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[Folclore em Foco] Dança Popular X Dança Cênica X Folclore

Por Nadja El Balady

Convido você, leitor do Coletivo Tribal, a mergulhar comigo no universo cultural e artístico onde nós, estudantes, dançarinos, coreógrafos e professores de tribal e fusões realizamos nossas ideias e sonhos de arte. A coluna “Folclore em Foco”, se propõe a apontar direções para a pessoa que estuda a dança oriental e suas estilizações, entre elas o estilo tribal de dança do ventre. Vamos passear por diferentes culturas, derrubar algumas fronteiras, entendendo que o universo da fusão pode beber de fontes muito diferentes e inspirações variadas.

Você já foi a um festival de dança do ventre?

Se já foi, percebeu que existe uma categoria considerada para “folclore” para determinadas apresentações. Mas o que são estas “danças folclóricas” como se relacionam com o estilo tribal?

Em nosso primeiro mergulho de 2021, convido você a pensar comigo sobre o que são danças folclóricas, danças populares, danças cênicas e teatrais, para poder pensar qual é a dança que você faz.


Danças populares e folclóricas


Samba de Roda
















A dança popular é aquela que faz parte da identidade cultural de determinada comunidade. Acontece em família, com amigos, em ambiente descontraído, celebrações e partes profanas de festas religiosas. A dança popular é espontânea, transmitida oralmente (informalmente), através de hábitos culturais, se transforma através do tempo e faz tranças culturais com outras manifestações culturais de lugares vizinhos.

Inicialmente, a dança popular não requer espaço cênico, não tem plateia. O objetivo é a celebração em si. Expressar sentimentos, unir a comunidade, reafirmar a identidade cultural.

Podem existir diferentes entendimentos do que é folclore. De maneira em geral, entendemos como “folclore” tudo aquilo que se relaciona à tradição e costumes de um povo, que seja transmitido de geração em geração. Sejam lendas, hábitos alimentares, rituais religiosos e artes em geral. Os folguedos populares folclóricos, estão ligados à tradição através de ritos e festejos, que geralmente são de origem religiosa. Inclusive o ritual do casamento, muitas danças populares ao redor do mundo estão conectadas às tradições de matrimônio.

Folia de Reis

É preciso prestar bastante atenção no aspecto religioso comum à muitos dos folguedos folclóricos, no Brasil principalmente. Religiões têm festas, músicas e danças típicas em datas importantes em seus calendários. Estes ritos e festejos, passam a ter uma importância comunitária muito grande e hábitos culturais são mantidos enquanto tradição popular em função da religiosidade. 

Ex: Peguemos duas manifestações populares brasileiras, a Folia de Reis e o Funk. Um pode ser considerado folclore e outro, com certeza não. Por quê? Porque a Folia de Reis é um folguedo completo, que compreende dança, música e teatro, mantida de geração a geração, tradicional e ligada ao ciclo natalino do calendário católico. O Funk... nada disso. 

Então existem dança populares que são folclóricas e outras não. Dentro deste ponto de vista, a grande maioria das danças que aprendemos como folclore árabe não seriam danças folclóricas, mas danças populares, como por exemplo: dabke, shaabi e mesmo o baladi.

A dança popular no palco

O palco é a delimitação do espaço cênico, a divisão entre artista e plateia. O espaço cênico se delimita quando a dança ganha uma intenção, um objetivo. O artista influencia o seu meio compartilhando emoções, ideias e visões de mundo.

Podemos ver isso acontecer em folguedos populares que compreendem também elementos teatrais, incluindo personagens, caracterização de figurino e até diálogos entre as figuras. Todo o folguedo gira em torno deste espaço imaginário que se cria para o desenvolvimento de autos, bailes e jogos de cena.

Danças populares de festas e celebrações também se modificam quando transportadas para o espaço cênico, em performance para a plateia, ganham preocupações cênicas, como mudança de posicionamento, expressão facial, gestual de cena, figurino e técnica. 

