[Entrando na Roda] Pioneira da Roda: Isabel De Lorenzo

por Natália Espinosa


Vivo em Roma há mais de vinte anos e me defino uma artista da Dança. Meu trabalho cotidiano é multifacetado: sou, principalmente, professora de FCBD®️Style e dirijo uma escola de danças do mundo, a San Lo’, situada no coração de Roma. A escola vai completar vinte anos em 2023, mas na verdade, desde março de 2020 está fechada devido às restrições que a Itália vem sofrendo com a pandemia do coronavírus, o que nos obrigou a migrar quase inteiramente para o setor online. Também organizo o Roma Tribal Meeting, festival que reúne anualmente artistas do mundo todo em torno da ideia de comunidade nas danças “estilo tribal”. Sou membro do Dance Sisters Collective, que tem trabalhado desde 2013 com o FCBD®Style aplicado a sofisticados projetos de performance, à distância e em presença. Dou aula em inúmeros eventos e festivais pelo mundo afora. Apaixonada pelo teatro-dança, já colaborei com algumas companhias de dança contemporânea como atriz e dançarina, muito aprendi com essas experiências e acabei criando e produzindo meus próprios espetáculos teatrais, Al-muallaqat | Le sospese (2007), Frida Suite (2012) e Bambola (2018).


"A coluna quebrada" - Frida Suite | Foto: Fabrizio Caperchi (2012)


Poster Frida Suite (2012)

Violet Scrap em Bambola, um espetaculo de Isabel De Lorenzo | Foto: Donatella Francati (2018)



Poster Bambola (2018)




Danço desde os oito anos, quando minha mãe me matriculou no balé, em Araraquara, SP. Não me achava talentosa para a dança apesar de desejar continuar, e lutei com essa contradição durante anos, até parar com a dança clássica e moderna quando entrei para a Faculdade de Letras na USP. Trago dessa primeira etapa na dança bons ensinamentos sobre o uso do corpo, espírito de grupo e gosto pela cultura artística em geral.


Meu primeiro encontro com a dança oriental aconteceu em São Paulo em 1987. Nesse ano, junto com minha amiga Yasmin Nammu, tomei aulas com a Márcia Nogueira, uma das professoras mais alternativas da cena paulistana na época. Eu tinha curiosidade tanto pela dança árabe quanto pelo flamenco e pela dança indiana, mas faltou perseverança e acabei voltando ao mero estudo das Letras. Mas minha amiga prosseguiu e, alguns anos depois, eu me tornei uma de suas primeiras alunas; desde então frequentei o estúdio Yasmin Nammu por anos a fio, com grande paixão pelo estudo da dança do ventre. Minhas primeiras apresentações, muito tímidas, se deram nesse período, entre 1991 e 1997 quando me mudei para Roma, capital da Itália. 


Teatro Municipal de Araraquara (1980)


Bellydancing - Roma (1997)

O que havia de mais interessante na cena romana era o estilo egípcio autêntico, com professores do naipe de Saad Ismail - um dos herdeiros do mestre Mahmoud Reda. Não era o meu estilo preferido, mas era “consistente”; então me matriculei num curso com Saad que me ajudou a fazer contatos e encontrar meus primeiros trabalhos como professora e dançarina. Passei muitos anos “bellydançando” na noite arabe-romana, mas ao mesmo tempo meu gosto pessoal foi migrando definitivamente para o estilo tribal. E assim se passaram mais de dez anos de muito estudo, tanto no estilo oriental como no tribal. Eventualmente era possível participar de workshops; mas na maioria das vezes o estudo era através de vídeos. Com o tempo, a dificuldade de se encontrar vídeos didáticos foi amenizando... acredito ter vivido em cheio a passagem entre os anos 80 em SP - quando encontrar um vídeo didático (da Salimpour por exemplo) era ouro! - e os anos 2000, que trouxeram a internet em casa e com ela um acesso mais democrático ao estudo da dança. 


Reda Style: Saad Ismail Dance Company,  Roma (1999)


Encontrei Carolena Nericcio e Megha Gavin pela primeira vez em Milão em 2005 e 2006. Elas viajavam dando cursos na Europa, mas o público ainda era naquela época bem restrito. As Bellydance Superstars também passaram pela Itália e tive oportunidade de participar de diversos workshops (aliás, até co-organizei um ramo da tournée de workshops com elas, em 2007).  Tudo isso culminou com a minha ida para San Francisco em 2010, numa viagem extraordinária junto com minha então aluna e depois parceira Silvia Grassi. Dali em diante eu resolvi me dedicar somente ao ATS® . Nossa turma de General Skills e Teacher Training era razoavelmente pequena, fizemos amizades e trocas importantes. Todo mundo que fez este percurso de alguma maneira sabe o quanto é transformador. E assim foi comigo. Logo pedi para ser Sister Studio de FatChanceBellyDance®  e tenho honrado, espero, este papel. Recentemente passamos a assinar Partner Studio, em apoio às mudanças que estão pedindo para acontecer na sociedade e que atravessam certas nomenclaturas. Nossa troupe, Carovana Tribale, foi fundada em 2003, teve várias formações e hoje em dia é antes de mais nada um container para quem quiser dançar conosco: todas as alunas são bem vindas, assim como as colegas, sem vínculos de nenhum tipo. Temos consciência de que a troupe tem um nome “antiquado”, que traz em si tanto a ilusão orientalista na palavra “caravana” quanto o controverso atributo “tribal” - e talvez, quando chegar a justa inspiração, iremos mudá-lo. Tem sido difícil para todo o mundo, artistas em particular, tomar decisões para o futuro; assim temos tentado, durante esta pandemia, manter o corpo são e a calma mental, dando espaço à pura dança como prioridade nossa de cada dia.


