por Karina Leiro
Após falar sobre as origens do flamenco gostaria de
começar a falar sobre a minha experiência com as fusões, propondo uma
análise do filme Salomé de Carlos Saura, lançado em
2002. Assisti a esse filme em 2008 e ele me despertou para a questão da
mestiçagem que acabou me levando ao interesse pelas fusões na dança.
Um
diálogo entre o passado e o presente permeia todo o filme. O flamenco é relido
de forma contemporânea e esse processo se dá, através de referências a culturas
que influenciaram suas próprias origens; elementos árabes, indianos, peças
religiosas ocidentais. Salomé conta a história do mito bíblico da enteada de
Herodes o tetrarca da Galiléia que, incitada pela mãe, pede ao padrasto em
troca de sua dança, a cabeça do pregador João Batista. Na história de Saura, no
entanto, o pedido de Salomé tem menos a ver com a influencia da mãe do que com
a sua própria frustração. A Salomé de Saura é apaixonada por João Batista e é
rejeitada por ele numa dança em que tenta seduzi-Io.
O
filme mistura aquele flamenco considerado mais “tradicional” e o
clássico
espanhol, com outras influências, como os movimentos de dança clássica,
moderna
e dança do ventre. A indumentária da dança dos sete véus é uma releitura
da dança original árabe. Salomé dança com sete vestidos sobrepostos
e agrega na sua dança as influências das diversas técnicas já citadas,
ao mesmo
tempo em que inova o próprio flamenco. Nesse ponto, nota-se a
permissividade, a
liberdade artística característica da arte pós-moderna, também presente
no
ecletismo da trilha sonora, que reinterpreta o flamenco confrontando-o
com
algumas de suas origens mais antigas: há músicas inspiradas em fontes
árabes,
em peças religiosas ocidentais como as obras de Bach ou Heandel,
misturadas com
instrumentos de vento e percussões indianas, proporcionando um diálogo
inesperado
com o flamenco. Quem espera ver no filme apenas o flamenco tal como é
conhecido
tradicionalmente, é logo tomado de estranheza, pois, mesmo nos momentos
em que
o flamenco é dançado, os movimentos são frequentemente redefinidos, há a
presença de ações múltiplas intercalando com as formas mais tradicionais
de
coreografia; o figurino evoca imagens de vestimentas orientais, por
vezes há
uma relação não literal com a música e há mescla com movimentos de
outras
técnicas de dança. Tudo isso leva o espectador ao questionamento: Isso é
mesmo
flamenco?