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[Índia em Dia] Ratha Yatra - a grande procissão dos Deuses rumo aos novos tempos

 por Raphael Lopes


Bom dia leitores,

Como um inveterado apaixonado pela dança Odissi e por toda a cultura milenar que cerca e enriquece essa forma refinada de arte, não poderia deixar de registrar aqui a ocasião do Ratha Yatra - a Procissão dos Carros. Esse que é um dos mais famosos festivais hindus, onde as imagens sagradas de Jagannatha (e seus irmãos Baladeva e Subhadra) saem de seu templo principal (em Puri, Orissa) e seguem em procissão em grandes carruagens para o Templo de Gundicha.

Esse festival ocorre há pelo menos oito séculos nesse formato, e muitas tradições se construíram ao redor dessa data. Como toda festividade hindu, esse festival ocorre no terceiro dia do mês lunar de Ashadha (que coincide sempre entre os nossos meses de Junho e Julho), e se tornou muito famoso no ocidente com o surgimento do movimento Hare Krishna nos anos 70, nos Estados Unidos. Inclusive, a palavra Juggernaut (massivo ou inexorável) foi cunhada pelos ingleses no início do século passado após verem os colossais carros de madeira que conduzem a procissão das deidades.

O Ratha Yatra tem ao redor de si uma série de detalhes místicos e históricos que ganham na dança uma amálgama interessante, e atualmente muitos bailarinos de Odissi (inclusive esse que vós escreve) encontram nesse festival uma plataforma para apresentarem sua arte em forma de serviço devocional nas atividades oferecidas pelos templos vaishnavas ao redor do mundo. A dança foi historicamente um dos maiores pilares nos serviços religiosos nesses templos, de modo que muitos rituais consistiam basicamente na apresentação de danças e cantos específicos, enaltecendo e celebrando as glórias e passatempos divinos.

O atual repertório da dança Odissi foi pensado em uma forma mais aberta e lúdica de se vivenciar esses ritos, na atmosfera adequada dos palcos. O que antes era uma apresentação longa e contínua, se tornou fracionada em diversos itens que contém em si partes vitais do culto religioso: a oferenda de flores, a saudação constante aos Deuses e seres celestiais, a movimentação que cria mandalas constantes no palco, etc. Uma recensão das antigas tradições do passado, que sobrevivem se adaptando aos novos tempos. 

Ainda que não sejamos mais as mesmas sacerdotisas e devotos em seu modo estritamente religioso de se experimentar o sagrado, somos os herdeiros e representantes dessas antigas tradições que são reafirmadas e trazidas aos novos tempos toda vez que assumimos - ainda que de forma cênica - o nosso papel como sacerdotes e adoradores por meio da dança. Por um outro lado é muito importante dimensionar esse papel numinoso como uma experiência pessoal e íntima, e cuidarmos muito para não nos tornamos uma caricatura ou um pastiche do que seriam essas dançarinas sagradas.... Isso sem contar no sem número de riscos que temos em segregar ainda mais essa forma de arte, criando na espiritualidade algum tipo de elitismo que distancia mais do que aproxima de fato.

É chegada a hora de lembrarmos que o Odissi não se trata de uma dança congelada na idade média hindu, e que todos nós aqui no ocidente nem poderíamos dança-la se assim o fosse. A dança é fluída, e a história só prova o quanto ela se transformou para chegar até aqui. E mais do que nunca, a pandemia nos permitiu perceber o quanto ainda estávamos patinando em ideias pre-concebidas que nem sempre contemplavam a realidade.

É muito simbólico estarmos agora nos aproximando cada vez mais de uma nova normalidade nas atividades sociais e culturais na medida em que as medidas de vacinação estão se tornando mais amplas. As atividades artísticas (que consolidaram nos meios virtuais novas formas de se produzir e discutir arte) estão como que abençoadas por Jagannatha, cada vez mais próximas de um contato real e presencial.

Mas é muito importante não perdemos essa dimensão muito clara, entre o que é a origem espiritual e como ela se desenha na prática em nossas danças.

Tome muito cuidado com professores que se colocam como Gurus (não temos nem de longe nenhum professor próximo da envergadura real desse termo), que monopolizam a relação do bailarino aluno com a dança e cultura hindus, usando a régua da espiritualidade para isso.

