[Que História é Essa?] Perguntando-se as perguntas certas

por Ana Terra de Leon

Quando comecei a escrever para a coluna meses atrás, propus a análise de uma fonte histórica. Hoje vamos finalizar aquela análise, retomando partes do que escrevemos no segundo post, para começar a relacioná-la, nas próximas postagens, com outras fontes e ao texto da coluna passada. 

O documento que eu trouxe no primeiro e segundo posts trata-se de uma fonte escrita. É o discurso que Jamila Salimpour proferiu na 1ª Conferência de Dança Médio-Oriental da Faculdade Orange Coast, na Califórnia, em 1997. O texto fala sobre a trajetória pessoal e profissional de Jamila na dança, contada em primeira pessoa. O excerto que analisamos, fala sobre sua experiência com dança nos restaurantes árabes na década de 1960.

Disponibilizado no site da Escola Salimpour, tocada por Jamila, quando esta era viva, e sua filha, Suhaila.  Originalmente, o documento destinava-se ao público da Conferência, porém, a partir da disponibilização no site da Escola, o documento passa a ter como público alvo praticantes e estudantes de dança do ventre e suas fusões, e pessoas interessadas em compreender a difusão desta manifestação artística no mundo ocidental, notadamente nos EUA.

Este documento pode ser considerado um testemunho, um tipo de escrita de si, afinal a autora constrói um discurso sobre si mesma a partir de sua trajetória. Este tipo de documento é muito interessante para observarmos que tipo de imagem o indivíduo busca construir sobre si mesmo

Jamila apresentando-se em restaurante, acompanhada por músicos árabes. (Fonte: Jamila’s Arcticle Book).

Neste documento a autora descreve o cotidiano das bailarinas de cafés, restaurantes e boates de São Francisco, nos Estados Unidos, durante a década de 1960:

Já que os musicistas eram em sua maioria amadores, e de uma variedade de países árabes, a música se dava ao acaso. Raramente eles sabiam tocar a mesma peça [musical], frequentemente indo para direções distintas, e eles praticavam durante o show. Não se ouvia falar em ensaios. Não havia muitos músicos à disposição, então não podíamos reclamar. Era mais fácil substituir uma bailarina que um músico.

Se hoje em dia o uso de gravações nas apresentações de dança do ventre e Tribal são mais amplamente difundidos, nesta época os shows eram feitos com música ao vivo e que os músicos que executavam essas apresentações não eram profissionais. Podemos nos perguntar se isto representa, de fato, um avanço ou se a tecnologia mascara a precarização do fazer artístico: se antes havia uma preocupação em contratar, além das bailarinas, os músicos para acompanhá-las, atualmente vemos o mercado de dança se enxugando cada vez mais, e mesmo quando há músicos tocando, o número é reduzido - um tecladista faz as vezes de flautista, acordeonista, violinista… Outro aspecto interessante do ponto de vista das dificuldades do trabalho artístico se impõe: parece haver uma escassez de músicos em detrimento de uma quantidade maior de bailarinas, o que, talvez, tenha sido motivo de concorrência e até mesmo de desavenças entre elas, algo que fica implícito na frase “Era mais fácil substituir uma bailarina que um músico”. Com um pouco de imaginação histórica, podemos até mesmo imaginar que uma bailarina que tivesse muitas reivindicações frente aos administradores do estabelecimento pudesse ser dispensada em detrimento de uma “que desse menos problema”.

Voltando a pensar o aspecto da performance, é interessante notar que não parece haver a necessidade de ensaios por parte dos músicos, sendo todos eles membros da comunidade árabe e conhecedores de um repertório comum. Se as músicas não eram ensaiadas, inferimos que as performances de dança também não eram. A prática da coreografia não era comum, exceto em grandes grupos de folclore:

Todas as músicas que dançávamos eram em ritmos de [compasso] 4/4, com waha-da-oh-noz para taqsim. Músicas como Aziza, com pausas e mudanças no ritmo, eram então apenas tocadas entre as apresentações.

