições de matrimônio.

Folia de Reis

É preciso prestar bastante atenção no aspecto religioso comum à muitos dos folguedos folclóricos, no Brasil principalmente. Religiões têm festas, músicas e danças típicas em datas importantes em seus calendários. Estes ritos e festejos, passam a ter uma importância comunitária muito grande e hábitos culturais são mantidos enquanto tradição popular em função da religiosidade. 

Ex: Peguemos duas manifestações populares brasileiras, a Folia de Reis e o Funk. Um pode ser considerado folclore e outro, com certeza não. Por quê? Porque a Folia de Reis é um folguedo completo, que compreende dança, música e teatro, mantida de geração a geração, tradicional e ligada ao ciclo natalino do calendário católico. O Funk... nada disso. 

Então existem dança populares que são folclóricas e outras não. Dentro deste ponto de vista, a grande maioria das danças que aprendemos como folclore árabe não seriam danças folclóricas, mas danças populares, como por exemplo: dabke, shaabi e mesmo o baladi.

A dança popular no palco

O palco é a delimitação do espaço cênico, a divisão entre artista e plateia. O espaço cênico se delimita quando a dança ganha uma intenção, um objetivo. O artista influencia o seu meio compartilhando emoções, ideias e visões de mundo.

Podemos ver isso acontecer em folguedos populares que compreendem também elementos teatrais, incluindo personagens, caracterização de figurino e até diálogos entre as figuras. Todo o folguedo gira em torno deste espaço imaginário que se cria para o desenvolvimento de autos, bailes e jogos de cena.

Danças populares de festas e celebrações também se modificam quando transportadas para o espaço cênico, em performance para a plateia, ganham preocupações cênicas, como mudança de posicionamento, expressão facial, gestual de cena, figurino e técnica. 

Podemos comparar ao nosso samba brasileiro, onde se difere o modo como sambamos em festas, do samba que é levado para o palco por passistas e dançarinos profissionais. A produção de maquiagem e figurino fica para os desfiles e apresentações das escolas de samba. Também a movimentação das passistas profissionais é diferente, com técnica e elementos de efeito cênico que muito diferenciam da dança casual feita em casa.

Danças teatrais e cênicas



Chamamos “dança cênica” todas as modalidades de dança que se desenvolveram a partir do Ballet. Todas as danças modernas e contemporâneas, todos os estilos que vieram do ballet ou que romperam com o ballet, todas as danças de palco desenvolvidas no ocidente. Danças que exigem fundamento técnico, estudo e habilidade. Concebidas para a performance, com o objetivo da experiência artística. A dança cênica pode ser teatral ou abstrata. Teatral significa que existe um enredo, uma dramaturgia, caracterização de personagens, que transmite uma mensagem. A dança abstrata tem por fim o próprio movimento, a habilidade técnica, o virtuosismo. A criação coreográfica e sua execução técnica é o foco principal da performance.

No ocidente, termo “dança teatral” ou “dança teatro” surgiu no início do século XX na Alemanha, como definição de uma corrente de pensamento que pretendia distanciar esta nova forma de dança das tradições do ballet clássico, durante o movimento Expressionista. Um de seus maiores representantes foi Rudolf Laban e teve ainda grandes nomes da dança no ocidente como Mary Wigman e Pina Bausch.

A dança teatral no Egito



É comum encontrarmos, principalmente entre professores egípcios, o entendimento de que danças folclóricas são danças teatrais.

Diversos folguedos folclóricos carregam em suas tradições aspectos teatrais importantes. No Egito, na segunda metade do século XX, o grande coreógrafo Mahmoud Reda transportou com maestria os aspectos teatrais populares para o palco, criando novas corporeidades para representar personagens do povo, criando danças que não existem na tradição popular, mas que se encaixam na teatralidade de representação cultural de hábitos regionais ou períodos históricos, criando uma fantasia folclórica teatral. Podemos citar como exemplo dois estilos criados por Reda: a dança com melaya laff e o Mwashahat. 