Tome muito cuidado com professores que proíbam a troca e o contato com outros pensadores da dança, e que contornam sua relação em tons sectaristas disfarçados de esoterismo e misticismo. 

Que saibamos referendar nossas raízes espirituais, pra além das caixinhas ou da manipulação e controle disfarçada de pureza espiritual...

Que o Senhor Jagannatha em sua procissão, nos traga novamente os dias de glória e aglomeração, onde a arte e a rua se mesclam numa grande encruzilhada em constante expansão.

Em tempos de festa, dance para celebrar.

Em tempos de crise, dance para resistir.


Até a próxima,

Namaskar.

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Índia Em - Dia


Raphael Lopes (São Paulo-SP) é bailarino de dança clássica indiana Odissi e tem levado à dança aos cenários dos Festivais e Encontros nacionais defendendo seu caráter sagrado, conscientizando as novas gerações a buscar um aprofundamento tradicional evitando a macula à essa refinada e sofisticada forma de arte. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Índia em Dia] Tribhanga - Dança Indiana, Dialética e Netflix

por Raphael Lopes



Olá pessoal, Namaskar! ^^

Primeiramente espero encontrar cada um de vocês em saúde e alegria neste novo ano que se inicia justamente após um período que vem sendo tão angustiante para a sociedade, e para nós, bailarinos e professores isolados do palco e salas de aula presenciais. Sabemos e aprendemos no fazer arte, uma forma de ao se adaptar às novas realidades, encontrar formas de resistirmos e nos reinventarmos.
 
Nesse cenário surgiram oficinas, lives, workshops, cursos e aulas em formato online, o que sem sombra de dúvida trouxe um mar de novos conhecimentos para aqueles que decidiram se ocupar nesse intervalo em consumir e aproveitar as novas trocas surgidas. Foi nesse interim, por exemplo, que surgiu o FADINB (Fórum a Dança Indiana No Brasil) que abriu espaço para a dialética na dança - a oportunidade de discutir e conhecer novos argumentos, tirando a dança das nossas caixinhas de certezas e abrindo por meio da discussão, uma nova forma de contextualizar a dança produzida e ofertada.


E justamente contemplando toda essa discussão, a Netflix nos presenteou com um filme muito peculiar da diretora Renuka Shahane: Tribhanga - Tedhi Medhi Crazy. O filme, muito embora com o nome direcionando claramente a famosa postura da dança Odissi, está longe de ser um filme de dança, mas sim um enredo que aborda a vida de uma bailarina e seus dramas familiares.

O filme narra a história de três gerações de uma mesma família: Nayantara (Tanvi Azmi), uma aclamada escritora e mãe da bailarina Anuradha (Kajol). Logo nos primeiros minutos do filme, vemos a bailarina fumando um cigarro minutos antes de entrar em cena, trazendo a baila a discussão sobre as eternas superstições que cercam com uma aura de eterno misticismo e pureza das bailarinas. Infelizmente a diretora não se arriscou ir por esse lado, uma vez que a crítica ao conservadorismo ainda seja algo muito tímido entre os bailarinos e gurus mais conservadores. Por fim, temos Mithali Palkar que interpreta Masha, a filha de Anuradha, que decide seguir um caminho diferente da mãe e da avó...


O filme narra a história de três mulheres, mães solteiras, em suas lutas diárias, os traumas do abuso por parte de uma sociedade machista, até encontrarem na doença de sua matriarca o ápice das resoluções dos sonhos e papéis de cada uma. Dessa forma, o filme (que poderia sim ter sido enriquecido com cenas de dança) traça um paralelo entre as personalidades das personagens e as poses esculturais da dança Odissi. Anuradha, a bailarina, é o próprio Tribhanga - a postura com tripla flexão (cabeça, torso e pernas). Sua mãe Nayantara é a postura Abhanga, onde o corpo é levemente inclinado à esquerda, sinalizando sua própria inclinaçao sutil às artes. Masha assim se torna Samabhanga, a postura "simples", de pé e de frente a vida comum... Tribhanga claramente se refere as três mulheres, numa dança familiar explorado nesse filme que estreeou na Netflix no dia 15 de Janeiro (2021).