Jamila aprendeu seu fazer na dança ao observar outras bailarinas e tomar como referência aquelas que tinham por origem países do Norte da África e parte da Ásia. É interessante notar que o excerto lido refere-se a um local de apresentação muito conhecido no meio bellydancer: os restaurantes árabes. No entanto, o que mais chama atenção na fala de Jamila é sua preocupação com o ensino de dança:

Conforme eu trabalhava e assistia dançarina depois de dançarina, eu tentava descrever para minhas amigas da dança algumas das coisas que eu via e que eram diferentes. Quando Tabora Najim veio dançar na cidade, foi a primeira vez que eu vi uma queda turca e um flutter. Seu trabalho de véu era único e coreografado. Ela terminava cada apresentação com um kashlama. Frequentemente uma dançarina fazia um passo e então trabalhava variações em cima de um tema. Se um movimento era similar ou relacionado a outro de alguma forma, eu os categorizava como uma família. Eu cataloguei mentalmente tanto quanto eu podia lembrar e incluí em meu formato [de dança]”.

É possível afirmar que ela preocupou-se com a estruturação e propagação deste formato entre as amigas companheiras de trabalho e, posteriormente, alunas de sua escola, posto que a preocupação era, justamente, a maneira como ela poderia ensinar estes passos a outras pessoas - haja visto que esses passos vêm de danças cujo fazer se dá sem preocupação com uma estrutura nos moldes das danças acadêmicas, sendo elas expressões populares originalmente espontâneas ou com função de entretenimento e que estavam sendo pouco a pouco estruturadas para os palcos desde o início do século XX. 

Como esta bailarina, acostumada ao estilo “cabaré”, inspirado em filmes de Hollywood, tornou-se uma das precursoras do estilo Tribal? Sabemos que o Tribal é uma dança contemporânea performática que se sustenta esteticamente numa construção de imaginário sobre o que era considerado “tribal” na década de 1960, 1970 e 1980. Não só o tribal não é tradicional, como também não se pretende a ser uma dança tradicional: possui estética própria, fusionada de uma maneira que justificasse a presença dessas bailarinas nas feiras renascentistas dos EUA da década de 1960. Se Jamila era uma artista familiarizada com  o repertório musical árabe, se os passos que performava eram aprendidos a partir da observação de outras bailarinas do estilo cheio de glitter dos cabarés e casas noturnas, como ela pode ser considerada aparentada com o que anos depois veio a ser o Tribal?

Filha de Jamila, Suhaila Salimpour continua o legado da mãe, à frente da Escola Salimpour. (Fonte: Reprodução).

Filha de Jamila, Suhaila Salimpour continua o legado da mãe, à frente da Escola Salimpour. (Fonte: Reprodução).

Segundo a filha de Jamila, Suhaila Salimpour, nos primeiros anos não era feita divisão entre “tribal” e “cabaré”. Essa separação teria surgido a partir do fim da década de 1960, quando sua mãe criou o grupo “Bal Anat”:

“(...) o que definia uma aparência, uma sensação ou uma estilização era o ambiente do show, a hora do show (...) e isso criava a aparência, a sensação, o figurino, a energia… minha mãe estava tentando justificar a dança do ventre no contexto da Renaissance Fair, então ela criou essa incrível fantasia tribal que sempre era apresentada como um Faz de Conta de Arte Performática, essa era até a palavra que ela usava, Faz de Conta, e era tudo ideia e fantasia dela.”

Para alguém desavisado, a indumentária e esta nomenclatura, “tribal”, poderia levar a uma impressão bastante incorreta: apesar de a estética da movimentação e dos figurinos beber muito nas informações disponíveis na época acerca de danças populares e folclóricas, a dança praticada pelo grupo de Jamila NÃO ERA “tradicional” de algum povo: eram os passos da mesma dança do ventre “cabaré” que ela performava nos restaurantes.

Principalmente no início de sua carreira, Jamila Salimpour praticava a dança performática com figurino de duas peças que conhecemos bem, pelos filmes da Golden Era, por exemplo. Porém foi só anos mais tarde que passaram a chamar de “estilo cabaré” esta dança do ventre. Nossa hipótese, ainda não confirmada, é de que essa nomenclatura pode  ser surgido a partir do momento em que começou-se a fazer folclore e a própria estilização tribal.

Por que esses dados são importantes? Porque eles nos dão algumas pistas e perguntas históricas interessantes, a saber:

  1. Tribal e dança do ventre não estão tão distantes como pode-se achar num primeiro momento;

  2. O tribal, assim como a dança do ventre, está ligado ao entretenimento (suas precursoras dançam em restaurantes e feiras de renascença);

  3. É frequente, no discurso de Jamila, que apareçam algumas noções que são muito próprias das danças acadêmicas ocidentais tais como excelência, complexificação, catalogação, e, num texto que ainda analisaremos nesta coluna, “tornar a dança mais difícil”. A pergunta que gostaríamos de deixar como provocação e gancho para nossas próximas postagens é: esta forma de reestruturar a dança, retirando suas características espontâneas, repetitivas, “orgânicas” (na falta de palavra melhor), não poderiam ser, em si, formas de orientalismo? 

