Mostrando postagens com marcador Entrando na Roda. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Entrando na Roda. Mostrar todas as postagens

[Entrando na Roda] Pioneira da Roda: Aline Muhana

 por Natália Espinosa


Quando a Natália me pediu pra escrever esse texto eu tive um misto de sensações. Algo entre “Que legal! Querem ouvir a minha história!” e “Socorro! por onde eu começo?”. E por uma brincadeira do destino fui convidada pela Laila Garbeiro pra participar da edição especial do Simpósio Práxis de fevereiro de 20121 para falar justamente de…memórias do início do Tribal no Brasil! 


Foi um momento muito propício porque eu estava preparando a minha mudança pra São Paulo e todas as minhas coisas estavam à mão, no meio da arrumação do que levar para casa nova. As pastas e caixas com os certificados, recibos, flyers, credenciais de eventos estavam todas ali. Memórias físicas do que aconteceu, e não só fotos em redes sociais mortas e drives externos abandonados. 


Os remanescentes de figurinos canibalizados, bases e peças que eu não me desfiz com o passar dos anos, materiais que caíram em desuso por conta das modas e preferências atuais, peças que se desfizeram ou que não cabem mais. Foi um momento bem propício pra olhar pro começo, no meio de todas essas coisas que já foram protagonistas na minha história. 


E no início de tudo (pelo menos pra mim) tiveram esses dois vídeos: de um grupo de mulheres dançando no que parecia ser uma feira medieval muito animada (o palco era na frente de um rio, e tinha uma barquinho passando, nunca tinha visto uma apresentação de dança ao ar livre) e outro vídeo de uma mulher que não parecia real. Ela se movimentava de uma maneira não natural e vestia o figurino mais impressionante que eu já tinha visto (apesar da qualidade de imagem ser péssima naquela época). Depois de muito tempo eu descobri que o grupo se chamava Daughters of Durga e a mulher se chamava Rachel Brice. Cheguei a esses vídeos através de uma plataforma para artistas que eu usava na época, o Deviantart


Depois da minha formatura como bacharel em Artes Plásticas pela UFRJ em 2004 eu fiz muitas coisas, não me contentei em traçar uma carreira apenas como pintora. Eu ilustrava, dava aulas de desenho e pintura, costurava, criava performances e arte digital, então criei um perfil nessa plataforma e entrei em contato com outros artistas de várias partes do mundo. E no perfil de uma moça da costa Oeste dos Estados Unidos eu vi o link para esses vídeos. Ela usava o nome de Danya e dançava nessa trupe Daughters of Durga, e tinha como colega Tori Halfon (ela mesma, a criadora do Tribal Massive!) em 2006. O próximo vídeo que apareceu na pesquisa do Youtube foi um solo de Rachel Brice com o percussionista Tobias Robertson em uma edição do Tribal Fest. E eu pirei mais ainda. Fiquei muito impressionada com a estética dos vídeos e me interessei em saber mais sobre aquilo. 


Nessa época eu praticava Dança do Ventre por conta própria, sozinha em casa, com o auxílio de revistas, cds, e lembranças das apresentações que eu via na tv (eu morei em Foz do Iguaçu - PR dos 5 aos 17 anos, uma das maiores colônias libanesas do Brasil. Tínhamos canais libaneses na tv a cabo, eu tinha colegas libaneses na escola. A dona da escola que eu estudei era libanesa. Toda festa do folclore da escola tinha roda de Dabke.  Enfim…fui exposta  à cultura por um bom período de tempo, mas sem me aprofundar) E esses vídeos foram mais um incentivo para procurar aulas regulares, apesar de eu não saber bem o que era aquilo, mas achar parecido com algumas coisas que já tinha visto. 


Cheguei em 2007 ao Asmahan Escola de Artes Orientais por indicação de um amigo em comum que eu tinha com a fundadora da escola: Jhade Sharif. E qual foi a minha surpresa ao encontrar no site da escola algumas fotos dela com esse figurino diferente (e até meio parecido com o das americanas) em shows da escola e em restaurantes! Achei o que eu estava procurando  a um ônibus de distância da minha casa e descobri o nome daquele estilo diferente de dança do ventre: Dança Tribal. 


Olhando pra essas memórias 14 anos depois me dou conta de que o  que se colocava como Dança Tribal naquela época era muito mais fruto de pesquisas pessoais de profissionais expostos a essas performances, que chegavam sem explicação nenhuma e fora de contexto, (as pessoas não sabiam ainda do poder da internet de difundir conteúdo indiscriminadamente)  fora a barreira do idioma. Não existia nenhum tipo de unidade nem de conhecimento do que outras pessoas faziam, e a produção artística nacional apesar de já estar ocorrendo em vários lugares,  passava despercebida da maioria. A informação de que o Tribal Fusion (que foi adotado depois, pois não se fazia diferenciação) era derivado do antigo American Tribal Style (que foi difundido no Brasil muito depois) era inexistente.

 

Através de pesquisas numa rede popular entre as tribalistas americanas da época  chamada Tribe.net descobri essa e muitas outras informações sobre o estilo e iniciei um blog que se chamou “ATS e ITS” em que comecei a traduzir informações sobre a história do estilo, os códigos de vestimenta do ATS, as diferentes vertentes de improvisação coordenada (ITS) e as últimas notícias da comunidade americana. O blog durou alguns anos, mas com o tempo e a demanda de trabalho com aulas e o atelier deixei de publicar atualizações. 


No Tribe.net também conheci outras artistas americanas do estilo e no youtube e orkut descobri o trabalho das nacionais Cia Halim (SP), Kilma Farias (PB) , Nanda Najla (MG), Bruna Gomes (RS) e de Victoria Vasquez (Chile), além de Nadine Fernández (Alemanha) (que Jhade tinha acabado de convidar para workshops no Asmahan, pouco antes de eu entrar pra escola). 

Meu estande do Tribes Brasil I  (Tribal.fest / Festival Tribal do Rio) - 2008

O primeiro momento em que pude ver alguns destes nomes nacionais juntos, mais a companhia Shaman, Rhada Naschpitz e Nadja el Balady (que dividiu a produção do encontro com Jhade) e outras artistas que não fui capaz de recordar foi no primeiro encontro que ocorreu no Rio em julho de 2008. A primeira edição do Tribes Brasil (Tribal.fest / Festival Tribal do Rio). Participei como expositora no que seria o embrião do meu atelier (Nataraja Designs) e dancei com mais duas amigas de aulas no show de mostras. Depois disso tudo mudou, e novos eventos exclusivos de Dança Tribal  com esse caráter de encontro começaram a surgir em outras regiões do país.  