Podemos comparar ao nosso samba brasileiro, onde se difere o modo como sambamos em festas, do samba que é levado para o palco por passistas e dançarinos profissionais. A produção de maquiagem e figurino fica para os desfiles e apresentações das escolas de samba. Também a movimentação das passistas profissionais é diferente, com técnica e elementos de efeito cênico que muito diferenciam da dança casual feita em casa.

Danças teatrais e cênicas



Chamamos “dança cênica” todas as modalidades de dança que se desenvolveram a partir do Ballet. Todas as danças modernas e contemporâneas, todos os estilos que vieram do ballet ou que romperam com o ballet, todas as danças de palco desenvolvidas no ocidente. Danças que exigem fundamento técnico, estudo e habilidade. Concebidas para a performance, com o objetivo da experiência artística. A dança cênica pode ser teatral ou abstrata. Teatral significa que existe um enredo, uma dramaturgia, caracterização de personagens, que transmite uma mensagem. A dança abstrata tem por fim o próprio movimento, a habilidade técnica, o virtuosismo. A criação coreográfica e sua execução técnica é o foco principal da performance.

No ocidente, termo “dança teatral” ou “dança teatro” surgiu no início do século XX na Alemanha, como definição de uma corrente de pensamento que pretendia distanciar esta nova forma de dança das tradições do ballet clássico, durante o movimento Expressionista. Um de seus maiores representantes foi Rudolf Laban e teve ainda grandes nomes da dança no ocidente como Mary Wigman e Pina Bausch.

A dança teatral no Egito



É comum encontrarmos, principalmente entre professores egípcios, o entendimento de que danças folclóricas são danças teatrais.

Diversos folguedos folclóricos carregam em suas tradições aspectos teatrais importantes. No Egito, na segunda metade do século XX, o grande coreógrafo Mahmoud Reda transportou com maestria os aspectos teatrais populares para o palco, criando novas corporeidades para representar personagens do povo, criando danças que não existem na tradição popular, mas que se encaixam na teatralidade de representação cultural de hábitos regionais ou períodos históricos, criando uma fantasia folclórica teatral. Podemos citar como exemplo dois estilos criados por Reda: a dança com melaya laff e o Mwashahat. 

Não existe, dentro da tradição popular egípcia”, uma dança com melaya. Este é apenas um acessório de vestimenta comumente usado pelas egípcias há várias décadas atrás. A dança com melaya foi criada por Mahmoud Reda e Farida Fahmy para retratar um tipo de mulher egípcia, criar um personagem incluído em um enredo e com ele uma cena que envolveria interpretação e dança. Melaya é “dança teatral” que usa a movimentação popular “baladi “ou “skandarani” como base técnica de sua expressão.

Danças populares cênicas - estilizações

Dabke

Na intercessão entre a dança cênica e a dança popular, existe este espaço da cena popular, como já exemplificado antes com o samba. Muitas formas de dança étnica ocupam o espaço cênico, sobem ao palco, cumprindo ainda uma função de afirmação da identidade cultural, mas com um novo objetivo: O entretenimento, criando estilizações da cultura popular. Isto acontece com inúmeras manifestações populares no mundo todo. 

Como exemplo deste fenômeno de estilização no mundo árabe e que conhecemos através da dança do ventre, podemos citar o dabke libanês. Uma dança popular, fruto de hábitos do cotidiano, a maior expressão de identidade cultural libanesa, com suas diferentes corporeidades regionais. Não existe casamento sem dabke no Líbano. O dabke é uma dança circular, que não requer roupa especial e não precisa de delimitação de espaço cênico para acontecer. O objetivo é a celebração em si. 