Nas próximas postagens, vamos complexificar este debate e tentar explicar estes questionamentos a partir de mais fontes históricas. Até a próxima!

Referências:

Artigo “Tradução: Cabaret or Tribal?”, de Suhaila Salimpour, publicado por Natália Espinosa em seu blog no Medium.

Artigo “Jamila’s Speech at the International Conference on Middle Eastern Dance”, 1997. Disponibilizado por Salimpour School em: https://www.salimpourschool.com/resources/ > http://www.salimpourschool.com/wp-content/uploads/2014/12/JamilaSpeechICMEDMay1997sml.pdf

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Que história é essa?

Ana Terra de Leon (Florianópolis-SC) é bailarina de ATS® e Dança Oriental, historiadora, com mestrado em História Cultural pela UFSC e especialista em História da Psiquiatria no Brasil. Pesquisadora autônoma, coordena o Heréticas, Grupo de Estudos sobre História da Bruxaria, e o Tribus Nexum, sobre danças orientais e suas fusões. Participa da equipe organizadora do Praksis - Simpósio brasileiro de fusões tribais e é integrante do Coletivo Hunna - Historiadoras que dançamClique aqui para ler mais post dessa coluna! >>


[Resenhando-RS] Little Bits II

 por Anath Nagendra

Hölle Carogne |  Fotografia: Dani Berwanger

Olá pessoas!

Mais uma vez lhes trago um pouquinho da cena do RS dos últimos meses, já que ainda estamos na seca de eventos nestes tempos caóticos.

Primeiramente, abro com um vídeo da Karine Neves & turma, que na realidade deveria ter entrado na última resenha que fiz, com trabalhos de julho. Porém, a cabecinha avoada aqui passou batido pelo vídeo, então aproveito pra deixar o recado: se você é do RS e não apareceu, me dá um toque! Eremitice e algoritmos de redes sociais não ajudam muito. hehehe

Em seguida, um vídeo-arte da Hölle Carogne, "Espelho D'água". Há também uma série de fotos belíssimas desse trabalho postado por ela nas suas redes. ;)

Dia 14/10 teve a cerimônia de premiação do Prêmio Açorianos de Dança 2021, que teve o Laboratório Dark Cabaret entre os indicados, das bailarinas Hölle Carogne, Patrícia Nardelli e Bianca Brochier. Infelizmente elas não levaram desta vez, mas você pode conferir os demais premiados aqui!

Além disso, o espetáculo premiado de 2020, Dura Máter, da escola Al-Málgama de Bruna Gomes, foi reapresentado no XXXVIII Congresso de Psiquiatria, na FIERGS!

E esta-que-vos-fala participou do 4º Dark Fusion Brazil Online, organizado pela Gilmara Ígnea em setembro. :) Você pode conferir a mostra completa aqui!

Por fim, deixo aqui uma postagem da Si Faller, que está gravidíssima neste momento, com o vídeo de conclusão da Formação em Fusion Bellydance dela. ;)

Por hoje é só, galera! Com sorte os próximos virão mais recheadinhos, tendo ou não eventos, pois agora irei expandir para a cena do RS como um todo. ;)


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Resenhando-RS


Anath Nagendra (Esteio-RS) é bailarina, professora, coreógrafa e pesquisadora de Danças Árabes, Raja Yoga e, em especial, Tribal Fusion e suas vertentes. Hibridiza sua arte e percepção com grandes doses de psicologia, espiritualidade e ocultismo. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[Resenhando-BA] Baladi Congress: O Evento que Projetou a Dança do Ventre da Bahia para o Brasil

 por Camila Saraiva

Cartazes de divulgação das edições de 2013, 2015, 2016, 2017 e 2018.
Fonte: Facebook Baladi Congress


Podemos afirmar que o Baladi Congress é atualmente o maior evento independente de dança do ventre da Bahia, e afirmo isso levando em conta tanto o alcance de público, quanto o destaque na mídia local, bem como a estrutura do evento e a quantidade de profissionais renomados no mercado que participam. O evento vem contribuindo significativamente com a formação de muitos profissionais e estudantes da dança do ventre no estado há dez anos, e é uma vivência intensa e intensiva que proporciona ao seu público uma imersão em um ambiente que transborda paixão pelas danças árabes. Contudo, arrisco dizer que uma das maiores conquistas do Baladi Congress foi projetar a dança do ventre da Bahia para o Brasil afora. 