Tribal.fest / Tribes Brasil I, 2008. Eu, Sarah Bott e Carla Nar


Foi muito interessante ver as expressões individuais das outras artistas brasileiras, traduzidas em figurinos e escolhas musicais. Acho que foi a primeira vez que vi ao vivo um figurino incorporando elementos nacionais como crochê e chitão, de Kilma, Cia Halim e das Shamans. 


Naquela época a joalheria indiana importada que hoje é tão comum de se encontrar (apesar do preço) era extremamente rara, e só quem viajava para o exterior tinha acesso. Os sites de venda ainda eram poucos e muitos não enviavam para o Brasil. Mesmo as lojas de bijuterias não tinham a variedade de peças com inspiração oriental que temos hoje com a moda Boho em alta, então o impacto de ver figurinos ricos e bem feitos com produtos nacionais foi ainda maior!


Eu frequentava feiras de antiguidades e brechós  pra conseguir algo interessante e conseguia verdadeiros achados, a custa de muita paciência e barganhas. Comprava bijuterias antigas, às vezes até achava alguma peça indiana legítima, roupas com tecidos interessantes para reaproveitar e acessórios como xales, luvinhas de crochet e broches. 

Existiam pouquíssimos ateliers de figurino para Tribal, era muito difícil conseguir um figurino completo em pronta-entrega,  muitas vezes tínhamos que criar acessórios e figurinos por conta própria ou com a ajuda de costureiras. Foi aí que surgiu o meu atelier inclusive.


Primeira tentativa de look ATS Old School - Figurino completo Nataraja Designs - 2009


As tendências de figurino nesse início eram muito inspiradas no visual do contingente tribal do BellyDance SuperStars (a principal fonte de referência da maioria de nós) e de alguns dos poucos vídeos que chegavam a nós pelo youtube. Aos poucos o figurino tradicional de cintos de franjas de lã e calças boca de sino foram sendo substituídos pelo visual mais vintage usado pelo The Indigo no seu show recém lançado Le Serpent Rouge.

Carol Schavarosk, Sarah Bott, Eu e Karine Xavier em figurinos tribais criados e executados por nós mesmas (excetuando o da Karine). Al Khayam - 2009

Um dos pontos altos do Tribes e dos outros eventos que seguiram nessa tendência foi a troca de conhecimento entre as artistas nacionais através de workshops. Muitas de nós, dessa primeira geração do Tribal do Brasil, tivemos oportunidade de fazer aulas umas com as outras e contribuímos efetivamente para a formação conjunta da nossa comunidade.  Nesse primeiro contato da comunidade consigo mesma foi fundamental aprender as diferenças e similaridades dos trabalhos das colegas e até desenvolver nomenclaturas e afinidades estilísticas. 

Os workshops eram todos grandes exposições das pesquisas artísticas pessoais de cada bailarina, seguindo uma linha individual de desenvolvimento totalmente independente. Não existiam ainda os formatos pré-estabelecidos (como Datura ou DanceCraft) e não havia ninguém com conhecimento mínimo de ATS para dar aulas (apesar do método já existir e os DVDs já serem comercializados no mercado “informal”, vulgo Pirataria). A primeira brasileira a dar aulas de ATS no Brasil só viria no ano seguinte (Isabel de Lorenzo, em 2009). 


Os dvds pirateados foram primordiais para muitas de nós termos o primeiro contato  contextualizado com a produção americana do estilo. Apesar do idioma, muitas de nós conseguiram ultrapassar esse obstáculo e pudemos entrar em contato com os primeiros vídeos didáticos explicando o conteúdo das aulas e a importância de temas como o estudo do Yoga, fundamentos técnicos do estilo e suas variações. 


Com a vinda das primeiras bailarinas americanas ao Brasil no ano seguinte ( Sharon Kihara, Mardi Love e Ariellah no Tribal Y Fusion/2009 -  produção Adriana Bele Fusco)  houve esclarecimento de alguns destes  tópicos e uma difusão ainda maior desses fundamentos por todo território nacional a partir das participantes do evento, que foi de quase 200 bailarines de todo o país. Foi um momento de descobertas e de compreensão muito grande para a cena brasileira.

Jhade Sharif , Nadja el Balady e eu - 2009 - Tribal y Fusion - Primeira apresentação da Tribo Mozuna - primeiro grupo de ATS do Brasil.


Existia um senso de comunidade e um otimismo muito grande nesses primeiros anos, uma preocupação em criar um ambiente receptivo e de suporte mútuo que era perceptível nos corredores dos eventos, salas de aulas e camarins. Tudo era muito novo e a sensação de encontrar alguém que compartilhava aquela mesma dança inebriava  e empolgava a todes. Ainda hoje me sinto como se estivesse “visitando a família” nos grandes eventos, onde tenho a oportunidade de encontrar esses rostos familiares de tantos anos.


Nestes 14 anos houve uma evolução muito grande em todos os aspectos da nossa cena: Integração, variedade, qualidade de performance e instrutores e a quantidade de praticantes, frutos de muito trabalho e dedicação tanto das gerações mais antigas quanto das mais novas, nossas alunas e ex-alunas. As reflexões atuais geradas pelos simpósios, coletivos e grupos de estudo (que floresceram durante a pandemia) trouxeram aprofundamento das discussões teóricas, históricas e sociais e amadurecem ainda mais nossa comunidade, nos colocando no próximo estágio de evolução da dança do país.


E basicamente esse era o cenário quando comecei a “dançar tribal”, nos primeiros anos da difusão do estilo no país. Espero que tenha sido uma experiência boa esse passeio pelas minhas memórias! 


Grande beijo!