Mais do que um filme de dança, Tribhanga nos traz reflexões valorosas sobre a vida, tomando a poesia em ver lado lado as vicissitudes o bailar da vida. Vale a pena assistir esse filme, e lembrar que devemos, antes de mais nada, trazer a dança para as nossas vidas para além dos palcos.



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Índia Em - Dia


Raphael Lopes (São Paulo-SP) é bailarino de dança clássica indiana Odissi e tem levado à dança aos cenários dos Festivais e Encontros nacionais defendendo seu caráter sagrado, conscientizando as novas gerações a buscar um aprofundamento tradicional evitando a macula à essa refinada e sofisticada forma de arte. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Índia em Dia] Um novo olhar sobre a dança nos tempos modernos

 por Raphael Lopes

Todos sofremos em algum grau com os impactos diversos que a pandemia nos trouxe: da saudade dos palcos e do contato direto com o público e os alunos, até mesmo a uma nova realidade corporal (acima do peso e fora de forma) consequente da súbita parada que nos acometeu.

Todos estávamos no automático, repetindo hábitos e criando vícios, relegando muitas vezes a nossa própria prática e estudo de dança - adaptando a nossa agenda lotada - (saudades rs) ao nível dos nossos alunos, muitas vezes deixando de lado uma rotina de base ou uma reciclagem nos fundamentos... e de repente, nos vimos todos com tempo de sobra, mas com um novo desafio: como manter as atividades minimamente para que não nos prejudicássemos profissionalmente?

A primeira saída foram as aulas online

Eu mesmo estive envolvido na produção de três cursos online em parceria com a bailarina Krishna Sharana (do sul do país), onde pudemos coreografar remotamente três coreografias usando a linguagem gestual que permeia a todos os estilos de dança clássica indiana. Assim, ainda que tecnicamente o corpo se movimente de acordo com a singularidade de cada estilo (eu no estilo Odissi e ela no estilo Bharatanatyam), estávamos narrando a mesma história com os mesmos gestos.

Os cursos se valiam da riqueza de informações transmitidas para além de um curso puramente técnico de dança, dando oportunidade para que novos entusiastas se aproximassem da prática ainda que até então nunca tivessem tido uma aula de dança numa sala de aula presencialmente.

Ter um conteúdo para oferecer foi certamente o fator determinante para que meu trabalho não fosse engolido pela crise que o ano nos acometeu. Por isso é fundamental dominarmos a dança para além do trabalho corporal, e nos mantermos sempre em contato com os pensadores e produtores de conteúdo.

Ter um diferencial se torna o diferencial.

Pela primeira vez na história vimos diversas escolas na Índia se tornando abertas a alunos em todo mundo pelas plataformas de aulas onlines, workshops, fóruns, e até mesmo lives nas redes sociais. Eu mesmo pude retomar as aulas básicas com a renomada bailarina Smt. Sandhyadipa Khar, reciclando minha base e alguns itens expressivos do repertório.

Sandhyadipa Kar

Além do mais, tenho acompanhado e sugerido aos meus alunos os canais com material gratuito, para que possamos aproveitar a oportunidade dada pela crise e de fato aprendermos mais ainda com as novas possibilidades de troca. 

  • Canal do bailarino Rinku Sahoo (Srjan - Bhubaneswar), trazendo os Basic Steps, o estudo dos movimentos isolados do corpo como narrados no Natya Shastra, além de ensinar itens do repertório tradicional. Super recomendado!!! 

  • Canal da bailarina Tulika Reema, trazendo diversos solos dos itens de repertório, mas com muitas aulas sendo disponibilziadas gratuitamente, fornecendo videos de qualidade para o treino. 

  • Canal da oustanding Bijayni Satpathi (Nrtyagram - Bengaloru) onde ela partilha videos de treinos de alta intensidade, mesclando elementos do yoga e artes marciais ao preparo físico. Além disso, o canal vale uma visita pela beleza, lirismo e vigor de uma das mais proeminentes bailarinas do Odissi na atualidade.