Dabke (coreográfico) no palco

Quando assistimos performances de dabke no palco, normalmente são feitas por grupos de dabke coreográfico, que modificam e inserem novos movimentos em favor da performance cênica. No palco, para uma melhor visualização da cena pelo público, o posicionamento muda, a roda tradicional se abre. Os dançarinos usam figurinos que imitam as roupas do dia a dia, ou representam um período histórico, mas sempre com glamour e brilho. Novo repertório de movimento é criado e existe a valorização do dançarino virtuose.


A dança do ventre e as fusões étnicas

A dança do ventre é uma dança étnica estilizada, cênica, de palco, que teve origem na tradição popular egípcia e foi se tornando o que conhecemos a partir da virada do século XIX para o século XX, quando aconteceram transformações de seu espaço cênico e da sua importância social como arte e entretenimento. Imortalizada para o mundo através do cinema, a raks el sharq (dança do oriente, em árabe), se tornou uma expressão artística popular e tradicional, intimamente conectada às celebrações da cultura egípcia. Com mais de um século de evolução, é uma modalidade cênica que se espalhou pelo mundo e encontrou novos significados para mulheres de diferentes tempos, de diferentes locais.


Assim surgiram as muitas estilizações da dança oriental, no fazer desta dança em diferentes contextos cênicos, sendo atravessadas pelas questões sociais através do tempo, fazendo tranças culturais com muitas outras etnias ao redor do mundo. A dança do ventre que se fazia no Egito da década de 1920, não é a mesma dança do ventre que se faz no Egito em 2020. A dança do ventre egípcia não é igual à dança do ventre no Brasil. Nem poderia mesmo ser. As estilizações da dança surgem e se modificam por conta do tempo, de fatores geográficos e históricos.

FatChance BellyDance

O estilo tribal é fruto da estilização da dança do ventre nos Estados Unidos e tem toda uma história de evolução e fundamento estético.

A estética tribal se liga aos elementos étnicos de danças populares do norte da África, oriente médio, Índia e Europa. Podemos relacionar uma lista enorme de influências culturais, seja na movimentação, nos figurinos e também nas músicas escolhidas para as performances. Estas influências todas misturadas, organizadas em um sistema que compõe técnica, vocabulário de movimentos, elementos de cena e dinâmicas de palco formam o que a gente conhece como fusão. O estilo tribal americano (American Tribal Style®, ATS®, FCBD Style®, Fat Chance Belly Dance Style®) é uma fusão étnica que usa elementos de culturas populares como elementos de cena, para expressão artística, sem representar nenhuma etnia específica.

Fusão é um conceito bem abrangente e compreende que o dançarino domine mais de uma modalidade de dança popular ou cênica para combinar seus elementos e montar uma coisa nova, híbrida, com outro significado. 

A fusão de diversos elementos étnicos em uma performance é uma expressão cênica, que pode ser abstrata ou teatral. Música, figurino, maquiagem, movimentação, são os elementos principais usados para criar coreografias híbridas, que usam mais de uma modalidade de dança. A performance que usa elementos étnicos na fusão, não cumpre papel de representatividade, nem de afirmação de identidade cultural de nenhum povo, mas é a expressão da coreógrafa, da dançarina que pode utilizar diferentes recursos para a criação.


Todas as estilizações de dança do ventre podem ser entendidas como fusão étnica, desde as diferentes corporeidades regionais (dança do ventre egípcia, libanesa, brasileira, argentina, turca, estadunidense, russa), como as diferentes estéticas, como tribal e fusion. Dança fusão é um conceito maior, fusão com dança do ventre é algo mais específico e Fusion Belly dance é um estilo que se originou do estilo tribal nos Estados Unidos e que tem toda uma história e fundamento estético.

Vamos ressaltar isso, que Fusion Belly Dance, apesar de ser traduzido como dança do ventre fusão, não é qualquer fusão com dança do ventre. Hoje em dia, por conta da queda do termo “tribal” pelas dançarinas dos Estados Unidos, todo o contexto do estilo tribal pode ser chamado de fusion belly dance, por falta de melhor definição. 