Aline Muhana


Para conhecer mais o trabalho de Aline Muhana, acesse:


| Instagram | Entrevista no Blog |



______________________________________________________________________________

Entrando na Roda

Natália Espinosa (Campinas-SP) é dançarina e professora de Estilo Tribal de Dança do Ventre e ATS®.Tornou-se Sister Studio FCBD® em 2013 e está cursando o programa The 8 Elements™ de Rachel Brice. Natália orienta o Amora ATS ® e participa do TiNTí, grupo profissional de ATS® composto por sua professora Mariana Quadros e por Anna Pereira. Sua grande paixão é ensinar e seu palco é a sala de aula.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 


[Entrando na Roda] Pioneira da Roda: Isabel De Lorenzo

por Natália Espinosa


Vivo em Roma há mais de vinte anos e me defino uma artista da Dança. Meu trabalho cotidiano é multifacetado: sou, principalmente, professora de FCBD®️Style e dirijo uma escola de danças do mundo, a San Lo’, situada no coração de Roma. A escola vai completar vinte anos em 2023, mas na verdade, desde março de 2020 está fechada devido às restrições que a Itália vem sofrendo com a pandemia do coronavírus, o que nos obrigou a migrar quase inteiramente para o setor online. Também organizo o Roma Tribal Meeting, festival que reúne anualmente artistas do mundo todo em torno da ideia de comunidade nas danças “estilo tribal”. Sou membro do Dance Sisters Collective, que tem trabalhado desde 2013 com o FCBD®Style aplicado a sofisticados projetos de performance, à distância e em presença. Dou aula em inúmeros eventos e festivais pelo mundo afora. Apaixonada pelo teatro-dança, já colaborei com algumas companhias de dança contemporânea como atriz e dançarina, muito aprendi com essas experiências e acabei criando e produzindo meus próprios espetáculos teatrais, Al-muallaqat | Le sospese (2007), Frida Suite (2012) e Bambola (2018).


"A coluna quebrada" - Frida Suite | Foto: Fabrizio Caperchi (2012)


Poster Frida Suite (2012)

Violet Scrap em Bambola, um espetaculo de Isabel De Lorenzo | Foto: Donatella Francati (2018)



Poster Bambola (2018)




Danço desde os oito anos, quando minha mãe me matriculou no balé, em Araraquara, SP. Não me achava talentosa para a dança apesar de desejar continuar, e lutei com essa contradição durante anos, até parar com a dança clássica e moderna quando entrei para a Faculdade de Letras na USP. Trago dessa primeira etapa na dança bons ensinamentos sobre o uso do corpo, espírito de grupo e gosto pela cultura artística em geral.


Meu primeiro encontro com a dança oriental aconteceu em São Paulo em 1987. Nesse ano, junto com minha amiga Yasmin Nammu, tomei aulas com a Márcia Nogueira, uma das professoras mais alternativas da cena paulistana na época. Eu tinha curiosidade tanto pela dança árabe quanto pelo flamenco e pela dança indiana, mas faltou perseverança e acabei voltando ao mero estudo das Letras. Mas minha amiga prosseguiu e, alguns anos depois, eu me tornei uma de suas primeiras alunas; desde então frequentei o estúdio Yasmin Nammu por anos a fio, com grande paixão pelo estudo da dança do ventre. Minhas primeiras apresentações, muito tímidas, se deram nesse período, entre 1991 e 1997 quando me mudei para Roma, capital da Itália. 


Teatro Municipal de Araraquara (1980)


Bellydancing - Roma (1997)

O que havia de mais interessante na cena romana era o estilo egípcio autêntico, com professores do naipe de Saad Ismail - um dos herdeiros do mestre Mahmoud Reda. Não era o meu estilo preferido, mas era “consistente”; então me matriculei num curso com Saad que me ajudou a fazer contatos e encontrar meus primeiros trabalhos como professora e dançarina. Passei muitos anos “bellydançando” na noite arabe-romana, mas ao mesmo tempo meu gosto pessoal foi migrando definitivamente para o estilo tribal. E assim se passaram mais de dez anos de muito estudo, tanto no estilo oriental como no tribal. Eventualmente era possível participar de workshops; mas na maioria das vezes o estudo era através de vídeos. Com o tempo, a dificuldade de se encontrar vídeos didáticos foi amenizando... acredito ter vivido em cheio a passagem entre os anos 80 em SP - quando encontrar um vídeo didático (da Salimpour por exemplo) era ouro! - e os anos 2000, que trouxeram a internet em casa e com ela um acesso mais democrático ao estudo da dança. 


Reda Style: Saad Ismail Dance Company,  Roma (1999)


Encontrei Carolena Nericcio e Megha Gavin pela primeira vez em Milão em 2005 e 2006. Elas viajavam dando cursos na Europa, mas o público ainda era naquela época bem restrito. As Bellydance Superstars também passaram pela Itália e tive oportunidade de participar de diversos workshops (aliás, até co-organizei um ramo da tournée de workshops com elas, em 2007).  Tudo isso culminou com a minha ida para San Francisco em 2010, numa viagem extraordinária junto com minha então aluna e depois parceira Silvia Grassi. Dali em diante eu resolvi me dedicar somente ao ATS® . Nossa turma de General Skills e Teacher Training era razoavelmente pequena, fizemos amizades e trocas importantes. Todo mundo que fez este percurso de alguma maneira sabe o quanto é transformador. E assim foi comigo. Logo pedi para ser Sister Studio de FatChanceBellyDance®  e tenho honrado, espero, este papel. Recentemente passamos a assinar Partner Studio, em apoio às mudanças que estão pedindo para acontecer na sociedade e que atravessam certas nomenclaturas. Nossa troupe, Carovana Tribale, foi fundada em 2003, teve várias formações e hoje em dia é antes de mais nada um container para quem quiser dançar conosco: todas as alunas são bem vindas, assim como as colegas, sem vínculos de nenhum tipo. Temos consciência de que a troupe tem um nome “antiquado”, que traz em si tanto a ilusão orientalista na palavra “caravana” quanto o controverso atributo “tribal” - e talvez, quando chegar a justa inspiração, iremos mudá-lo. Tem sido difícil para todo o mundo, artistas em particular, tomar decisões para o futuro; assim temos tentado, durante esta pandemia, manter o corpo são e a calma mental, dando espaço à pura dança como prioridade nossa de cada dia.