Você domina todos os giros e saltos isoladamente? 
Eu particularmente sempre tive giros muito instáveis, e foquei em estudar os oito giros tradicionais registrados no Natya Shastra, além de estudar o contexto em que são melhor aplicados, e obviamente adquirir novas memórias corporais.

Conhece todos os mudras? 
Mesmo conhecendo todos eles, o processo em coreografar me levou uma nova forma de observar outros bailarinos em cena - desenvolvendo novas formas de expressão, ampliando o repertório cênico.

Sabe a história das últimas gerações de bailarinas anteriores a nossa?
Aproveitemos a pausa nos dada para focar no nosso estudo, crie uma lista de metas para ir alcançando para você mesma. E certamente quando tudo se normalizar e voltarmos aos palcos e salas de aulas, teremos aproveitado muito melhor essa pausa, e teremos enriquecido nossa arte.

Se você tem interesse em estudar dança clássica indiana (presencial ou online), me procure e vamos nos divertir muito.

Bons estudos, se cuidem, e até a próxima.

Namaskar,

Raphael Lopes.


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Índia Em - Dia


Raphael Lopes (São Paulo-SP) é bailarino de dança clássica indiana Odissi e tem levado à dança aos cenários dos Festivais e Encontros nacionais defendendo seu caráter sagrado, conscientizando as novas gerações a buscar um aprofundamento tradicional evitando a macula à essa refinada e sofisticada forma de arte. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Índia em Dia] Interculturalismo

 por Raphael Lopes

 Kathak repaginado sob a influencia da estética ocidental

Olá queridos leitores.

É com muita alegria que reergo minha pena para escrever um pouco sobre aquilo que fazemos e produzimos no palco, compartilhando idéias e pesquisas para fomentar sempre um dançar cada vez mais consciente e produtivo. O período conturbado em que nos encontramos no cenário atual de uma pandemia impactou profundamente nossa experiência como "fazedores de dança" - seja como professores (uma vez que tenhamos migrado para plataformas online) ou como performers (sem eventos para participar).

Muitos se viram sufocados pela falta de saídas, mas outros fizeram suas próprias saídas e encontraram nesse cenário novas possibilidades de se produzir arte. Pude particularmente atender alunos que antes não se animavam para aulas onlines, pois essa nem de longe era uma realidade. E agora, não apenas mantivemos os alunos nessas novas plataformas, como pudemos agregar quem antes estava mais distante.

Pude coreografar em parceira com bailarinas de outros estados, e oferecer cursos com lotação máxima, e o mais interessante de tudo, pude participar da iniciativa do Fórum Online de Danças Indianas, que gerou muitas discussões pertinentes ao cenário da dança, e das fusões em geral. Assinalo especificamente a questão abordada logo no nosso primeiro encontro, onde abordamos o Interculturalismo e Apropriação Cultural. Reproduzo aqui parte de minha fala introdutória ao tema, convidando todos a reflexão e lançando uma semente de boas novas para essa nova fase:

O Interculturalismo sendo discutido pelo viés da ética e da estética pode nos convidar a observar a história de como as danças clássicas indianas chegaram até a nós no Ocidente, especificamente aqui no Brasil nos pouco mais de três décadas de sua ocorrência em nosso país. Muito provavelmente a grande maioria do público teve seu primeiro contato com essas danças pelo contato indireto, por meio de produções culturais (como filmes ou documentários, quase sempre nos trazendo um pouco do exotismo das culturas asiáticas, como de costume nas produções estadunidenses e europeias). Ou ainda oriundos de outras práticas corporais como o Yoga ou a Ayurveda, ou atraídos pelas diferentes correntes filosóficas que ganharam grande atenção (comercial, inclusive) do Ocidente sobre a vasta cultura indiana.

A estética tradicional indiana influencia a dança e as artes em todo o mundo
Por qualquer via como tenhamos nos aproximado da cultura indiana temos que ter em mente que somos produtos de nossa própria memória cultural, e quase sempre a lente que usamos para observar uma nova cultura nos permite uma visão intercultural, pois partimos de nossas próprias réguas para mensurar o contato e impacto entre duas culturas.

Muito embora se compreenda que o aprendiz interessado em um novo estilo possa vir a obter uma compreensão sobre sua arte em tese e performance, muitas vezes vemos um movimento de aproximação entre fazeres artísticos distintos, dialogando artes performáticas, quase sempre gerando um novo produto, já distinto de suas fontes matriz.