Esta fusion bellydance que surgiu do tribal fusion no final da primeira década do século XXI, absorveu elementos teatrais, explorando temas, ambientes e personagens, como é o caso do dark fusion e das fusões com inspiração cabaré vaudeville e vintage.


Responsabilidade e apropriação cultural

Nadja El Balady - fusão afro

É preciso responsabilidade ao trabalhar diferentes elementos étnicos em cena. A fusão étnica é a que mais precisa se preocupar com os aspectos da apropriação cultural e suas consequências negativas. Ao mesmo tempo em que pode ser a porta de entrada para estudos e conhecimento a respeito de culturas populares importantes e antigas, a artista ocidental precisa se refletir em como vai se utilizar destes elementos sem aprofundar a desigualdade social e econômica em relação às pessoas a quem pertencem estes elementos étnicos que usamos.

Apesar dos cuidados e reflexões em relação à ética do fazer dança fusão, a existência deste tipo de arte é inevitável. Através das tranças culturais, onde uma pessoa de uma cultura influencia outra, a arte encontra novas formas de expressão e se transforma. É um processo antigo, tão antigo quanto a humanidade. Através do estilo tribal e suas fusões étnicas, ocupamos este lugar de conexão entre diferentes realidades sociais, econômicas, culturais e artísticas, assim como temos como experiência as vantagens e desvantagens de exercer a liberdade artística.

É fato que a dança do ventre no ocidente encontrou um novo significado que se distancia de seus objetivos populares e cênicos no oriente. Principalmente quando começou a ser ensinada em uma metodologia de ensino ocidental, ela começou a ocupar um lugar diferente, artístico, mas também terapêutico, do despertar do feminino, que faz como que a dança do ventre tenha um apelo universal.

A arte revela o ser humano, é a expressão maior de visões de mundo, entendimentos da realidade e imaginário coletivo. Muito do que se cria em dança do ventre, seja tradicional, ou tribal, tem a ver com este imaginário, onde a mulher que dança ocupa um lugar diferente das pressões sociais do patriarcado, diferente da origem social da dança. Como uma dança cênica, tem a liberdade de criar outros contextos que não condizem nada com a realidade cultural em que foi criada e é nesse espaço cênico, teatral, imaginário, que novos horizontes se delineiam para a artista que pode se utilizar desta linguagem para sonhar com uma nova realidade para si, para despertar suas potencialidades e transformar o mundo que a cerca.

Bal Anat (2016)


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Folclore em Foco


Nadja El Balady (Rio de Janeiro-RJ) é diretora do grupo Loko Kamel Tribal Dance e proprietária do Oriental Studio de Dança no Rio de Janeiro, dedicando-se há 21 anos a estudar danças orientais. Professora de Dança do Ventre, American Tribal Style® e Tribal Fusion, com experiência internacional na Europa em shows e workshops. Estuda o Estilo Tribal desde 2005 e é uma das pioneiras da Fusão Tribal Brasileira. . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Sankofa] Apropriação Cultural

  por Monni Ferreira

Ilustração por: Leandra Gonçalves

Olá meu povo! 

Chegamos com mais uma edição da coluna Sankofa e dessa vez vamos abordar um tema muito polêmico e recorrente na nossa cena. Então para começar a gente precisa saber o que realmente é essa tal “Apropriação Cultural” para então entender as suas consequências. 

Bem, quando falamos desse tema o que primeiro devemos entender é que a apropriação cultural não é sobre indivíduos, não é sobre você, não é sobre mim, é sobre o coletivo, sobre a sociedade como um todo. Dito isso devemos então questionar como esta mesma sociedade enxerga e avalia os mesmos elementos culturais quando aplicados em corpos negros e não negros, por exemplo. Neste texto vamos nos aprofundar nos elementos da cultura negra por questões óbvias para exemplificar como a apropriação cultural age de forma a apagar os significados e a demonizar o uso destes elementos em sua cultura original.

