[Índia em Dia] O cenário incriticável da Arte


 por Raphael Lopes
 

Olá queridos leitores!!!

Minha última postagem gerou uma curiosa repercussão, e muitas pessoas vieram comentar comigo alegremente que concordavam com minha postura em falar abertamente sobre o que muitas vezes fica engasgado na garganta da platéia.

Esse feedback me deu uma única certeza: quem está na platéia tem senso crítico. Mesmo que nossa cultura prefira manter a crítica num terreno mais lodoso, evitável, de modo que as pessoas geralmente sorriem e parabenizam um número que não gostaram.

Também não quero levantar a bandeira da grosseria descabida - talvez essa possa ser a leitura daquele que se vitimiza ao ouvir a crítica, e mais uma vez esbarramos num velho vício cultural - quem é criticado, se sente ofendido, e vai as raias do extremo até em parar de dançar, mas não capta a essência simples da crítica.

O exercício da crítica deve ser uma prática desenvolvida nos círculos de arte, e ai chegamos num terceiro vício cultural: grupos sociais tendem a se fechar e criticar os "de fora", enaltecendo na crítica unicamente o estranhamento ao diferente manifesto na arte do outro. O bom e velho recalque também se encontra aqui, pois muitas vezes a crítica nada mais é do que um elogio as avessas.

E com tantos elementos em mãos oriundos de uma única postagem decidi dar uma alongada no meu raciocínio e convidá-los para refletir sobre nosso papel como consumidores de arte. A aprender a desenvolver a capacidade de  participar coativamente da arte que nos oferecem, elogiando, aplaudindo, assistindo, compreendendo o enredo e proposta, estimulando novas produções e, ao mesmo tempo, sendo sinceros com aqueles menos preparados - que só poderão abrir os olhos para suas reais necessidades se forem claramente alertados de que talvez não estejam prontos para o palco; que não podem usar a arte como escudo para fazer o que quiserem em nome da licença poética.

Uma pessoa que sem nenhum preparo real em dança (e não me refiro unicamente às danças indianas) decida dar aulas, estará agindo de má fé ao enganar o aluno que jamais conseguirá prosseguir sem os subsídios necessários para o amadurecimento artístico mesmo que tenha um talento nato. Poderá inclusive matar o talento potencial, além do risco à saúde (articular, motora e psicológica) proporcionado por uma aula sem os devidos cuidados aprendidos com a transmissão e experiência fidedigna. Em troca de alguns trocados muitos pseudo profissionais (ou como ouvi hoje - Anti-Profissionais) encontraram na dança um mercado fácil, onde poderá manter alguns alunos anos a fio sem um aprendizado real e com produções sempre medianas ou ruins. E isso permanecerá assim justamente porque tememos criticar. Porque vemos e não falamos nada e, muitas vezes, até sorrimos mesmo que amarelamente. Sim. Somos todos cúmplices.

Ai entram as mais loucas alegações (ou grosserias). Primeiramente, porque arte realmente é um produto um tanto abstrato e conceitual demais. Por exemplo, uma produção num estilo desconhecido por mim não poderia ser referida pelas lentes da minha crítica, uma vez que meu próprio gosto particular possa imprimir uma marca na crítica. Não é isso que quero dizer, mas sim que produções medíocres precisam ser vilipendiadas por seus contemporâneos. 

Vivemos num mercado oportunista. A dança da moda acaba se elitizando em Escolas de dança padrão, ao mesmo tempo em que são ensinadas a rodo em qualquer esquina por "profissionais de formação desconhecida" ou até mesmo em vídeo-aulas na internet. O problema não é a dança, e nem muito menos o ato lúdico de dançar. Somos todos livres para fazer o que quisermos, mas profissionalmente as coisas precisam de um controle de qualidade. Isso existe em todos os ramos. Um mal profissional da área da saúde pode matar um incauto. A vigilância sanitária pode fechar um restaurante que não tenha um bom profissional no comando. Por que na dança não podemos exigir qualidade?

Talvez seja um pouco de política de boa vizinhança, e um certo receio da reação do criticado. Eu particularmente gosto de dar minhas opiniões, e minhas alunas e amigas de palco sabem que não elogio o que eu não gosto, mas mesmo assim confesso que apontar um erro as vezes é constrangedor. O curioso é que isso tudo é uma inversão de valores - quem leva o simplório para o palco deveria ser o constrangido no final das contas!!! 