Nos últimos anos vemos no Brasil um forte interesse pelas danças étnicas fusionadas, fortemente influenciados pela estética do estilo conhecido como Tribal Fusion oriundo das bailarinas norte americanas, que vieram nas últimas décadas mesclando estilos folclóricos diversos sob a denominação como danças do ventre, adereços indianos, posturas e floreios flamencos, numa formatação arrojada e claramente intercultural. Como professor e estudioso das danças clássicas indianas, tomei como parte de minha iniciativa profissional, um posicionamento próximo e presente a comunidade Tribal: fornecendo aulas técnicas e teóricas, proporcionando debates para inferirmos o que de fato foi fusionado, e quais critérios deveríamos tomar para além do puramente estético.

Seja como for, as danças surgidas dessa iniciativa podem ser entendidas como frutos de um interstício cultural, que podem - sem a devida discussão - criar um distanciamento cada vez mais silencioso entre duas danças e culturas distintas. E isso nos leva para um novo questionamento muito recorrente aos nossos tempos correntes: a problemática da apropriação cultural. O fazer arte envolve quase sempre a liberdade criativa, e a possibilidade de se criar novas narrativas a partir de símbolos já existentes de alguma forma. Até pouco tempo atrás não víamos discussões sobre “fantasiar-se” de outras personagens que geralmente em vida, fora do palco, possuem seus lugares de fala suprimido. E isso é algo que vemos surgir como fruto de uma nova consciência, mas mais ainda como uma nova urgência, se não reparativa, ao menos tentando trazer a reflexão e reduzir a reprodução dos clichês de outrora.

Até a próxima pessoal!


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Índia Em - Dia


Raphael Lopes (São Paulo-SP) é bailarino de dança clássica indiana Odissi e tem levado à dança aos cenários dos Festivais e Encontros nacionais defendendo seu caráter sagrado, conscientizando as novas gerações a buscar um aprofundamento tradicional evitando a macula à essa refinada e sofisticada forma de arte. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Índia em Dia] A Índia e o Tribal - Parte 2

por Raphael Lopes

Olá leitores, namaskar!!!


Aliás, o que é Namaskar?


Namaskar seria o equivalente ao Namastê usado no norte da Índia, um termo de saudação muito comum entre hindus, e que é super mal interpretado fora de sua terra natal. Aliás, me parece que essa é uma característica muito comum quando se importa algo da cultura indiana para o Ocidente: uma excessiva superstição sobre quase tudo!!!



Acho pertinente anexar aqui algumas colocações do célebre Yogue Pedro Kupfer:

"Namaste vem de namah, que significa “entrega”, “reverência”. O Yoga explica que toda a criação é namarupa, uma infindável miríade de formas e nomes, que são todos nomes e formas do único Ser, Brahman. Namaste aponta então para o Ser, manifestado e presente sob todos os nomes e todas as formas, animadas e inanimadas. Sendo estes nomes e formas diferentes aspectos da manifestação de Brahman, o Ser, todas as formas de vida, bem como todas as formas inanimadas, são sagradas e dignas de respeito.

Namaste ou namaskar são usadas como saudação, tanto no encontro como na despedida entre as pessoas. Literalmente, significa “a você, meu namaḥ”, minha reverência, meu reconhecimento da presença do Ser em você.

A saudação namaste é tradicionalmente acompanhada de um gesto chamado añjali mudra, com as palmas das mãos unidas frente ao coração, e uma ligeira inclinação da cabeça, em sinal de respeito. Nos templos hindus, as deidades são reverenciadas fazendo-se o gesto de namaskar, que é, para os homens, uma prostração completa de bruços e, para as mulheres, uma inclinação da cabeça até o chão, sentando sobre os calcanhares.

Desses dois gestos físicos de prostração, o masculino e o feminino nasceram, naturalmente, o surya e o chandra namaskar, a saudação ao Sol e à Lua, que são muito familiares para os praticantes de Hatha Yoga. À beira do rio Ganges, na Índia, é muito freqüente vermos pessoas fazendo namaste para as águas sagradas, com um gesto também familiar para os praticantes de Yoga, que consiste em elevar os braços até o céu e fazer uma flexão à frente.