FCBD Studio - San Francisco (2010)

Carovana Tribale (2007)

Carovana Tribale (2016)

Com alunas de Carovana Tribale | Foto: Roberto Radimir (2018)


Minhas relações dançantes com o Brasil não foram muito intensas nestes mais de vinte anos, mas foram constantes e houve alguns episódios memoráveis. Em 2010 fiz uma viagem mochileira com minha amiga Geneva Bybee (dançarina americana que tinha sido pioneira da Tribal Fusion na Europa). O evento itinerante se chamava Tribal Tour e nosso objetivo era criar redes e lançar as bases para uma comunidade estilo tribal no Brasil. Fomos para Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo. Além de ter sido extremamente rica como experiência pessoal, esta tournée alcançou em grande parte seus objetivos: a rede de contatos, de amizade e de estudo permanece viva até hoje e com certeza deixamos bons sinais, especialmente no Rio e na Bahia. De toda maneira, eu vou ao Brasil praticamente todo ano e tenho alunas na minha região (Araraquara, interior de SP), podendo citar a Mariana Esther que atualmente é uma excelente bailarina, estudiosa e professora de FCBD®  Style. No Rio, Nadja el Balady e Aline Muhana me receberam muitas vezes para workshops e eventos; o mesmo na Bahia com a Bela Saffe e sua maravilhosa comunidade. Também houve bailarinas brasileiras que vieram a Roma, conheceram minha escola e até participaram do Roma Tribal Meeting como a Dayeah Khalil, a Bela Saffe, a Joline Andrade e outras. Tenho muitas amigas na cena da dança brasileira e espero que seja em breve possível revê-las, conhecer novas pessoas e continuar espalhando a semente da dança por aí afora.


Tribal Tour com Geneva Bybee, Brasil (2010)


Um aspecto muito gratificante do meu envolvimento com o FCBD®Style passa através do Dance Sisters Collective. Este coletivo europeu (com Philippa Moirai, de origem Sul Africana vivendo no Reino Unido, Gudrun Herold da fronteira Alemanha/França e Silvia Grassi da Itália) nos levou a trabalhar efetivamente com o conceito criado por Carolena Nericcio, de que a linguagem compartilhada do FCBD®Style possa se avantajar sobre a multiplicidade de outras linguagens da comunicação humana. Cada bailarina do coletivo tem seu próprio idioma materno, moramos em países diversos, temos bagagens culturais bem variadas e mesmo assim trabalhamos juntas desde 2013, utilizando videoconferências e outras técnicas de comunicação remota que só agora, em tempos de pandemia, se tornaram mais comuns. A dança acima de tudo.


Dance Sisters Collective | Foto: Federico Ugolini (2014)


Dance Sisters Collective | ATS Homecoming, San Francisco, 2017


Enfim, vou tentando me manter como profissional da dança aos 53 anos de idade. Minha jornada se divide entre tudo isso: o ensino, ao qual me dedico com grande amor, a convivência com minhas alunas, assim como a preparação dos meus cursos e workshops são sempre momentos muito importantes. A gestão da escola, a San Lo’, também requer muita energia, começando com a constante troca de informações com nossa equipe de professores, colaboradores e alunos, até a divulgação - eu mesma faço os sites, o material gráfico, os vídeos e a organização geral de todos os eventos, enquanto minha sócia Lara Rocchetti se ocupa mais da administração. A projetação, organização, produção de cada evento, como por exemplo o Meeting, ou o festival de fim de ano da escola, um open day de início dos cursos ou um evento de danças de fusão como o La Divina Commedia Project® que estou preparando para o segundo semestre de 2021 - tudo isso requer apenas um cérebro e centenas de horas sentada em frente ao computador. Quando o corpo padece, pilates e bicicleta são meus antídotos. Música, teatro, literatura, filosofia, cinema nutrem o pensamento e a vida. Meu desejo maior para o futuro é o de permanecer no campo artístico, poder - quem sabe - escrever, dirigir mais espetáculos, viajar e novamente abraçar todo o mundo.


Em casa durante a pandemia



Para conhecer mais sobre o trabalho de Isabel DeLorenzo, acesse:

| Contato | | Entrevista no Blog |


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Entrando na Roda

Natália Espinosa (Campinas-SP) é dançarina e professora de Estilo Tribal de Dança do Ventre e ATS®.Tornou-se Sister Studio FCBD® em 2013 e está cursando o programa The 8 Elements™ de Rachel Brice. Natália orienta o Amora ATS ® e participa do TiNTí, grupo profissional de ATS® composto por sua professora Mariana Quadros e por Anna Pereira. Sua grande paixão é ensinar e seu palco é a sala de aula.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

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