Os indianos são famosos por serem críticos muito ferrenhos, e em partes foi com eles que afiei meu senso crítico (que já me é nato sendo eu um virginiano inveterado). E é entre as danças indianas que encerro com um exemplo muito triste que convivemos aqui no ocidente: as danças devocionais.
 
As danças devocionais se dizem danças realizadas por devotos (comumente conhecidos como Hare Krishnas) em nome da Fé e do serviço do Templo, e com isso se tornam incriticáveis. Normalmente essas danças são realizadas em músicas devocionais indianas (mantras e kirtans), e algumas dançarinas acabam até mesmo se valendo de músicas que estejam em alta na Índia (e ai entram os filmes de Bollywood), usando as coreografias dos próprios vídeos e filmes como referência para suas produções. Até ai tudo bem, o problema é quando elas nomeiam sua arte como clássica (ou como sendo baseadas nas técnicas clássicas de várias danças diferentes (sic) e plageiam coreografias que não sendo capazes de reproduzir, acabam se tornando caricaturas.

Seria o mesmo que adeptos das religiões de matriz afro brasileira, com seus gingados e atabaques se lançarem com bailarinos profissionais. A dança estática dos terreiros tem sua beleza e caráter estritamente devocional, mas isso não as torna exímias representantes profissionais da dança afro.

E vez ou outra lá vamos nós orientar, pedir para que as dançarinas estudem, que ao menos alterem o nome de sua dança, que sejam sinceras que não são clássicas ou profissionais. E quase sempre não adianta. A crítica é vista como uma afronta ao espírito devocional de quem executou o plágio, mesmo que todas as escrituras sagradas da Índia sejam muitos claras sobre a forma apropriada de se desenvolver dentro das danças clássicas.

Normalmente quem consome essa arte são os próprios devotos, que pouco se importam com a qualidade e, geralmente, são os que menos conhecem as próprias escrituras. Não muito diferente do público geral de qualquer dança feita sem critério e ética.

Vamos assumir um compromisso agora?

E não é comigo, e sim com a Arte. Sejamos sinceros, saibamos elogiar na mesma proporção em que saberemos apontar para a falha. Vamos lembrar que muitas vezes o palco será o berço da primeira apresentação de uma bailarina, e que tudo o que ela menos espera é ouvir uma crítica. E sabemos que não existe perfeição, e que teoricamente estamos sempre aprendendo e amadurecendo. Mas quando a crítica se fizer necessária, faça. Vamos contribuir para uma comunidade pensante e ativa, que vai peneirar e estimular a nova safra de bailarinas. Vamos pouco a pouco desmotivar os plágios, os anti-profissionais e oportunistas de plantão.

 A arte é para todos, então somos todos responsáveis por ela. Não existe dança incriticável: seja ela clássica, devocional ou fusão. Liberdade artística tem limite e o estudo do bailarino é quem vai mensurar o que posso arriscar em cena. E sempre terá alguém que vai ver a sua apresentação e vai enxergar tudo aquilo que você fez com um olhar mais apropriado.

Na próxima postagem trarei números fusionados de ótimo gosto, danças devocionais de excelente estética. De modo que fique claro, que a crítica não se resume em apontar o erro, mas em reconhecer a beleza e apontar o caminho para ela. 



Até a próxima,

Namaskar.

http://aerithtribalfusion.blogspot.com.br/2014/03/india-em-dia-por-raphael-lopes.html

[Resenhando-BA] Etno Tribes Festival - SIMBIOSE

por  Lety Ártemis




E eis que as cortinas se abrem para trazer uma Simbiose de talentos e possibilidades no diverso mundo do Tribal Fusion no Show de Gala do Etno Tribes Festival.


Para começar, o som do Pedra Branca (SP) com seu pluralismo cultural envolvendo o público, e assim como a apresentação da Laiz  Latenek nos surpreende com sua performance, Joline adentra à cena para nos hipnotizar ainda mais.


O show seguiu esbanjando beleza e técnicas com destaques para: Rosa Maná (GO) inovando com a coreografa "Deusa Tríplice" no contexto do Tribal Brasil. Priscila Patta (MG), uma das mais surpreendentes apresentações da noite, um espetáculo sobre a ressignificação dos estereótipos através dos seus movimentos e interpretação. A Trupe Mandhala (BA), chegou ao palco com um estilo que (confesso), me apaixonei; Tribal Ragga Jam, com um toque descontraído e encantador.  Depois de ouvir sobre a delícia do work de Govinda Vallabha (BA) e por identificação com o estilo, me emocionei profundamente com o Tribal Védico. Kilma Farias (PB) arrasou e brilhou como raios na sua homenagem à Iansã. Joline, peça chave deste incrível evento, tirou o fôlego do público com a apresentação solo final Trans Fusion, com suas plumas inundou o ambiente de muito charme e técnica.


