[Índia em Dia] Interculturalismo

 por Raphael Lopes

 Kathak repaginado sob a influencia da estética ocidental

Olá queridos leitores.

É com muita alegria que reergo minha pena para escrever um pouco sobre aquilo que fazemos e produzimos no palco, compartilhando idéias e pesquisas para fomentar sempre um dançar cada vez mais consciente e produtivo. O período conturbado em que nos encontramos no cenário atual de uma pandemia impactou profundamente nossa experiência como "fazedores de dança" - seja como professores (uma vez que tenhamos migrado para plataformas online) ou como performers (sem eventos para participar).

Muitos se viram sufocados pela falta de saídas, mas outros fizeram suas próprias saídas e encontraram nesse cenário novas possibilidades de se produzir arte. Pude particularmente atender alunos que antes não se animavam para aulas onlines, pois essa nem de longe era uma realidade. E agora, não apenas mantivemos os alunos nessas novas plataformas, como pudemos agregar quem antes estava mais distante.

Pude coreografar em parceira com bailarinas de outros estados, e oferecer cursos com lotação máxima, e o mais interessante de tudo, pude participar da iniciativa do Fórum Online de Danças Indianas, que gerou muitas discussões pertinentes ao cenário da dança, e das fusões em geral. Assinalo especificamente a questão abordada logo no nosso primeiro encontro, onde abordamos o Interculturalismo e Apropriação Cultural. Reproduzo aqui parte de minha fala introdutória ao tema, convidando todos a reflexão e lançando uma semente de boas novas para essa nova fase:

O Interculturalismo sendo discutido pelo viés da ética e da estética pode nos convidar a observar a história de como as danças clássicas indianas chegaram até a nós no Ocidente, especificamente aqui no Brasil nos pouco mais de três décadas de sua ocorrência em nosso país. Muito provavelmente a grande maioria do público teve seu primeiro contato com essas danças pelo contato indireto, por meio de produções culturais (como filmes ou documentários, quase sempre nos trazendo um pouco do exotismo das culturas asiáticas, como de costume nas produções estadunidenses e europeias). Ou ainda oriundos de outras práticas corporais como o Yoga ou a Ayurveda, ou atraídos pelas diferentes correntes filosóficas que ganharam grande atenção (comercial, inclusive) do Ocidente sobre a vasta cultura indiana.

A estética tradicional indiana influencia a dança e as artes em todo o mundo
Por qualquer via como tenhamos nos aproximado da cultura indiana temos que ter em mente que somos produtos de nossa própria memória cultural, e quase sempre a lente que usamos para observar uma nova cultura nos permite uma visão intercultural, pois partimos de nossas próprias réguas para mensurar o contato e impacto entre duas culturas.

Muito embora se compreenda que o aprendiz interessado em um novo estilo possa vir a obter uma compreensão sobre sua arte em tese e performance, muitas vezes vemos um movimento de aproximação entre fazeres artísticos distintos, dialogando artes performáticas, quase sempre gerando um novo produto, já distinto de suas fontes matriz.

Nos últimos anos vemos no Brasil um forte interesse pelas danças étnicas fusionadas, fortemente influenciados pela estética do estilo conhecido como Tribal Fusion oriundo das bailarinas norte americanas, que vieram nas últimas décadas mesclando estilos folclóricos diversos sob a denominação como danças do ventre, adereços indianos, posturas e floreios flamencos, numa formatação arrojada e claramente intercultural. Como professor e estudioso das danças clássicas indianas, tomei como parte de minha iniciativa profissional, um posicionamento próximo e presente a comunidade Tribal: fornecendo aulas técnicas e teóricas, proporcionando debates para inferirmos o que de fato foi fusionado, e quais critérios deveríamos tomar para além do puramente estético.

Seja como for, as danças surgidas dessa iniciativa podem ser entendidas como frutos de um interstício cultural, que podem - sem a devida discussão - criar um distanciamento cada vez mais silencioso entre duas danças e culturas distintas. E isso nos leva para um novo questionamento muito recorrente aos nossos tempos correntes: a problemática da apropriação cultural. O fazer arte envolve quase sempre a liberdade criativa, e a possibilidade de se criar novas narrativas a partir de símbolos já existentes de alguma forma. Até pouco tempo atrás não víamos discussões sobre “fantasiar-se” de outras personagens que geralmente em vida, fora do palco, possuem seus lugares de fala suprimido. E isso é algo que vemos surgir como fruto de uma nova consciência, mas mais ainda como uma nova urgência, se não reparativa, ao menos tentando trazer a reflexão e reduzir a reprodução dos clichês de outrora.

Até a próxima pessoal!


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Índia Em - Dia


Raphael Lopes (São Paulo-SP) é bailarino de dança clássica indiana Odissi e tem levado à dança aos cenários dos Festivais e Encontros nacionais defendendo seu caráter sagrado, conscientizando as novas gerações a buscar um aprofundamento tradicional evitando a macula à essa refinada e sofisticada forma de arte. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 
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