Assim, na próxima vez que formos usar esta linda saudação, façamos isso conscientemente, lembrando que aquele que está na nossa frente não é, essencialmente, diferente de nós mesmos. Todos os nomes, todas as formas, todos os humanos, todas as criaturas vivas, são dignas do mesmo respeito, da mesma reverência."



Durante muito tempo as bailarinas tribais aqui no ocidente passaram a adotar o termo Puja para designar a saudação inicial de suas aulas/práticas de ATS. Para quem está familiarizado com os termos e a cultura hindu, a adoção do nome Puja causa muito estranhamento de fato. Puja se refere a uma ritualística específica do hinduísmo, uma forma de oferenda aos cinco sentidos da divindade (flores, aromas, bebidas, alimentos, tecidos, etc) e não uma saudação. A saudação - além do Namastê - é o Pranam, também chamado de Pranama, que se traduz literalmente como Saudação. E essa sim é a forma mais usual que os bailarinos das danças indianas utilizam para iniciar a aula. Nos vídeos abaixo veja o Pranam do Kathak, e tire suas próprias conclusões:






Essa confusão de termos parece ter chegado aos ouvidos das gringas que decidiram adotar um nome mais apropriado à saudação introdutória - Moving Meditation. A presença das danças indianas, seja nas suas modalidades clássicas ou folclóricas, parece bem diluída no tribal em geral. Nos seus primórdios com o Bal-Anat a carga indiana era mais visível no Tribal, mas com o tempo a influência parece que se restringiu mais ao dress code do que às técnicas em si.

Atualmente existe por meio do Fusion uma possibilidade maior de busca criativa na Índia, de modo que podemos ver algumas bailarinas estudando de forma mais concisa a dança indiana em sua multiplicidade e iniciando a desafiadora tarefa de desconstrui-la e recria-la no Tribal... mas isso fica pra próxima.

Namaskar!!!






























[Índia em Dia] Danças clássicas e sua influência sobre a arte contemporânea na Índia

por Raphael Lopes


Pandit Birju Maharaj coreografando e ensaiando Madhuri Dixit 

Bom dia leitores,

Quero partilhar com vocês durante as próximas postagens alguns documentários e vídeos riquíssimos sobre as diferentes formas de dança indiana. Começando pelas danças clássicas, também desejo falar mais detidamente sobre a dança teatro e as danças folclóricas, ambas recheadas de um profundo sentido espiritual e social para o bailarino.

A proposta é expandir o vocabulário da bailarina ocidental que afirma quase sempre por repetição e hábito que o seu tribal possui raízes também na dança indiana. Como veremos a seguir, é complicado apontar muitas similaridades na forma, mesmo enxergando claramente muito dos conceitos da primeira terem influenciado, ou melhor, inspirado o Tribal.

As danças clássicas Indianas são:

  • Bharathanatyam
  • Kuchipudi
  • Mohiniyattam
  • Kathakali
  • Odissi
  • Manipuri
  • Kathak
  • Sattriya

Apenas recapitulando: danças clássicas são todas aquelas que possuem repertório tradicional de movimentos registrados na literatura artística (no nosso caso, no Natya Shastra), assim como repertório coreográfico tradicional, bem como preparação corporal e intelectual do bailarino. No caso específico das danças indianas, isso inclui ainda um conhecimento sobre a mitologia e culturas que dão suporte à narrativa cênica, que é dividida em dança expressiva (Abhinaya - narração de histórias) e dança pura (onde o bailarino utiliza o virtuosismo técnico dentro dos intrincados padrões rítmicos, sem ter uma história como foco).

Devdas (2002)
O Kathak é um estilo clássico com um histórico mais diluído em relação à sua ligação aos templos. Desde o seu aparecimento, provavelmente fruto da fusão das danças persas com o código das danças indianas, o Kathak se tornou algo como um entretenimento para reis e mercadores. Os bailarinos também narravam histórias, mas não mais unicamente aquelas que continham o sagrado. Talvez tenha sido o Kathak a primeira dança clássica a flertar com o público, e adquirir um caráter mais artístico e performático. Isso se evidenciou com o surgimento de Bollywood, onde originalmente os musicais eram fortemente marcados pela presença do kathak.