Nós que atuamos com o estilo tribal, com as fusões, precisamos aproveitar eventos como esse como uma oportunidade de conhecer um pouco mais as danças árabes e o universo das danças do ventre, afinal de contas, as próprias criadoras do estilo tribal americano e do tribal fusion afirmam que são estilizações da dança do ventre. Defendo que uma boa base de dança do ventre, bem como o estudo das danças árabes, é fundamental para quem deseja estudar e atuar com as fusões tribais, até porque essa nomenclatura já está sendo abandonada e o termo Fusion Bellydance (dança do ventre de fusão) vem assegurando e reafirmando a dança do ventre como o centro dessa roda. 

O Baladi Congress (carinhosamente vou apelidar de BC) é realizado pelo Studio Dance Baladi, escola especializada em Danças Árabes e Danças de Salão, e aqui aproveito essa oportunidade para parabenizar a escola pelos seus dezoito anos de vida! A direção do Dance Baladi e do Baladi Congress é do casal Fernanda Guerreiro e André Uzêda.

Workshop com Lukas Oliver (São Paulo) em 2018.

O BC acontece todo ano em Salvador desde 2011, sempre no mês de agosto. Foram nove edições no total, a décima iria acontecer em 2020, mas por causa da pandemia essa edição especial precisou ser adiada. A décima edição já tem data marcada para 2022 e Fernanda Guerreiro adiantou em sua rede social que vai ser uma edição ainda mais especial! Será nos dias 05, 06 e 07 de agosto de 2022 no Quality Hotéis e Suítes São Salvador, e eu já estou me organizando para participar! Simbora?! Se você é também apaixonad@ por dança do ventre, é um evento imperdível, daqueles que recomendo ir pelo menos uma vez na vida para conhecer! Provavelmente depois da primeira vez que participar você vai querer ir de novo!

Fernanda Guerreiro explica que o objetivo, a proposta do evento, é proporcionar conhecimento através de workshops, palestras e cursos com grandes nomes nacionais e internacionais da dança; promover intercâmbio entre os participantes; dar visibilidade à novos talentos; promover momentos de interação e alegria aos participantes e elevar o nome da Bahia no cenário nacional. O evento tem um alcance de aproximadamente mil e quinhentas pessoas nos três dias e propõe em cada edição uma grade de aulas que agrada diferentes perfis e preferências, o que possibilita a participação de um público amplo, com interesses e estilos diversos. No quadro de professores, profissionais reconhecidos na Bahia, no Brasil e até mesmo no cenário internacional da dança do ventre já participaram do evento. O Baladi Congress ganhou duas vezes o prêmio Shimmie de melhor evento de dança do ventre do Brasil, reforçando e reconhecendo a proporção que o evento tomou, resultado do trabalho árduo, sério, competente e dedicado de toda uma equipe de realização e produção.

É uma grande responsabilidade, ao mesmo tempo que uma emoção falar do BC, porque é de fato um evento importante para a cena da dança do ventre na Bahia ao passo que é também um evento importante para mim. Participei da primeira edição do BC, em 2011, e de lá pra cá já participei de várias edições, sempre que posso me inscrevo, faço as aulas, assisto a mostra, o show, e fico babando na feira de exposição que, aliás, é um destaque do evento, oferecendo a oportunidade de adquirirmos itens de dança que dificilmente teríamos acesso. Para mim particularmente, o Baladi Congress é marcante, pois acontece no mês de agosto, que é o mês do meu aniversário e já me dei de presente diversas vezes o pacote de aulas e/ou até mesmo um figurino, um lenço, um véu da feira de exposição. São muitas lembranças de aniversários meus celebrados nesse evento... em uma certa edição um dos dias chegou a cair exatamente no dia do meu aniversário, lembro nitidamente da aula que fiz, foi com Ju Marconato!  O BC foi importante para a minha formação enquanto dançarina e professora de dança do ventre e fusões, mas não somente, nessa trajetória de dez anos fui observando o evento crescendo à medida também que eu fui amadurecendo enquanto profissional e enquanto mulher.

Workshop com Gamal Seif (Egito) em 2019."

