[Campo em Cena] A produção de eventos no Tribal: O poder sobre os meios de produção de capital intelectual.

 por Thaisa Martins



Nesta coluna, refletimos aspectos do campo da Dança tendo a teoria de campos do pesquisador francês Pierre Bourdieu como principal suporte teórico. No artigo de hoje, seguiremos a trilha que estamos construindo para pensar a importância dos eventos para a consolidação do campo da Dança, analisando especificamente a cena brasileira do Tribal. 


Bourdieu (2003) nos aponta que dentro do campo científico (aqui estamos interpretando o termo científico de forma mais alargada, associando ao lugar de campo de produção de conhecimento), há duas principais formas de poder: o poder político e o poder sobre os meios de produção. A essas formas de poder, Bourdieu associa dois tipos de capital intelectual específicos de produção. O primeiro é o capital “puro” que são os resultados diretos das pesquisas, sejam os artigos, os livros, e acrescentamos aqui as obras coreográficas, os video-danças, as performances e etc, tudo aquilo que tem a possibilidade de conceder um prestígio por meios de créditos simbólicos. O segundo tipo é o capital da instituição, que são acumulados com o tempo e que se inserem em estratégias políticas específica, temos aqui a participação em bancas de mestrado e doutorado, cerimônias, reuniões e acrescentamos, apresentação de trabalhos em eventos, palestras como convidado em eventos, ministrar aulas em eventos.


Assim, os eventos têm um papel diretamente conectados à produção de capital da instituição, onde eles administram o poder sobre os meios de produção, ou seja, eles acabam por legitimar quem são os profissionais (ou agentes no jargão Bourdieusiano) que tem espaço e concedem prestígio e reconhecimento para os mesmos. Fomos muito longe? Calma que agora vem os exemplos que esperamos desanuviar nossas idéias.


O que estamos apontando aqui é que os eventos são importantes influenciadores e viabilizadores de desenvolvimento para o fazer da Dança. Quando analisamos a cena do Tribal no Brasil, podemos identificar algumas das marcas que os eventos nos proporcionaram. O evento Tribal y Fusion, produzido por Adriana Bele Fusco (SP) em  2009, foi um dos primeiros eventos a trazer estrelas internacionais do Tribal Fusion para o Brasil, nomes como Sharon Kihara (USA), Mardi Love (USA) e Ariellah (USA) fizeram parte da equipe de professoras e dançarinas do show de gala. Aqui, as brasileiras que só tinham acesso limitado à informação, geralmente através de DVDs de aula com umas 2h de duração, estavam frente a frente com as profissionais para tirar suas dúvidas e receber feedbacks.

Em 2014 no Shaman’s Fest, organizado pela Shaman Tribal Co na coordenação de Cibelle Souza (RN) e Paula Braz (SP), tivemos pela primeira vez no Brasil (e única vez até a data de publicação deste artigo) a dançarina Rachel Brice (USA) para ministrar um Curso Profissional e workshops. A vinda da principal dançarina de Tribal Fusion do mundo ao país impactou imensamente na produção coreográfica.


Em 2015, no Festival Campos das Tribos organizado por Rebeca Piñeiro (SP), tivemos o que consideramos um dos maiores impactos para a profissionalização latino americana do então ATS® (American Tribal Style), com a realização do curso de formação ministrado pela própria criadora do estilo. Segundo informações do site do evento, foram mais de 50 profissionais que adquiriram o certificado que, antes deste momento, só seria possível ser realizado nos EUA. De lá para cá, muitos eventos marcaram a profissionalização, a produção de conhecimento e de material artístico na cena do Tribal brasileiro, bem como o pensamento curatorial. 


Com a situação pandêmica do COVID-19, a produção de eventos foi diretamente impactada e precisou se reinventar. Em 2020, o Simpósio Práksis coordenado por Lailah Garbero (MG), marcou a produção dentro da cena Tribal ao propor um evento com palestras totalmente teóricas. A procura de mais de 100 inscritas evidenciou que há muito espaço para discussões e proposições críticas dentro da produção de eventos na cena Tribal.


Em relação ao pensamento curatorial, temos eventos com um direcionamento mais regional integrando a cena. O Ankaa Fest organizado pela Ankaa na coordenação de Joline Andrade (BA), Kilma Farias (PB) e Alinne Madelon (CE), o Congresso Mineiro de Tribal organizado por Annamaria Marques (MG) e a Convenção Carioca Tribal organizada por Jessie Ra’idah (RJ) evidenciam o trabalho de profissionais das suas regiões. 


