[Campo em Cena] Apreciação coreográfica: Analisando suas referências, construindo uma identidade


 por Thaisa Martins

COVEN & Zoe Jakes (EUA) |
Foto por Tori & Yaniv Halfon - The Massive Spectacular

Cada dançarina é única no seu fazer. Por mais que existam passos, músicas, regras, indumentárias e etc que unem a manifestação artística em uma estética, o que cada uma faz com a sua dança é particular e especial. A forma de mover, de ver o mundo, de se expressar através do movimento, enfim, cada pedaço que a constitui enquanto ser humano influenciará diretamente na produção artística. Aprender a apreciar as peculiaridades das dançarinas que te inspiram, pode ser uma ferramenta poderosa para a construção da sua dança. Propomos neste artigo, uma reflexão sobre como e por que desenvolver um trabalho de apreciação coreográfica no Tribal Fusion. 


Estamos chamando de “apreciação coreográfica” a ação de assistir de forma analítica um conjunto de obras coreográficas, com o intuito de investigar pontos que se destacam e que foram fundamentais para a sua experiência estética. Através da análise das obras coreográficas, vai-se construindo um emaranhado de referenciais artísticos que podem servir de pontos de execução e investigações no processo criativo. 


É importante ressaltar que não se trata de um processo analítico que visa copiar/mimetizar/plagiar a obra de uma dançarina, mas sim de uma busca referencial para investigações pessoais. Não compactuamos com a prática, infelizmente ainda comum, de plágio tanto estético quanto intelectual. 


Como utilizar a apreciação coreográfica?

A apreciação coreográfica pode ser direcionada para uma pergunta específica, este tipo de exploração tem como principal fator agregador a compreensão de uma questão que já esteja em andamento no seu trabalho pessoal, as soluções que você encontrará nas obras apreciadas podem ser experimentadas no seu processo de criação.


Exemplo 1: Gostaria de criar uma coreografia que explorasse diferentes pontos espaciais. Quais dançarinas que eu conheço costumam fazer coisas nesse sentido?

Resposta: X e Y.


  • Quais as obras coreográficas das dançarinas X e Y eu mais gostei? 1, 2, 3 e 4.
  • Quais as soluções espaciais que elas adotaram nas obras 1, 2, 3 e 4? Variação de nível e diferentes ângulos na camêra.

    Agora é trazer esses pontos para o seu corpo:
  •  Como você se relaciona com os níveis?
  • Quais partes do corpo você pode variar na sua leitura espacial?
  • Será que não está na hora de buscar dicas de enquadramentos na internet?


Exemplo 2: Quero compreender melhor o que foi o início do Tribal Fusion.


  • Quais foram as principais dançarinas?
  • Qual a diferença entre as coreografias delas?
  • Quais os elementos principais do figurino nas suas apresentações?
  • Como elas se relacionavam com a música?
  • Como os movimentos de Dança do Ventre são usados?
  • Os vídeos são de festivais ou de apresentações menores?
  • As peças eram longas ou curtas?
    Todas essas perguntas são respondidas através de apreciação coreográfica e podem servir de insumo para a criação ou compreensão de uma obra com temática old school (por exemplo).


Essas são algumas das investigações criativas que podem surgir após uma apreciação coreográfica direcionada a uma questão. Note que não se trata de um checklist que será seguido rigorosamente, mas sim de uma ferramenta que se constrói cada vez que é utilizada. Você pode (e deve) retornar nestes mesmos vídeos com outras questões para novas possibilidades de investigação.  


Uma outra potente utilização da apreciação coreográfica é a compreensão do que nos atrai no Tribal Fusion, para então encontrar caminhos de criação que estejam de acordo com a nossa identidade. Por se tratar de uma modalidade de dança que tem uma estética elástica e maleável, muitas coisas são Tribal Fusion e se não sabemos o que realmente gostamos de ver e de fazer, acabamos no “limbo da moda”, seja a estética das “russas alongadas e saradas” , das “old school cheias de kuchi e assuit”, das “experimentais conceituais”, das “Rachels Brices super técnicas”, sejam as Indian Fusion, Rock Fusion, Dark Fusion, Flamenco Fusion, Neo Fusion e etc somos capturadas por um mar de possibilidades e referências.


Neste sentido, preparar diversas playlists no YouTube com os vídeos das dançarinas que você conhece, e até gosta superficialmente, pode ser a solução para os seus problemas. Saber dizer “Eu respeito a dançarina X por tudo que ela representa, mas o trabalho dela não me move como o da dançarina Y” é de grande importância para encontrar por onde você quer construir a sua dança. E essas escolhas não são eternas, em algum momento você pode se (re)encontrar com uma dançarina que passa a te mover. Assim, o processo contínuo de apreciação coreográfica te ajudará a consumir a arte de forma totalmente consciente e te apontará para caminhos criativos afins com o que você se identifica.


Um último ponto que acreditamos ser relevante em relação a apreciação coreográfica é mais direcionado para pessoas que gostam de compreender como a cena está se desenhando e onde os discursos estão convergindo, ou não. Como teórica da dança de formação, essa é uma pergunta que muito me atrai. Saber como as pessoas estão produzindo suas danças, como os grandes festivais estão selecionando as artistas principais e como as influenciadoras estão se posicionando em cena é uma caminho para compreender para onde vamos com a manifestação artística num tempo futuro.


Como exemplo, o evento Tribal Massive que aconteceu em março de 2020 publicou todas as apresentações que anteriormente seriam chamadas de Tribal Fusion Bellydance, como Fusion Bellydance. Esse nome que ainda não circulava aqui no Brasil, nessa época, com tanta força passou a ser amplamente utilizado pelas profissionais alguns meses após a divulgação dos vídeos (por volta de maio/junho). O favorito no país, até então, era Dança do Ventre do Estilo Tribal que acabou sendo abandonado por muitas das profissionais que seguiram, talvez de forma até inconsciente, o nome definido pelo festival meses antes.


Conclusão  



Buscamos no presente artigo apresentar o conceito de apreciação coreográfica como uma importante ferramenta do campo da Dança para a criação e investigação no Tribal Fusion. Apresentamos 3 principais caminhos para utilização: 1) a investigação de uma pergunta no processo de criação; 2) como aprofundamento do conhecimento estético da manifestação e derivações; 3) como fonte de análise de tendências da cena. 


Nosso intuito ao abrir a discussão é de apresentar uma ferramenta que possa auxiliar tanto na qualidade, quanto na profundidade de suas criações, assim como evidenciar o comprometimento ético em relação ao plágio estético e intelectual. A cada dia, fica mais evidente a importância de ferramentas e metodologias no fazer artístico que possam nos embasar de forma criteriosa e ética.   


Sigamos unidas!        



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Campo em Cena


Thaisa Martins (Rio de Janeiro-RJ) é graduada em Teoria da Dança (UFRJ) e mestranda em Arqueologia (UFRJ) onde pesquisa processos de reconstrução de dança na Índia antiga. É sócia do Medusa Tribal Studio, estúdio de dança dedicado ao Tribal Fusion, suas derivações e origens no RJ,  junto com a dançarina e fisioterapeuta Maya Felipe. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 
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