[Dançando Narrativas] Desenvolvimento de personagens para a dança: Mitologia e pesquisa

 por Keila Fernandes

Gina Lollobrigida como a Rainha de Sabá (1959).

A interpretação de personagens, especialmente as mitológicas, em coreografias é muito comum entre quem dança Tribal Fusion. No entanto, ainda vemos muitas representações equivocadas, rasas e caricatas.

Tais representações acabam ocorrendo por falta de um estudo mais aprofundado sobre o objeto a ser trabalhado, ou até mesmo como resultado do olhar ocidental sobre a cultura e a história de outras civilizações.

Por isso é importante conhecer os bem os aspectos com os quais queremos trabalhar em nossa dança.

E o que é importante saber antes de dançar um personagem?

A primeira coisa que temos de ter em mente é: Mitologia não é fantasia, nem sinônimo de mentira.

Mito é uma palavra grega que significa narrar, contar uma história para alguém que reconhece no contador autoridade sobre o assunto.

Essas histórias são narrativas sagradas usadas para explicar a realidade: a natureza, as instituições, costumes sociais, origem da vida e outras características do mundo humano.

E a mitologia é o conjunto e o estudo desses mitos. 

Os mitos foram e são partes importantes na formação de muitas civilizações, pois eles carregam muito mais que relatos fantásticos, eles carregam a história, a cultura e a identidade de um povo. 

O que chamamos de mito, constituiu (e constitui) a realidade para diversas culturas. Permeando seu cotidiano, e integrando outras esferas da vida.

Para os povos originários brasileiros e os praticantes de religiões de matriz africana, por exemplo, o mito integra suas realidades, não apenas na esfera espiritual, mas também como parte de sua identidade e de sua história.

 

Monni Ferreira como Exu. Coreografia: "O Guardião", apresentada no Underworld Fusion Fest (2018)

Outra coisa importante é ter sempre em mente que deuses e outros personagens mitológicos são representações de forças da natureza e características humanas, por isso são diversos e não devemos generalizá-los ou tentar encaixá-los nas nossas expectativas. É necessário conhecer tais aspectos e escolher quais serão representados na dança a fim de evitar caracterizações rasas e caricatas, pois isso esvazia e desvaloriza a dança.

As características escolhidas não devem ficar apenas na parte visual da apresentação. E quando usadas no figurino e maquiagem, devemos ter cuidado e compreender cada símbolo, e não utilizá-los de maneira aleatória.

Para uma coreografia não se tornar caricata é importante trazer o que se quer mostrar também para os movimentos, afinal, estamos falando de dança. A personagem deve se comunicar por meio da movimentação, da expressividade. E para isso é preciso também escolher uma música coerente com os aspectos da figura a ser interpretada. Então, atenção à letra e aos elementos presentes na música.

Tudo isso é importante para que sua dança seja capaz de contar uma história e interagir com o público. E para isso acontecer,  é necessário pesquisar de verdade. E pesquisar não é só procurar uma palavra chave no Google, ou ver vídeos no YouTube. Estamos falando de uma pesquisa mesmo, na qual se tem contato com materiais diversos, além do audiovisual. É buscar referências em artigos de especialistas no assunto, perguntar para pessoas que conhecem e entendem daquilo, ver documentários e filmes, ler livros, ouvir músicas. Enfim, buscar todo material necessário para te dar bases seguras de onde você pode começar a criar.

 

Ethel Anima interpretando um gárgula. International Tribal Festival "Neverending Story 2.0 - 2018

Trabalhar com mitologia pode não parecer, mas é complexo. E não deve ser diferente, pois estamos falando de outras culturas, outras maneiras de se ver o mundo. Isso nunca deve ser tratado de maneira leviana.

Sendo assim, o respeito, o bom senso e a pesquisa devem  ser as principais ferramentas para a construção de uma coreografia coerente e ética.


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Dançando Narrativas


Keila Fernandes (Curitiba-PR) é escritora, professora de história e  historiadora, especialista na área de Religiões e Religiosidades e História Antiga e Medieval. É aluna da bailarina e professora Aerith Asgard e co-diretora do Asgard Tribal Co. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 
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