Depois de mais um grande evento como este, só restou voltar para casa em êxtase e esperar o dia amanhecer para dar sequência às oficinas com estes grandes talentos.

Banda Pedra Branca (SP)



Luciano Sallun

Laíz Latenek
Joline Andrade

Laíz Latenek

Marcelo Justino

Cia Lunay

Andreza Rodrigues
Ambar Yanina, Kalinne Ribeiro, Ananda Melo

Renata Violanti

Priscila Sodré

Kilma Farias

Patricia Lira

Gopi Gana e Murilo Mendes

Gopi Gana , Murilo Mendes  e Patricia Lira
Lara Colli

Renata Violanti e grupo


Mary Braga Figuerêdo

Antonia Ribeiro

Trupe Mandhala

Priscila Patta

Govinda Vallabha

Camila Middea

Joline Andrade

Cia Joline Andrade

Encerramento





Tribal, uma arte para refletir.

por Kilma Farias

Laiz Latenek | foto de Fernanda Maia

Estive duas vezes na Bahia nesse mês de agosto. Para ministrar aula e me apresentar juntamente com a Cia Lunay no Etno Tribes Festival, produzido por Joline Andrade e no Encontro Nacional de Dança Contemporânea para apresentar RepercuSONS, também com a Lunay. E o que isso tem a ver com o título no nosso texto? É que andando pelas ladeiras de Salvador pude viver a diversidade híbrida que é ser brasileiro. As cores, os búzios, os cabelos e turbantes, o jeito de andar, de falar, a dança – tudo é muito atravessado de informações do mundo todo, influências da África, dos Estados Unidos, da França, do Japão. Tudo ali em movimentos cotidianos. Não que exista alguma sociedade “pura”, e que esse hibridismo não esteja presente também em outras cidades, mas lá o contraste de cores e identidades fervilha nosso imaginário, chamando nossa atenção para um corpo que se percebe como meio de recepção e transmissão de influências múltiplas.

Essa relação corpo-mundo me faz olhar para o Tribal de um modo globalizado. E me pergunto: o que não seria Tribal hoje? Se pensarmos o Tribal como uma expressão de arte-filosofia que integra etnia, identidade e mestiçagem esse leque se abre amplamente. Mas se pensarmos esse possível conceito impregnado de contracultura, aí já teremos um foco mais específico para essa arte contemporânea.

E o que seria ser contemporâneo? Levanto alguns questionamentos que nem querem ser respondidos, mas simplesmente refletidos. Refletidos em dois sentidos: o da reflexão e o do reflexo, da imagem.

A reflexão seria o de imergirmos no pensamento da arte Tribal, seja qualquer uma de suas expressões, o Fusion, o ATS, o Dark, o Urban, o Brasil. O que elas têm em comum, no que diferem? Como os corpos que dançam esses estilos dialogam com o mundo? O que pensa o universo Tribal? O que penso eu? Como eu, brasileira, vivendo aqui no Brasil, dentro da nossa estrutura socio-economica-cultural posso estar me relacionando com o Tribal, que em sua gênese se desenvolveu na Califórnia? Como essa “Califórnia” chegou em cada continente e em cada corpo que hoje dança Tribal? O que isso muda na minha dança? O que minha dança muda em mim? Tantas reflexões...

Kilma Farias | foto de Andréa Magnoni

E como isso reflete na minha forma de ver o mundo e de fazer arte? Em mim, o Brasil aflora em suas expressões culturais, populares e de matriz africana como forças motrizes para me colocar em relação com o Tribal que veio de San Francisco, que por sua vez se estabeleceu como um desenvolvimento da Dança Moderna Americana. Que imagens estão sendo geradas a partir do Tribal? Que discussões? A que caminhos nos levam essa liberdade?

Venho pensando o Tribal como muitos corpos em um só. Seja em um só movimento, em um só reflexo, mesmo que de múltiplas faces e nuances.

Cia Lunay  | foto de Andréa Magnoni

Meu texto desse mês vem em forma de perguntas e divagações, que podem ser superficiais ou em profundidade. Dependendo de como reverbere em quem o lê. Quero ouvir e ler sobre o que pensam muito mais do que escrever e me colocar.


Vamos refletir!


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