E seguindo um caminho curatorial de descentralização regional, o Fórum Tribal, que também ocorreu em 2020, contou com organização de 13 profissionais brasileiras das mais diversas regiões do país e buscou promover um espaço para debate entre praticantes, produtores e profissionais de todo o país. Aqui não houveram aulas dadas, mas sim conversas e trocas de experiências. 


Desta forma, podemos identificar que os eventos na cena Tribal tem 5 principais pontos de influência: 1) Viabilizam o acesso a profissionais estrangeiras e nacionais; 2) Servem como um espécie de vitrine para professores e dançarinas; 3) Profissionalizam o campo; 4) Geram mercado consumidor; 5) Legimizam produções intelectuais e artísticas.


O problema da construção de público


Acreditamos que o principal problema que a produção de eventos da cena Tribal brasileira enfrenta, nos últimos tempos, é a construção de público consumidor, ou seja, platéia dos eventos. Com o direcionamento das produções voltadas para o ensino de praticantes da modalidade, pouco desenvolvemos na produção de espetáculos em Tribal. Os shows de gala e de mostra artísticas não são o suficiente para construir um público consumidor da arte. Temos ainda a ideia de que o público é um potencial aluno, não um apreciador e essa é uma mentalidade que precisamos mudar.


Vemos que já tenhamos uma cena amadurecida o bastante para começar a propor espetáculos de dança que tenham a modalidade Tribal Fusion como sua linguagem artística. As Shaman Tribal Co. já nos provaram, mais de uma vez, que isso é possível. Os editais de incentivo à arte, editais de ocupação de teatros  e a busca de parceria de financiamento privado são os principais caminhos que o campo da Dança utiliza para concretizar tais projetos. 

A vida forçada no mundo digital também nos abriu para muitas possibilidades de criação, as plataformas de reunião se tornaram os novos palcos dos espetáculos de dança e teatro e, na cena Tribal brasileira, pouquíssimo (ou nada eu diria) foi produzido nessa direção. Temos muito a desenvolver nessas direções nos próximos anos.


Conclusão   


Buscamos neste artigo, refletir sobre a importância da produção de eventos para o campo da Dança, tendo a cena Tribal brasileira como foco investigativo. Apresentamos os conceitos Bourdieusianos de o poder político e o poder sobre os meios de produção, os dois tipos de de capital intelectuais o “puro” e da instituição, sendo esse segundo onde os eventos afetam diretamente.


Trouxemos um pequeno apanhado de eventos que marcaram a cena Tribal brasileira nos aspectos da profissionalização, a produção de conhecimento e de material artístico na cena do Tribal brasileiro, bem como o pensamento curatorial com o intuito de evidenciar a discussão da influência dentro do campo. E finalizamos apontando para o problema da construção de público apreciador da dança Tribal Fusion como o desafio dos próximos anos da produção. Esperamos contribuir, de alguma forma, na autonomia e fortalecimento do nosso campo a partir destas análises.


Vale ressaltar que apresentamos exemplos super pontuais de eventos. Nosso intuito não foi discorrer sobre um apanhado histórico dos eventos da cena, mas apenas exemplificar, através de uma pequena amostra, a importância da produção para o campo da Dança. Temos consciência de que muitas outras produções fizeram parte dessa construção e causaram grandes impactos no fazer artístico. 


Sigamos!    



Referências:

BOURDIEU, P. Os usos sociais da ciência: por uma sociologia clínica do campo

científico. São Paulo: Ed. da UNESP, 2004. 

https://centraldancadoventre.com.br/publicacoes/notcias/42/tribal-y-fusion-e-4-edio-do-encontro-internacional-de-dana-do-ventresp/454 (acessado em 01/08/2021)

https://congressotribalcom.wordpress.com/sobre/campodastribos/ (acessado em 01/08/2021)

http://shamansfest2014.blogspot.com/  (acessado em 01/08/2021)

http://www.tribunadonorte.com.br/noticia/danca-para-a-alma/275877 (acessado em 01/08/2021)



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Campo em Cena


Thaisa Martins (Rio de Janeiro-RJ) é graduada em Teoria da Dança (UFRJ) e mestranda em Arqueologia (UFRJ) onde pesquisa processos de reconstrução de dança na Índia antiga. É sócia do Medusa Tribal Studio, estúdio de dança dedicado ao Tribal Fusion, suas derivações e origens no RJ,  junto com a dançarina e fisioterapeuta Maya Felipe. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

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