No documentário abaixo, de 1971 (narrado unicamente em inglês), podemos ter uma idéia da riqueza desse estilo, que de alguma forma se encontra presente nos spins do Tribal. 


No vídeo abaixo vemos uma releitura "bollywoodiana" do Kathak no blockbuster Devdas, filme relançado em 2002 que conta com a assinatura coreográfica do Pandit Birju Maharaj.


Até o próximo encontro,

Namaskar!!!

[Índia em Dia] Novo ano, vida nova

por Raphael Lopes



Bom dia leitores,

Estamos começando oficialmente nosso 2016 agora após as folias de Carnaval... Não há mais desculpas para protelar ensaios, disciplinas, e projetos!!!

Tive um 2015 turbulento, principalmente no que tange a minha atividade enquanto professor de dança. Me desliguei do circuito de escolas, mantendo foco em poucas alunas particulares, que foram também minguando pouco a pouco. Confesso que cogitei a ideia em parar de dançar. Sim.Parar de dançar, e não apenas de lecionar!

Num mundo onde temos poucas oportunidades, quase nenhuma remuneração e reconhecimento, a falta de alunos e de diálogo com os mesmos pode ser a punhalada final para um professor que vive sua arte e ofício unicamente por amor!

Com a situação delicada da perda do meu pai, também artista, muitas reflexões me vieram à baila. Ainda estou elaborando esse luto, e essa nova perspectiva para vivenciar o legado que trago no sangue, a herança apaixonada pelo palco.

O que posso adiantar é que optei então em focar o ano em cumprir com toda a agenda de workshops já previamente solicitados; comparecer à apresentações que porventura possam me convidar; e continuar escrevendo essa coluna no blog com um espaçamento um pouco maior entre as postagens.



Meu projeto de artigos para esse ano vai contemplar então o meu estudo paralelo sobre ocultismo e espiritualidade, só que aliados à dança. 

  • O uso de adornos como formas de proteção energética, além de um estudo das origens místicas da parafernália que as sacerdotisas dançarinas antigas nos legaram na forma de figurinos e acessórios.
  • Estudar as alterações de consciência que sofremos em cena e como usar isso como uma forma de expandir nossa própria percepção do corpo e de nossa alma.
  • Estudar o impacto psicossomático de cores e sons sobre nossa constituição.
  • Como abrir e fechar receptores de energia...

Quero compartilhar um pouco do que estudei, testei e vi resultados ao longo de mais uma de década de carreira.

Então preparem um caderninho de notas, uma xícara de chá, e um delicioso incenso para acompanhar os próximos papos.

Ahhhhh,e por falar em chás... Você sabia que é um costume na Índia o professor servir um chá para seus alunos após as aulas?

É uma boa forma de confraternizar, trocar impressões e aprofundar o entendimento do que foi praticado em sala. Ao mesmo tempo, o chá aquece e nutre o corpo fatigado, levando nutrientes necessários para reposição da energia demandada com a prática. 

Você professora, experimente preparar uma garrafa térmica com chá verde, erva-doce, cardamomo e um pau de canela. Você irá levar um delicioso aroma para seu estúdio ou sala de aula, fornecendo um termogênico relaxante, que atuará também prevenindo as famigeradas dores musculares e crises com acúmulo de ácido lático. 

O bacana também é perceber o quanto isso cria um espaço maior de retorno da sua consciência dançante para o seu eu ordinário, o que se perde quase sempre num mundo moderno onde temos horários contado para sair da aula e correr de volta para o mundo "concreto".

Detalhes como esse não apenas trazem magia para o nosso dia a dia, como podem transformar muito a relação do professor com o aluno, trazendo sacralidade para essa delicada relação tão necessária para o nosso aprendizado e progresso.



Até a próxima,

Namaskar.


[Índia em Dia] A noite escura da alma

por Raphael Lopes




Olá leitores,

Primeiramente gostaria de pedir desculpas pela ausência nos últimos meses. Ser artista é ser visceral e experimentar uma forma mais intensa e - por que não - mais artística, de contemplar a própria história. Quem de nós nunca passou por uma Noite Escura da Alma?