Então podemos definir apropriação cultural como sendo um fenômeno estrutural e sistêmico onde uma cultura adota elementos específicos de outra cultura distante dela, como objetos, vestimentas, costumes, símbolos, religião, entre outros, removendo o seu contexto original e assumindo significados divergentes, reafirmando a exotização dos elementos colonizados e a marginalização destes mesmos elementos quando inseridos na cultura apropriada.

Pensando nisso podemos destacar alguns clássicos da apropriação cultural:

  • Tranças e/ ou Dreads - uma pessoa não negra ao usar tranças e/ou dreads é vista como descolada, empoderada, fashion, porém uma pessoa negra usando as mesmas tranças/ dreads é vista pela sociedade como “suja”, desleixada e largada, pra não citar outros adjetivos pejorativos;

  • Turbantes - uma mulher branca usando turbante é estilosa, enquanto que uma mulher preta usando o mesmo adorno é apontada como macumbeira, no sentido mais negativo da palavra;

  • Estampas étnicas - um homem branco usando uma roupa com estampa étnica é visto como elegante e ousado, já um homem negro usando uma roupa com a mesma estampa étnica é chamado, em São Paulo, de "baiano" e, no Rio de Janeiro, de "paraíba" , exaltando negativamente o uso dessa vestimenta.

 

De maneira didática o artista Diogo Soares explica como funciona a lógica da apropriação cultural através da tirinha de sua série “A vida moderna de Djinn”:

A apropriação cultural existe porque há toda uma estrutura social racista que considera como superior uma cultura em relação as outras. Neste processo estereótipos racistas são alimentados e elementos culturais são comercializados muitas vezes sem o consentimento dos indivíduos que pertencem a esta cultura. Aqui ainda vale um questionamento quanto ao que recebem em troca aqueles que pertencem a cultura que foi apropriada, se existe verdadeiramente um ganho por conta desta interculturalidade.

Devemos pensar nisso, pois em alguns casos a apropriação cultural não está relacionada exclusivamente ao desrespeito com uma cultura, mas também ao quão lucrativo um elemento ou símbolo apropriado é e quanto deste lucro efetivamente chega para os membros desta cultura. Entender como este sistema funciona é de vital importância para evitar que elementos de identidade social e cultural sejam invisibilidade e esvaziados de seu significado perdendo assim a sua essência muitas vezes de resistência e luta.

Campanha Arezzo Verão 2009 com as atrizes Claudia Raia, Mariana Ximenez e Patrícia Pillar

Desfile do estilista Marc Jacobs em 2016 com modelos desfilando com dreads coloridos.


Daniela Mercury usando peruca black power como fantasia no Carnaval de Salvador em 2017

Um ponto também importante a se considerar é que apropriação cultural não é intercâmbio cultural uma vez que não há o elemento de dominação em relações de intercâmbio entre pessoas de diferentes culturas. Também não devemos confundir a apropriação com a assimilação cultural que ocorre da incorporação de elementos de uma cultura dominante por parte de um grupo social marginalizado como forma de sobrevivência, ocasionando até a extinção da cultura que foi dominada. Talvez isso te lembre alguma História… mas este tema fica para um outro texto, ok?! 😉

Mulheres Masai, tribo do Quênia e norte da Tanzânia.


Então uma mulher negra que alisa o cabelo está fazendo apropriação da cultural branca?

Meu povo, isso faz algum sentido na cabeça de vocês? Sinceramente eu espero que não, pois onde está definido que cabelo liso é exclusividade de pessoas brancas? Povos indígenas, asiáticos e indianos apresentam esta característica e não são brancos, correto? Então não podemos pensar que o cabelo liso é um elemento cultural de povos brancos europeus. Inclusive o historiador e antropólogo Cheikh Anta Diop afirma em seu artigo “A origem dos Antigos Egípcios” a existência de pessoas negras de cabelo liso na África, os povos núbios, e na Ásia, os dravidianos. Muitas das argumentações de Diop foram baseadas em análises de documentos escritos, imagens e material arqueológico que comprovam que a civilização do Egito antigo era composta por pessoas negras. 