FCBD Studio - San Francisco (2010)

Carovana Tribale (2007)

Carovana Tribale (2016)

Com alunas de Carovana Tribale | Foto: Roberto Radimir (2018)


Minhas relações dançantes com o Brasil não foram muito intensas nestes mais de vinte anos, mas foram constantes e houve alguns episódios memoráveis. Em 2010 fiz uma viagem mochileira com minha amiga Geneva Bybee (dançarina americana que tinha sido pioneira da Tribal Fusion na Europa). O evento itinerante se chamava Tribal Tour e nosso objetivo era criar redes e lançar as bases para uma comunidade estilo tribal no Brasil. Fomos para Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Além de ter sido extremamente rica como experiência pessoal, esta tournée alcançou em grande parte seus objetivos: a rede de contatos, de amizade e de estudo permanece viva até hoje e com certeza deixamos bons sinais, especialmente no Rio e na Bahia. De toda maneira, eu vou ao Brasil praticamente todo ano e tenho alunas na minha região (Araraquara, interior de SP), podendo citar a Mariana Esther que atualmente é uma excelente bailarina, estudiosa e professora de FCBD®  Style. No Rio, Nadja el Balady e Aline Muhana me receberam muitas vezes para workshops e eventos; o mesmo na Bahia com a Bela Saffe e sua maravilhosa comunidade. Também houve bailarinas brasileiras que vieram a Roma, conheceram minha escola e até participaram do Roma Tribal Meeting como a Dayeah Khalil, a Bela Saffe, a Joline Andrade e outras. Tenho muitas amigas na cena da dança brasileira e espero que seja em breve possível revê-las, conhecer novas pessoas e continuar espalhando a semente da dança por aí afora.


Tribal Tour com Geneva Bybee, Brasil (2010)


Um aspecto muito gratificante do meu envolvimento com o FCBD®Style passa através do Dance Sisters Collective. Este coletivo europeu (com Philippa Moirai, de origem Sul Africana vivendo no Reino Unido, Gudrun Herold da fronteira Alemanha/França e Silvia Grassi da Itália) nos levou a trabalhar efetivamente com o conceito criado por Carolena Nericcio, de que a linguagem compartilhada do FCBD®Style possa se avantajar sobre a multiplicidade de outras linguagens da comunicação humana. Cada bailarina do coletivo tem seu próprio idioma materno, moramos em países diversos, temos bagagens culturais bem variadas e mesmo assim trabalhamos juntas desde 2013, utilizando videoconferências e outras técnicas de comunicação remota que só agora, em tempos de pandemia, se tornaram mais comuns. A dança acima de tudo.


Dance Sisters Collective | Foto: Federico Ugolini (2014)


Dance Sisters Collective | ATS Homecoming, San Francisco, 2017


Enfim, vou tentando me manter como profissional da dança aos 53 anos de idade. Minha jornada se divide entre tudo isso: o ensino, ao qual me dedico com grande amor, a convivência com minhas alunas, assim como a preparação dos meus cursos e workshops são sempre momentos muito importantes. A gestão da escola, a San Lo’, também requer muita energia, começando com a constante troca de informações com nossa equipe de professores, colaboradores e alunos, até a divulgação - eu mesma faço os sites, o material gráfico, os vídeos e a organização geral de todos os eventos, enquanto minha sócia Lara Rocchetti se ocupa mais da administração. A projetação, organização, produção de cada evento, como por exemplo o Meeting, ou o festival de fim de ano da escola, um open day de início dos cursos ou um evento de danças de fusão como o La Divina Commedia Project® que estou preparando para o segundo semestre de 2021 - tudo isso requer apenas um cérebro e centenas de horas sentada em frente ao computador. Quando o corpo padece, pilates e bicicleta são meus antídotos. Música, teatro, literatura, filosofia, cinema nutrem o pensamento e a vida. Meu desejo maior para o futuro é o de permanecer no campo artístico, poder - quem sabe - escrever, dirigir mais espetáculos, viajar e novamente abraçar todo o mundo.


Em casa durante a pandemia



Para conhecer mais sobre o trabalho de Isabel DeLorenzo, acesse:

| Contato | | Entrevista no Blog |


______________________________________________________________________________

Entrando na Roda

Natália Espinosa (Campinas-SP) é dançarina e professora de Estilo Tribal de Dança do Ventre e ATS®.Tornou-se Sister Studio FCBD® em 2013 e está cursando o programa The 8 Elements™ de Rachel Brice. Natália orienta o Amora ATS ® e participa do TiNTí, grupo profissional de ATS® composto por sua professora Mariana Quadros e por Anna Pereira. Sua grande paixão é ensinar e seu palco é a sala de aula.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Entrando na Roda] Pioneiras na Roda: Bárbara Kale

por Natália Espinosa

As próximas publicações do Entrando na Roda serão depoimentos de profissionais brasileiras que viveram o desabrochar do estilo no Brasil. Vamos entender, através da experiência dessas mulheres, um pouco da história do FCBD Style em nosso país. Vamos colocar as Pioneiras na Roda! 

Hoje vamos conhecer a bailarina do Rio Grande do Sul: Bábara Kale!

A convite da Natália Espinosa, vou contar como iniciou minha história com a dança tribal. Esse texto é apenas um recorte do período em que eu morei nos Estados Unidos, de 2001 a 2006 e da minha participação como bailarina no grupo de ATS, o Read My Hips. Vou me apresentar primeiro: meu nome é Bárbara Vianna, sou gaúcha, moro em Porto Alegre, sou bibliotecária e tenho dois filhos. Por outro lado, uso o nome de Bárbara Kale e sou instrutora certificada do estilo Sister FCBD®. Mas eu gosto de dizer que eu danço ATS, pois é isso que eu gosto de fazer.

Acho que para entender minha experiência, é importante contar um pouquinho da minha história de vida, pois é evidente que ela modelou a forma como eu me aproximei da dança e com certeza até hoje influencia a maneira como eu me relaciono com o dançar.


Eu nasci numa cidade próxima de Porto Alegre, mas adolesci no litoral norte do Rio Grande do Sul. Quem morou em prainha na década de 80 e 90, sabe que não tinha muita coisa pra fazer no inverno. Ou seja, nunca tive oportunidade de fazer qualquer aula formal de dança. Mas cresci assistindo e aprendendo as coreografias do show da Xuxa, e recriando coreografias de filmes com o grande corpo de baile dos meus primos. Mas isso era sempre na brincadeira: na única oportunidade em que pedi aos meus pais para ser matriculada em uma aula de Jazz, recebi um grande "não" por considerarem um gasto inútil de dinheiro.


Já na faculdade de Biblioteconomia em Porto Alegre, morando sozinha e dona do meu dinheiro, decidi que eu poderia finalmente realizar meu sonho de fazer uma aula de dança de verdade: mas sabendo que não seria qualquer dança clássica, já que na minha idade (20 anos) a época de aprender já tinha passado. Sempre admirei o flamenco, mas era financeiramente inviável para mim. Então foquei na oferta de outras dança para adultos, que era bem pequena (para o meu bolso de estudante e estagiária). Entre fazer dança de salão - que precisava de par - e dança do ventre - que eu achava meio brega, escolhi a Dança do Ventre.