Não existe, dentro da tradição popular egípcia”, uma dança com melaya. Este é apenas um acessório de vestimenta comumente usado pelas egípcias há várias décadas atrás. A dança com melaya foi criada por Mahmoud Reda e Farida Fahmy para retratar um tipo de mulher egípcia, criar um personagem incluído em um enredo e com ele uma cena que envolveria interpretação e dança. Melaya é “dança teatral” que usa a movimentação popular “baladi “ou “skandarani” como base técnica de sua expressão.

Danças populares cênicas - estilizações

Dabke

Na intercessão entre a dança cênica e a dança popular, existe este espaço da cena popular, como já exemplificado antes com o samba. Muitas formas de dança étnica ocupam o espaço cênico, sobem ao palco, cumprindo ainda uma função de afirmação da identidade cultural, mas com um novo objetivo: O entretenimento, criando estilizações da cultura popular. Isto acontece com inúmeras manifestações populares no mundo todo. 

Como exemplo deste fenômeno de estilização no mundo árabe e que conhecemos através da dança do ventre, podemos citar o dabke libanês. Uma dança popular, fruto de hábitos do cotidiano, a maior expressão de identidade cultural libanesa, com suas diferentes corporeidades regionais. Não existe casamento sem dabke no Líbano. O dabke é uma dança circular, que não requer roupa especial e não precisa de delimitação de espaço cênico para acontecer. O objetivo é a celebração em si. 

Dabke (coreográfico) no palco

Quando assistimos performances de dabke no palco, normalmente são feitas por grupos de dabke coreográfico, que modificam e inserem novos movimentos em favor da performance cênica. No palco, para uma melhor visualização da cena pelo público, o posicionamento muda, a roda tradicional se abre. Os dançarinos usam figurinos que imitam as roupas do dia a dia, ou representam um período histórico, mas sempre com glamour e brilho. Novo repertório de movimento é criado e existe a valorização do dançarino virtuose.


A dança do ventre e as fusões étnicas

A dança do ventre é uma dança étnica estilizada, cênica, de palco, que teve origem na tradição popular egípcia e foi se tornando o que conhecemos a partir da virada do século XIX para o século XX, quando aconteceram transformações de seu espaço cênico e da sua importância social como arte e entretenimento. Imortalizada para o mundo através do cinema, a raks el sharq (dança do oriente, em árabe), se tornou uma expressão artística popular e tradicional, intimamente conectada às celebrações da cultura egípcia. Com mais de um século de evolução, é uma modalidade cênica que se espalhou pelo mundo e encontrou novos significados para mulheres de diferentes tempos, de diferentes locais.


Assim surgiram as muitas estilizações da dança oriental, no fazer desta dança em diferentes contextos cênicos, sendo atravessadas pelas questões sociais através do tempo, fazendo tranças culturais com muitas outras etnias ao redor do mundo. A dança do ventre que se fazia no Egito da década de 1920, não é a mesma dança do ventre que se faz no Egito em 2020. A dança do ventre egípcia não é igual à dança do ventre no Brasil. Nem poderia mesmo ser. As estilizações da dança surgem e se modificam por conta do tempo, de fatores geográficos e históricos.

FatChance BellyDance

O estilo tribal é fruto da estilização da dança do ventre nos Estados Unidos e tem toda uma história de evolução e fundamento estético.

A estética tribal se liga aos elementos étnicos de danças populares do norte da África, oriente médio, Índia e Europa. Podemos relacionar uma lista enorme de influências culturais, seja na movimentação, nos figurinos e também nas músicas escolhidas para as performances. Estas influências todas misturadas, organizadas em um sistema que compõe técnica, vocabulário de movimentos, elementos de cena e dinâmicas de palco formam o que a gente conhece como fusão. O estilo tribal americano (American Tribal Style®, ATS®, FCBD Style®, Fat Chance Belly Dance Style®) é uma fusão étnica que usa elementos de culturas populares como elementos de cena, para expressão artística, sem representar nenhuma etnia específica.

Fusão é um conceito bem abrangente e compreende que o dançarino domine mais de uma modalidade de dança popular ou cênica para combinar seus elementos e montar uma coisa nova, híbrida, com outro significado. 