Criança núbia



Escultura de guerreiros núbios do Egito antigo.



Acredito que aqui ainda vale a reflexão de que muitas vezes a mulher negra precisa alisar o cabelo simplesmente para conseguir um emprego, então nem sempre é sobre uma questão estética ou de gosto pessoal. Falar sobre apropriação racial consiste também em rever privilégios e todo um mecanismo que alimenta uma estrutura racista que há anos desumaniza e silencia a existência de povos que não correspondem ao padrão eurocêntrico e norte americano.

 

Mas afinal, eu posso ou não posso usar trança/ turbante/ dreads/ roupas étnicas e etc.?

A resposta para essa pergunta é muito simples: você pode usar o que quiser! O corpo é seu, correto?! Nem eu, nem nenhuma outra pessoa negra será fiscal do que você ou qualquer pessoa não negra pode usar. A verdade é que a apropriação cultural não é uma questão sobre usar ou não usar tranças/ turbante/ dreads ou qualquer outro elemento característico de uma cultura, a questão geralmente envolve o poder sobre alguma coisa e o medo da censura, por essa razão que pessoas não negras sempre questionam se podem ou não usar algo que talvez nem faça sentido ser usado por elas.

O debate quanto a apropriação cultural deve ser maior do que usar ou não usar um adorno como peça de moda, pois existem culturas que foram e continuam sendo massacradas e condenadas em nome de um padrão estético. Por isso é sempre importante pesquisar os significados por trás dos elementos que pertencem a uma cultura bem como os desafios que enfrentam os povos desta cultura.

Mais uma vez... Apropriação Cultural não é uma questão individual, não é uma crítica sobre o que pode ou não usar uma pessoa não negra, não é sobre escolhas de símbolos e afins, mas é sim sobre respeito ao significado e conexão com valores coletivos.

 

E o ATS® / FCBD®Style/ Tribal Fusion são exemplos de apropriação cultural???

 

Bem, aqui precisamos ser didáticos:


  1. Usa vestimentas específicas que provavelmente carregam significados até complexos para um grupo ou povo específico?

  2. Usa adornos e ornamentos como parte do figurino, mas que originalmente são de uma cultura específica?

  3. Imita características físicas que servem como identidade cultural de um grupo de indivíduos, como por exemplo dreadlocks, tranças afro, etc.?

  4. Transforma rituais, tradições, danças típicas ou qualquer elemento com significado cultural, mesmo que “adaptado” ou “modificado” ou “inspirado”, em algo comercial onde os lucros não chegam aos povos originários?

 

Se você respondeu SIM para as perguntas acima, então eu não preciso dizer mais nada, não é mesmo?!


Mulheres da tribo Rabari na Índia


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Sankofa

 
Monni Ferreira (São Paulo-SP) entrou para o mundo da dança com 10 anos de idade e durante toda a sua trajetória nesta arte teve a oportunidade de vivenciar diferentes estilos de dança, como: árabes, contemporâneo, afro, moderna, street dance, brasileiras, flamenco, indiana, ballet, entre outras.Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[ Entrando na Roda] Apropriação cultural e o ATS®

por Natália Espinosa

Este artigo foi escrito em sua totalidade por Natália Espinosa e de forma alguma reflete as opiniões de Aerith Asgard e Aline Muhana.

Maria Fomina, da Ucrânia, utilizando traje de ATS® com diversos elementos étnicos.

Um assunto que tem estado muito em voga ultimamente (ainda bem) é a questão da apropriação cultural. O que seria apropriação cultural? Basicamente, trata-se de uma cultura privilegiada utilizar elementos de culturas de povos oprimidos sem imprimir a eles o devido significado e sem sofrer as represálias e preconceitos sofridos por quem é oprimido. Alguns exemplos bem conhecidos do tribal seriam o uso de dreads e turbantes tranquilamente por pessoas brancas como acessórios de moda, sendo que quando os mesmos são utilizados por pessoas negras levam a uma interpretação pejorativa.