Segundo o Wikipedia:

São João da Cruz (A Noite Escura da Alma)
"O poema de São João da Cruz narra a jornada da alma desde a sua morada carnal até a união com Deus. A jornada é referida como “Noite Escura”, pois a escuridão representa as dificuldades da alma em desapegar-se do mundo e atingir a luz da união com o Criador. Há vários níveis nesta escuridão atados em sucessivos estágios. A ideia principal do poema pode ser vista como sendo a dolorosa experiência que as pessoas têm de suportar ao buscar crescimento espiritual e a união com Deus.

A obra é dividida em dois livros que referem-se a dois estágios da escuridão da noite. O primeiro é a purificação dos sentidos. O Segundo e o mais intenso de ambos é o da purificação do espírito, que é também o mais difícil de ser atingido. A “Noite Escura da Alma” ainda descreve os dez níveis na progressão em direção ao amor místico, tal como fora descrito por São Tomás de Aquino e, em parte, por Aristóteles. O poema foi escrito no período em que João da Cruz esteve preso devido a seus irmãos carmelitas não aceitarem suas reformas na Ordem do Carmo. O tratado foi escrito posteriormente e consiste em um comentário teológico sobre o poema, explicando cada um dos níveis mencionados em seus versos.

Ao invés de resultar em permanente devastação, a noite escura é considerada uma bênção disfarçada, pela qual o indivíduo é despojado (na noite escura dos sentidos) do êxtase espiritual associado com atos de virtude. Embora os indivíduos possam, por um momento parecer declinar em suas práticas de virtude, na realidade, eles se tornam mais virtuosos, uma vez que passam a ser virtuosos menos devido às recompensas espirituais (êxtases nos casos da primeira noite) e mais devido a um verdadeiro amor a Deus. Este é o purgatório, a purgação da alma, que traz pureza e união com Deus."
A vida imita a arte.

Assim, toda dançarina irá invariavelmente se encontrar em conflitos diversos, que nada mais são do que manifestações diversas de dúvida ou crise, que podem servir como uma escuridão ou o prenúncio de muitas mudanças: 

- conflitos técnicos e/ou ideológicos sobre a própria dança;
- conflitos estéticos com a própria imagem;
- crises de criatividade e eventuais baixas de energia;
- conflitos sociais com outras dançarinas ou escolas/eventos de arte;
- dificuldade de gerenciar horários de estudo e administrar a própria carreira.

Mesmo que sua escolha seja ser uma eterna aluna, ou pelo menos não ter pressa em relação a apresentações mais consistentes, você irá encontrar algum desses conflitos nas esquinas da sua vida. O mais importante é reconhecer nesses momentos o próprio movimento natural da vida: sístole e diástole, pulsando alternadamente a intensidade com as necessidades de ruptura.

Para um artista, esse inferno pessoal pode se transformar numa grande caldeira borbulhante de novas idéias e rumos.

Raphael Lopes (performance NavaDurga - CEU Butanta 2014)
Um artista sem profundidade terá uma arte rasa. E para conhecer a profundidade é preciso mergulhar nos nossos abismos pessoais de tempos em tempos.
Ao mesmo tempo, parece que as dançarinas geralmente não conseguem desenvolver um conceito com profundidade, já que quase sempre as apresentações esparsas não contemplem um diálogo entre o artista e o seu público. E esse é um dos motivos que me levaram à um recolhimento maior... Uma necessidade de me comunicar com a minha arte e encontrar um sentido em tudo o que faço.

Estou ainda no meu turbilhão. Estou aproveitando essa movimentação para desconstruir minhas certezas e, ao mesmo tempo, definir o que quero. Artisticamente quero me aprofundar ainda mais em Bharata Natyam e criar uma técnica limpa e arrojada de ATS® partindo do meu próprio corpo, sem replicas. 

Acho que o mais importante é a sinceridade com a qual lidamos e tratamos com a nossa arte, nosso corpo e nosso público. Daqui de minha incubadora mando minhas lembranças aos leitores, e faço um convite: 

Você está feliz com sua arte? 

Saia da zona de conforto, e deixe a vida nova pulsar no ritmo certo.

Um abraço, 

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