A fusão de diversos elementos étnicos em uma performance é uma expressão cênica, que pode ser abstrata ou teatral. Música, figurino, maquiagem, movimentação, são os elementos principais usados para criar coreografias híbridas, que usam mais de uma modalidade de dança. A performance que usa elementos étnicos na fusão, não cumpre papel de representatividade, nem de afirmação de identidade cultural de nenhum povo, mas é a expressão da coreógrafa, da dançarina que pode utilizar diferentes recursos para a criação.


Todas as estilizações de dança do ventre podem ser entendidas como fusão étnica, desde as diferentes corporeidades regionais (dança do ventre egípcia, libanesa, brasileira, argentina, turca, estadunidense, russa), como as diferentes estéticas, como tribal e fusion. Dança fusão é um conceito maior, fusão com dança do ventre é algo mais específico e Fusion Belly dance é um estilo que se originou do estilo tribal nos Estados Unidos e que tem toda uma história e fundamento estético.

Vamos ressaltar isso, que Fusion Belly Dance, apesar de ser traduzido como dança do ventre fusão, não é qualquer fusão com dança do ventre. Hoje em dia, por conta da queda do termo “tribal” pelas dançarinas dos Estados Unidos, todo o contexto do estilo tribal pode ser chamado de fusion belly dance, por falta de melhor definição. 

Esta fusion bellydance que surgiu do tribal fusion no final da primeira década do século XXI, absorveu elementos teatrais, explorando temas, ambientes e personagens, como é o caso do dark fusion e das fusões com inspiração cabaré vaudeville e vintage.


Responsabilidade e apropriação cultural

Nadja El Balady - fusão afro

É preciso responsabilidade ao trabalhar diferentes elementos étnicos em cena. A fusão étnica é a que mais precisa se preocupar com os aspectos da apropriação cultural e suas consequências negativas. Ao mesmo tempo em que pode ser a porta de entrada para estudos e conhecimento a respeito de culturas populares importantes e antigas, a artista ocidental precisa se refletir em como vai se utilizar destes elementos sem aprofundar a desigualdade social e econômica em relação às pessoas a quem pertencem estes elementos étnicos que usamos.

Apesar dos cuidados e reflexões em relação à ética do fazer dança fusão, a existência deste tipo de arte é inevitável. Através das tranças culturais, onde uma pessoa de uma cultura influencia outra, a arte encontra novas formas de expressão e se transforma. É um processo antigo, tão antigo quanto a humanidade. Através do estilo tribal e suas fusões étnicas, ocupamos este lugar de conexão entre diferentes realidades sociais, econômicas, culturais e artísticas, assim como temos como experiência as vantagens e desvantagens de exercer a liberdade artística.

É fato que a dança do ventre no ocidente encontrou um novo significado que se distancia de seus objetivos populares e cênicos no oriente. Principalmente quando começou a ser ensinada em uma metodologia de ensino ocidental, ela começou a ocupar um lugar diferente, artístico, mas também terapêutico, do despertar do feminino, que faz como que a dança do ventre tenha um apelo universal.

A arte revela o ser humano, é a expressão maior de visões de mundo, entendimentos da realidade e imaginário coletivo. Muito do que se cria em dança do ventre, seja tradicional, ou tribal, tem a ver com este imaginário, onde a mulher que dança ocupa um lugar diferente das pressões sociais do patriarcado, diferente da origem social da dança. Como uma dança cênica, tem a liberdade de criar outros contextos que não condizem nada com a realidade cultural em que foi criada e é nesse espaço cênico, teatral, imaginário, que novos horizontes se delineiam para a artista que pode se utilizar desta linguagem para sonhar com uma nova realidade para si, para despertar suas potencialidades e transformar o mundo que a cerca.

Bal Anat (2016)


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Folclore em Foco


Nadja El Balady (Rio de Janeiro-RJ) é diretora do grupo Loko Kamel Tribal Dance e proprietária do Oriental Studio de Dança no Rio de Janeiro, dedicando-se há 21 anos a estudar danças orientais. Professora de Dança do Ventre, American Tribal Style® e Tribal Fusion, com experiência internacional na Europa em shows e workshops. Estuda o Estilo Tribal desde 2005 e é uma das pioneiras da Fusão Tribal Brasileira. . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

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