Quando consideramos o dress code do ATS® e até mesmo do tribal fusion e da dança do ventre praticada no Bal Anat, é inevitável nos depararmos com essa questão. Turbante, choli, jóias étnicas, bindis, harquus (aquelas tatuagens faciais que fazemos com delineador ou lápis de olho, muitas vezes sem nem conhecer o significado daqueles símbolos) e até mesmo os dreads são parte de nosso dia-a-dia e a grande maioria das bailarinas, tanto aqui quanto no exterior, são brancas ou lidas como brancas na sociedade em que estão inseridas, ou seja, são pessoas que não sofrem preconceitos devido à percepção do que seria sua “raça”. Nos EUA, onde essas fronteiras são bem delimitadas, essa questão tem sido bastante abordada pelas dançarinas de Tribal Fusion. Kami Liddle puxou essa discussão em seu facebook no ano passado, e muita gente (inclusive eu) participou do debate. Algumas bailarinas escolheram não utilizar mais alguns elementos étnicos em seu vestuário e houve até quem escolhesse não dizer mais que faz dança tribal por crer que essa nomenclatura seria desrespeitosa aos nativos norte-americanos, coisa com a qual eu, Natália Espinosa, discordo completamente. Mas vamos voltar ao ATS®.

O nome American Tribal Style, Estilo Tribal Americano, já está registrado e até agora não há nenhum tipo de esforço no sentido de alterar o nome. As praticantes do estilo nos EUA, brancas ou não, não parecem se engajar muito nessa discussão – pelo menos não na internet. Talvez seja por causa se alguns fatores que eu gostaria de enumerar aqui:

  1. O dress code do ATS® não representa nenhum povo específico – como mistura elementos de diversas culturas, não constitui uma fantasia, um estereótipo de nada. A imagem que associam ao nosso dress code é apenas, talvez, a de uma dançarina de ATS® 😊
  2. Embora Jamila Salimpour, Masha Archer e Carolena Nericcio-Bohlman sejam brancas, o ATS não é uma dança das maiorias privilegiadas. É uma dança inclusiva, realizada por mulheres e, mais recentemente, também por homens de diversas etnias e na qual a tolerância e aceitação são estimuladas. A própria história do ATS® está ligada à necessidade de uma dança do ventre que abraçasse as mulheres fora do padrão.
  3. Nenhum dos elementos do dress code é utilizado levianamente. A ideia de Masha Archer, ao definir o figurino que viria se tornar o dress code do ATS®, era devolver a dança às mulheres, destacar o ventre sem erotizar a bailarina e proporcionar um ar régio e confiante. Masha buscou re-significar elementos étnicos, sem esvaziá-los de importância ou apagar sua relevância em sua cultura original.


A própria dança do ventre poderia ser considerada apropriação cultural, se vista por esse prisma. O que é realizado no ocidente com esse nome é, na verdade, uma amálgama de diversas danças com propósitos e significados diversos, muitas vezes desconhecidos das dançarinas ocidentais. Deveríamos então parar de dançar dança do ventre ou tribal?

Minha opinião é a de que não podemos limitar a arte e sua evolução. Com o acesso à internet e a globalização, isso se tornou, arrisco dizer, impossível. Em relação ao ATS® e tribal fusion, temos que ter em mente que são danças ocidentais com influências étnicas, e não são originalmente de nenhuma cultura de minoridades. Utilizamos seus elementos, mas a maior parte de nós o faz com respeito e busca estudar de onde vem, sua história, seu significado. Por isso o estudo teórico se faz tão importante, para que não haja um esvaziamento de culturas tão ricas e para que nosso contato com esses povos através de tais elementos aumente o respeito e colabore para, de alguma forma, diminuir a opressão e o preconceito que sofrem.

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