Não foi uma grande paixão, mas mesmo assim o relacionamento durou mais ou menos 2 anos. Eu detestei dançar em público e as roupas - com tanto brilho e salto alto - também não me agradava (vale dizer aqui que eu nunca gostei de chamar atenção. Não que eu fosse tímida propriamente, mas eu não sou aquela pessoa que gosta de chegar em um lugar e todo mundo olhar pra ela. Se isso acontece comigo, até hoje, eu sempre acho que tem algo errado.). Eu aprendi muito pouco sobre música e cultura árabe, e não tive interesse em me aprofundar. Mas as aulas eram maravilhosas. Aprender a controlar os movimentos, a técnica, a expressividade era ótimo. Quando minha professora mudou de escola, e os horários começaram a ficar difíceis de conciliar, foi a desculpa que eu precisava para largar as aulas. 


Em 2001, acompanhando meu marido no doutorado, fomos morar em Chicago, nos Estados Unidos. No primeiro ano que passei lá, meu foco foi em aprender a falar inglês e em arranjar algo para preencher meu tempo independente do meu marido. Tínhamos vários amigos, mas eles eram todos do círculo fechado dos colegas de Filosofia ou meus colegas de trabalho. Eu me dei conta que para conhecer pessoas diferentes, eu teria que fazer alguma atividade diferente. E aí lembrei da dança do ventre e me matriculei em uma escola.


Em 2002 a internet era algo muito novo, sem redes sociais e onde as páginas individuais de blogs pessoais ainda era bem incipiente. Youtube não existia - muito menos celular com câmera. Comecei a pesquisar e lembro que apareceram uns resultados estranhos - para os meus olhos - para os termos "bellydance chicago". Fotos de algumas mulheres de preto usando uns turbantes na cabeça. Achei aquilo bem coisa de americano, inclusive o nome, uma vez que eu não reconheci nada além da barriga de fora que pudesse ser chamado de dança do ventre. Associei ao puritanismo americano, e continuei minhas buscas. Encontrei a escola de dança do ventre Jasmin Jahal, onde me matriculei e  me matriculei e comecei a fazer aulas.



Website



Apesar dos meus dois anos de aulas em Porto Alegre, foi como começar do zero. A escola de Jasmin ensinava especificamente dança do ventre Egípcia. Pela primeira vez aprendi os nomes dos movimentos. As aulas eram planejadas e estruturadas em "sessões" de 6 semanas cada. Além das aulas de técnica geral de dança do ventre iniciante/intermediário/avançado, haviam aulas específicas de acessórios (véu, snujs, bengala, melaya leaf).  Todo verão havia um grande espetáculo de encerramento com participação de todas as alunas e durante o período de aulas pequenas haflas para quem quisesse se apresentar com coreografias próprias. Também eram promovidos pela escola workshops e festivais com participação de bailarinas convidadas, como o Shimmyfest.  Era uma escola dedicada exclusivamente a dança do ventre, e a organização, planejamento e comprometimento com a dança legitimava e elevava esta a um patamar bem mais alto do que a minha limitada experiência tinha me dado no Brasil. Eu fui aluna da escola por mais ou menos dois anos, entre 2002 e 2004.

Apesar de toda a infraestrutura e glamour, ainda assim eu não me apaixonei pela dança do ventre. Aprendi a respeitar a dança, mas continuei sem me identificar muito com a estética, principalmente os solos, que eu nunca tive nem vontade de fazer. As coreografias em grupo eram legais - principalmente os ensaios e as aulas, mas eu nunca tive qualquer vontade de levar a dança do ventre além daquele espaço de lazer que ocupava na minha vida.

Até que numa sexta-feira após a aula, encontrei no vestiário uma colega vestindo uma saia preta longa, se preparando para sair. Fiquei empolgada, pois achei que era uma saia de Flamenco, e perguntei onde ela estava fazendo aulas. Ela me contou que participava de um grupo de ATS, chamado Read My Hips, e que ela estava saindo da aula para uma apresentação num local próximo da escola. Eu achei interessante, pois já tinha ouvido o nome Tribal em outras conversas e como não tinha nenhum outro compromisso, fui assistir.


Nossa, e pensar que foi tão por acaso que isso aconteceu. Fiquei completamente e constrangedoramente apaixonada. Até hoje me sinto meio constrangida com o meu comportamento totalmente stalker durante o evento. Tirei milhares de fotos, e como era um local aberto, o grupo ia fazendo pequenas improvisações em vários ambientes - e eu ia seguindo. Pela primeira vez eu vi uma dança que não só me inspirava visualmente, mas me dava uma vontade louca de participar. Algo do qual eu queria fazer parte, mesmo ali, na apresentação em público. 

Criei coragem para me aproximar, puxei papo, peguei um cartão com as informações da aula e aguardei ansiosamente até a terça-feira, único dia da semana que tinha aula para iniciantes.

Cheguei na aula com meu cinto barulhento de dança do ventre, a sala estava lotada. A professora, diretora do grupo Read My Hips, Stephanie Barto, explicou como a aula funcionaria. Iniciaria com um breve aquecimento, aí dançaríamos uma música de improvisação e escolheríamos um dos movimentos ou combos para trabalhar. Depois na segunda metade, o mesmo com o vocabulário rápido. Para quem era novo por ali, era só ficar no fundo da sala e ir acompanhando da melhor forma possível. Uma loucura.

Além do choque de ter que me adaptar em dois minutos a pedagogia "vire-se", as músicas também eram algo completamente fora da minha experiência. A relação dos movimentos com a música era muito diferente da dança do ventre. Era como ter entrado em outro mundo. De fato, me vi experimentando uma invenção americana, que não tinha nada a ver com o que eu tinha aprendido de dança até então. Foi difícil, mas foi extraordinário. Errei muito mais do que acertei, mas nunca me senti mal por isso. Ouvi pela primeira vez a versão remix de Walk like an Egyptian, e até hoje, 18 anos depois, toda vez que escuto essa música visito aquela sala de aula. 


Depois dessa primeira aula, segui assistindo a todas as apresentações do grupo, comecei a pesquisar sobre o estilo, fazia aulas particulares. Continuei na escola de dança do ventre, mas meu coração já não estava mais ali. Só queria saber de ATS, e me perguntei pela primeira vez, por que uma escola de dança do ventre tão renomada quanto era a da Jasmin, não oferecia aulas de tribal. 

Descobri por acaso, em conversas de corredor, que a palavra Tribal era proibida por ali. Que como não era dança do ventre, não era ensinada na escola. E ponto. Ao mesmo tempo, nas aulas de ATS, à medida que fui me familiarizando com o repertório, pude reconhecer a similaridade de alguns movimentos com aqueles que eu já conhecia da dança do ventre. Mas a grande maioria dos combos e sequências que faziam parte do repertório do grupo eram influenciados por outras danças, poucas delas folclóricas ou clássicas. Havia um distanciamento intencional da dança do ventre e as influências mais modernas eram estimuladas. Nada era proibido.

O repertório do grupo era vivo. Apesar de existir uma base comum de movimentos de ATS (V.1, V.3 e V.4 FCBD®), que todos aprendíamos no nível básico, novos combos eram criados com frequência pelo grupo principal. Isso não afetava a identidade do grupo enquanto ATS. Criar novos combos e ter identidade própria -ou seja - não passar a vida imitando o Fat Chance era ok. Na verdade, após a formação, a relação das professoras com a Carolena era a de colegas distantes, que tinham total liberdade de espalhar o ATS da melhor forma que pudessem, sem grandes restrições. No Midwest, que é a região central dos Estados Unidos, Stephanie foi responsável por ensinar a grande parte das bailarinas o ATS. Mas essas bailarinas aprendiam tanto aquele repertório básico de ATS (que era bem pequeno) quanto os combos originais do grupo Read My Hips. O interessante dessa época é que era possível identificar numa apresentação de um grupo, pelo repertório e figurino, a sua genealogia: com quem as bailarinas haviam estudado, quais as influências externas que adicionaram tempero para seus combos. A influência da dança do ventre, nessa época, era restrita àquela que havia sido imbuída nos movimentos básicos originais do FCBD®. Já a presença dos gestos e posturas do  flamenco é muito mais evidente, principalmente no vocabulário lento: carregado de movimentos aparentemente simples, mas intensos, fortes. A postura, a presença e o domínio do palco pelo grupo se mostra pela sincronia e execução cuidadosa de cada movimento. Muito pouco da dança do ventre tradicional aparece ali.

Em meados de final de 2004, houve uma cisão completa no grupo Read My Hips quando, sem conseguirem entrar em acordo, 5 das bailarinas do grupo principal se desligaram do grupo. Como diretora, Stephanie queria mudanças, incorporar novas técnicas de movimentos e novos membros para o grupo principal. As bailarinas do grupo de estudantes, The Outskirts, que já estavam juntas há mais de dois anos, passaram a integrar o grupo principal. Um novo grupo de estudantes surgiu, The Blue Cat Tribe, do qual passei a fazer parte. Com a saída das integrantes antigas, iniciou uma época de grandes mudanças no Read My Hips.


Em Chicago, o pessoal do Tribal era bem disperso - acho que na dança do ventre também, mas como não vivenciei muito fora da sala de aula, não posso dizer com certeza. Haviam poucos grupos de ATS além do Read My Hips (RMH), que dominava a cena, e era o de maior renome. O grupo era contratado para apresentações pagas em diversos eventos, além de algumas participações sem cachê em eventos comunitários. Mas poucos destes eventos não pagos eram de dança do ventre, e os que participei com o grupo foram fora de Chicago. 

Em 2003, quando iniciou a turnê do show do Bellydance Superstars (BDSS) eu pouco tinha ouvido falar sobre tribal fusion. Importante lembrar que as tecnologias e as facilidades de comunicação que experienciamos hoje era outra, principalmente para qualquer movimento artístico underground. A maioria das pessoas não tinha celular, não participava de redes sociais e não tinha blogs (eu tive um nokia 9120 no Brasil em 1997, mas durante todo o período que morei nos estados unidos,de 2001 a 2006, só tive dois amigos que tinham celular). Eu tinha uma página no myspace, sem amigos e sem seguidores; e somente em 2005 entrei na tribe.net. Então para ficar sabendo de notícias do mundo ATS ou tribal só conversando pessoalmente mesmo - ou conversando com gente que conhecia alguém que morava na costa oeste. 

Meu círculo começou a falar sobre o assunto das meninas de Tribal que faziam parte do Show do BDSS. Sobre a parte de dança do ventre eu só ouvia muitas críticas, devido às bailarinas terem sido escolhidas pela aparência e não pela competência técnica, etc. (dor de cotovelo, talvez?). Só para entender as conversas eu fui atrás para descobrir o que era Tribal Fusion e como isso seria diferente do que eu já estava aprendendo. Consegui com a Stephanie vários vídeos que ela recebia pelo correio da Heather Stants, diretora do Urban Tribal e ex-membro do RMH. Assistindo esses vídeos, pude começar a compreender por que a Stephanie, mesmo mantendo a estrutura de ATS no grupo RMH, se esforçava em trazer diversas influências e técnicas externas para desenvolver novos combos, o que fazia do grupo um híbrido: "ATS Fusion", por assim dizer, mas sem todo o conflito e crise existencial que vivenciamos hoje. E esse processo estava acontecendo com vários grupos de ATS, uma vez que era muito mais fácil conseguir uma instrutora de fusion para dar um workshop fora de San Francisco, do que viajar até San Francisco para ter aula com a Carolena, que nunca saía de lá. ATS puro só quem fazia era o Fat Chance, mas o ATS híbrido ainda assim era aceito como tal.


O que se seguiu nos próximos dois anos foi uma imersão total. Fui convidada para integrar o grupo principal e, num primeiro momento, recusei. Eu estava bem satisfeita participando das aulas e das pequenas performances do Blue Cat Tribe; a ideia de dançar profissionalmente me parecia muito além da minha capacidade como bailarina. Mas justamente o desafio de ultrapassar meus limites acabou por me estimular a aceitar. 

Sabendo que a minha estadia nos EUA era finita, me dediquei quase que  exclusivamente para a dança, aproveitando tudo o que eu podia. Fiz workshops de várias danças com o objetivo de melhorar minha técnica e contribuir para o desenvolvimento de novos combos para o grupo. Dancei em eventos e lugares fantásticos, nos quais nunca imaginei entrar.

House of Blues




Raquy&RMH - 2005

Mixed Arkadesh

King Tut Opening - Field Museum 2006


Silk Road no hotel Four Seasons

Silkroad Oasis

Karsh Kale

Dancei com música ao vivo espetacular (fotos Brent Roman at old town, Raquy and The Caveman, Karsh Kale), e às vezes nem tanto. Viajei para participar de eventos dedicados ao Tribal Fusion (Fort Launderdale, Portland, e Kansas City). Assisti duas vezes ao show do Bellydance Superstars e uma ao Yarddogs Roadshow com Zoe Jakes. Fiz workshops com grandes nomes do tribal (Jill Parker, Rachel Brice, Heather Stanz, Sharon Kihara, Kami Liddle). Passei por perrengues no palco (snujs e apliques de cabelo voadores, quedas,milhares de erros) e muita farra nos bastidores.

Em 2006, já se aproximando a data do meu retorno ao Brasil, participei da apresentação do grupo no Spirit of Tribes, na Flórida. 

Em 2005, sabendo que eu retornaria ao Brasil no ano seguinte, comecei a fazer planos para a volta. Comecei a trabalhar na minha área profissional, e ao mesmo tempo comecei a pesquisar sobre o Tribal no Brasil, para descobrir se eu conseguiria continuar fazendo aulas e dançando quando eu voltasse.

Head My Hips - Spirit of Tribes (2006)

Na época, o site do Read My Hips tinha uma das listas de links mais compreensivas sobre tribal, nos Estados Unidos e fora. Para o Brasil havia apenas uma referência, que era a Shaide Halim, de São Paulo. Num vídeo que assisti, ficou bem evidente que o trabalho dela era muito diferente do ATS que eu estava fazendo, começando pelo fato de que era coreografia e não improvisação coordenada. Com essa perspectiva, aos poucos fui me dando conta de que se eu quisesse continuar dançando, eu mesma teria que dar aulas quando voltasse. Mesmo que em outros estados já houvesse gente dançando e estudando tribal fusion, eu deduzi, baseada na experiência do Midwest, que tudo devia ser baseado nos vídeos de tribal fusion da Rachel Brice e do BellyDance Superstars; e que no Rio Grande do Sul não tinha nada. Após duas turnês do BDSS, quase todo o estúdio de dança do ventre tinha alguém dando aula de "Tribal", que nada mais era que dança do ventre com choli de meia arrastão e dreadlock de lã. A Stephanie então me deu diversas orientações e oportunidades para aprender a ensinar ATS. Mas mesmo assim, eu não estava nem de longe preparada para a realidade que encontrei quando voltei ao Brasil.

Acho que deixei bem claro desde o começo desta narrativa, que eu sempre dancei por mim mesma. Eu nunca tive o objetivo de me profissionalizar como bailarina, nem de mudar de carreira. A dança não é minha vida. Se eu me tornei "professora" foi de forma acidental e relutante. Eu amo ser aluna. Sabe aquelas pessoas que não gostam de liderar no ATS? Sou uma delas. Adoro a vida de seguidora. Na minha mente, eu chegaria em Porto Alegre, começaria a dar aulas, montaria um grupo e pronto, reviveria todos os bons momentos dos meus tempos de RMH. Bem fora da realidade essas minhas expectativas.

Ingressos para o show do Bellydance Superstars (2006)



Em 2006 me inscrevi no orkut, pois sabia que era muito mais popular com o brasileiros do que o myspace, tribe e facebook. Tinha lá diversas comunidades discutindo Tribal. Já fiquei feliz, pois isso significava que existia Tribal no Brasil. Entrei nas comunidades, mas não me manifestei nas discussões, pois não curto. E também eu estava completamente por fora da realidade das brasileiras, então não tinha cabimento ficar dando pitaco. Mas lembro que fiz contato com uma menina de Santos, que também disse ser difícil encontrar gente para dançar, e informações mais aprofundadas sobre a dança na internet. Era a Mariana Quadros.

No Orkut, descobri um evento que estava programado para outubro em Porto Alegre. O primeiro encontro Tribos do Sul, com workshop de dança tribal com Shaide Halim. Fiquei empolgadíssima e me inscrevi para participar, pois seria minha oportunidade de apresentar meu trabalho, me integrar com todo o pessoal de tribal da minha cidade e fazer contatos e vivermos felizes para sempre. Hehehe, que inocente.


Tive muitas gafes, mas acho que a pior delas foi a de não me dar conta de que eu estaria adentrando um mundo do qual eu não sabia absolutamente nada: não só a cena artística no Rio Grande do Sul, mas a cena da Dança do Ventre. E no RS, assim como na maioria dos estados, o Tribal saiu direto da comunidade da dança do ventre. Muito diferente da minha experiência nos EUA. Infelizmente, para essa incipiente comunidadeTribal migraram não só as bailarinas que se identificavam com a estética do tribal (pois sejamos francas, nesse período só tinha como adotar a estética, pois a técnica era impossível) , mas todas as mazelas, antipatias e facções que fazem parte da comunidade da Dança do Ventre.

Minha participação nesse evento foi ótima, principalmente os contatos durante o workshop da Shaide, que antecedeu o show. Eu aprendi muita coisa, pois era um workshop com técnicas de flamenco e uma coreografia de dança indiana, o que eu sempre gostei de misturar com o ATS que eu conhecia. Inúmeras das bailarinas que participaram do workshop tinham técnica excelente, e pegavam os movimentos muito melhor que eu. Mas no show de encerramento me decepcionei muito: foi a primeira vez que eu dancei um solo sem estar com o Read My Hips ao meu lado, então eu estava muito nervosa. E mesmo assim, sem falsa modéstia, a minha foi a única apresentação Tribal que aconteceu naquela noite.  Muitas tentativas de fusão de dança do ventre, algumas ótimas, outras nem tanto. Mas de Tribal não tinha nada, nem mesmo a roupa. Nos bastidores várias pessoas já ficaram pasmas com a minha roupa, depois da apresentação ficou um silêncio antes das palmas, e muita gente veio falar comigo depois. Consegui um lugar para dar aulas ali mesmo. Mas por outro lado, a minha presença expôs claramente o que era Tribal e o que era dança do ventre. E nem todo mundo ficou feliz com isso.


Dali para a frente eu não parei de dar aulas, mas pouco consegui me integrar com as outras bailarinas da região. No primeiro ano não fui convidada a participar de nenhum evento, nem para ministrar workshops. No início várias alunas que me assistiram dançar vieram fazer aula comigo, mas rapidamente desapareceram. Demorei para me dar conta de que por demanda do público algumas escolas de DV já ofereciam aulas de "Tribal", mas como eu não estava vinculada a nenhuma delas, as alunas não podiam fazer aula comigo. E como eu não participava de nenhum evento, permanecia na obscuridade. O que francamente, não fazia muita diferença pra mim, pois o que eu queria mesmo era dançar e montar um grupo. Aquariana que sou, queria desbravar novos mundos, e trazer gente que não era da dança do ventre para fazer Tribal. 

Através de amigas em comum, conheci a Muna Zaki, diretora da Escola de Dança do Ventre Harem, e produtora da Feira Harem de Dança do Ventre. Dei aulas na Harem, e me apresentei em vários eventos promovidos pela escola. Em 2008, participei da organização do evento que trouxe a bailarina Ansuya ao Brasil. Foi um grande espetáculo. 


A paixão da Muna pela Dança do Ventre é tão grande que até me contagiou um pouco, e eu perdi o ranço com a Dança do Ventre. Em 2008, participei do primeiro Introspetáculo, promovido pela Bruna Gomes. Essas duas pessoas, longe ou perto, são minhas parceiras até hoje.

Durante esse período (2006-2009), que eu chamo de minha 2º fase, o repertório que eu ensinei foi totalmente ATS Read My Hips. Eu sabia que o repertório era em sua maioria único, mas jamais questionei o fato de ser ATS ou não. Apesar de eu manter a estrutura de aula padrão da Stephanie (aquecimento, improv-lento, técnica, improv-rápido, técnica) eu adotava diversas técnicas de tribal fusion, para ensinar movimentos, postura e musicalidade. Mas a improvisação coordenada e a dança em grupo eram o foco.


Triste dizer então que durante todo esse período eu nunca mais dancei em grupo. A coisa que eu menos queria era dançar solo, e era justamente o que eu tinha que fazer. Isso criava uma expectativa errada nas pessoas que me assistiam. Eu dançava sozinha por falta de opção, na esperaça de inspirar alunas para conseguir ensinar os combos para dançarmos em grupo. E as pessoas que me viam dançar na sua maioria queriam aprender a técnica para dançar solos ou aprender coreografias. Um paradoxo que eu não consegui resolver.

Em 2009 eu fui para São Paulo para participar do evento Tribal y Fusion, promovido pela Bele Fusco. Foi incrível. Conheci pessoalmente muita gente com quem eu só tinha falado pelo orkut, vi como o Tribal tinha se desenvolvido pelo Brasil afora, ainda que não fosse nada daquilo que eu tinha experimentado com o Read My Hips.

Bárbara Kale e Mariana Quadros no Tribal Y Fusion , em 2009.



Flyers, cartões e postais adquiridos no Tribal y Fusion (2009)


ATS ainda era só uma sigla jogada nas conversas, mas ainda sem qualquer representação. Tribal Fusion em todas as suas vertentes, parecia ser o único investimento. Pessoalmente eu só sabia que eu estava cansada de dançar solo. Na época eu já estava grávida de 3 meses, estava me mudando de Porto Alegre para o interior do estado e não tinha mais energia para recomeçar. E sem stress, eu terminei o ano "letivo", me despedi de minhas alunas e fiquei os próximos 4 anos sem dançar.

Esse ano de quarentena, que certamente não foi fácil para ninguém, me lembrou um pouco meu hiato da dança. Da mesma forma que eu não me arrependo de ter parado de dançar antes, também estou em paz comigo mesma por não ter dançado quase nada em 2020. Mais tranquila ainda talvez, pois sei que posso voltar quando eu quiser.

Formação em ATS com Carolena Nericcion e Megha Gavin no Festival Campo das Tribos, e 2015.


Em 2014, meio que por acaso, uma amiga de Porto Alegre, professora de dança do Ventre, se mudou para Santa Maria, onde eu estava morando. Ela, muito empreendedora, já me convidou para dar aulas, participar do show que estava promovendo e tal. Eu, me sentindo super bem na minha aposentadoria, dei um monte de desculpas, mas fui assistir ao show. E ali, sentada na platéia, eu senti uma vontade de voltar. Comecei a reativar minhas contas, fazer pesquisas na internet e me deparei com uma outra realidade. ATS bombando, milhares de grupos, escolas exclusivamente dedicadas ao tribal e tudo mais. E ainda mais que isso Carolena Nericcio viria ao Brasil ministrar uma formação em ATS. Que fantástico! Que motivador. Entrei numa lista de espera, e em cima da hora consegui uma vaga para participar.

A participação na formação em 2015 daria um outro texto, mas o mais marcante pra mim foi a experiência de finalmente, depois de nove anos, poder dançar ATS em grupo. Se eu for bem sincera, vou dizer que a melhor parte de participar do Festival Campo das Tribos (atual Congresso Tribal) é ficar dançando em grupo com um monte de gente diferente.

Minha 3ª fase de vida na dança começou após a formação.  Foi um recomeço, com mais experiência de vida e sem expectativas ingênuas. Retomei meus contatos, criei novos e consegui, graças a colaboração e apoio de muitas pessoas, criar até um grupo de ATS com minhas alunas, o Trelissa.

Pós quarentena não sei muito bem o que vai acontecer. Não quero me aposentar ainda, mas tampouco sinto uma grande pressão para dar aulas e produzir conteúdo. Como boa bibliotecária, sou excelente disponibilizadora de conteúdos de terceiros, e indico todas essas professoras ótimas que se mobilizaram na quarentena para minhas alunas não se sentirem abandonadas por mim. 

Mas eu não danço a distância. O que me conquistou no ATS foi a interação em grupo. Sem isso, a dança pra mim não tem muito sentido, então eu aguardo ansiosamente o retorno das atividades presenciais para encerrar meu período de hibernação.




______________________________________________________________________________

Entrando na Roda

Natália Espinosa (Campinas-SP) é dançarina e professora de Estilo Tribal de Dança do Ventre e ATS®.Tornou-se Sister Studio FCBD® em 2013 e está cursando o programa The 8 Elements™ de Rachel Brice. Natália orienta o Amora ATS ® e participa do TiNTí, grupo profissional de ATS® composto por sua professora Mariana Quadros e por Anna Pereira. Sua grande paixão é ensinar e seu palco é a sala de aula.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...