E o BC cresceu muito, de maneira rápida! Quando perguntei à Fernanda Guerreiro sobre a evolução do evento, ela me respondeu: “O Baladi cresceu rapidamente e além de qualquer expectativa esperada. Acredito que pela qualidade do evento e pela organização (ouvimos muito isso do nosso público). O Baladi também traz muitos diferenciais do que existe no mercado... preparamos sempre muitas surpresas que acontecem durante todo o Congresso, temos dois estilos específicos e distintos (Danças Árabes e Salão) mas que se complementam (normalmente os eventos com essas modalidades acontecem separadamente), festas cheias de alegria e interação do público.

Falando um pouco da configuração do evento, o BC é um megaevento com vários eventos dentro dele, ao longo dos três dias acontecem workshops, palestras, dois shows, dois bailes, sendo um à fantasia (o Baladi Fantasy), feira de exposição e ainda, um flashmob de dança do ventre que é um show a céu aberto! Para esse evento acontecer é necessário de fato uma organização afiada, e esse é um dos trunfos do BC! Com inúmeros fãs declarados pelo Brasil, o público cativo reconhece a competência e a seriedade da produção, e seus admiradores estão espalhados por todas as regiões do país. O Baladi Congress é uma referência de evento independente de dança do ventre que deu certo e se consolidou no mercado nacional da dança.

Flashmob de Dança do Ventre em 2019.

Foram tantos profissionais renomados que passaram pelo BC ao longo dessas nove edições que eu precisaria escrever um texto à parte para dar conta de mencionar os diversos mestres e mestras da dança do ventre e fusões que ministraram workshops, palestras e dançaram no palco do Baladi Congress. Com todo cuidado e respeito do mundo, vou citar alguns nomes, já de antemão dizendo que muitos profissionais incríveis participaram do evento e não vou conseguir mencionar todes, então meu recorte será com base em minha experiência. Tive a oportunidade de fazer aula no BC com mestres e mestras como Gamal Seif, Lulu Sabongi, Esmeralda, Mahaila El Helwa, Ju Marconato, Kahina, Elis Pinheiro, Dani Nur, Cris Azevêdo, Lis de Castro, Pâmela Cruz, Fernanda Guerreiro....Pude assistir belíssimas apresentações desses professores e professoras e mais tantas danças que levaram ao palco das mostras e dos shows seus estudos e seus trabalhos com aquele entusiasmo de estarem dançando para um público que está ali porque quer muito, porque ama. Essa energia é inexplicável, uma vibração diferente fica no ar quando um evento reúne tantas pessoas que amam dança do ventre, e é isso que o Baladi Congress faz, agrega pessoas diversas com essa paixão em comum.

Como sempre venho afirmando nessa coluna, não é tarefa fácil realizar eventos independentes de dança no Brasil, ainda mais no momento extremamente difícil que estamos (so)brevivendo, com um governo que desqualifica a arte e a cultura sem um mínimo de vergonha.

Convidados do Baladi Congress Dança do Ventre

2019 no Show de Gala.Todas as imagens foram cedidas pela produção.


Então registro aqui, como rito obrigatório nos meus textos, a minha reverência, respeito e admiração ao Baladi Congress por se sustentar e apoiar tantos e tantas profissionais da dança do ventre, fusões e da dança de salão, mesmo diante de adversidades e dificuldades. Quando perguntei como tinha sido ficar sem realizar o BC em 2020 e 2021 por causa da pandemia, Fernanda respondeu: “Foi bem difícil, mas mediante tudo que estava acontecendo no mundo foi a decisão mais acertada. De forma presencial seria uma irresponsabilidade realizar qualquer evento mediante uma pandemia. Optamos em não realizar nem no formato online porque o Baladi é feito de momentos de muita interação do público, uma verdadeira aglomeração de alegria e muita troca, e vimos que o formato online não teria a essência do Baladi Congress.”.

Deixo registrado também meu apoio e admiração por essa decisão e pelo posicionamento firme e sim, politizado, de Fernanda Guerreiro diante da pandemia e dos absurdos do governo atual no Brasil. É preciso ter coragem para se posicionar, para deixar os interesses pessoais de lado e pensar no coletivo, para viver profissionalmente de dança, e ainda mais, de dança do ventre, no Nordeste. A minha reverência à Fernanda e ao seu trabalho que há mais de vinte anos é realizado em Salvador com a dança do ventre. Para finalizar esse texto, deixo as palavras de Fernanda sobre o que é o Baladi Congress para ela: “O Baladi é a realização de um grande sonho de viabilizar conhecimento e trazer visibilidade para a nossa Bahia. Quando comecei a viajar levando minha dança Brasil afora, costumava ouvir bastante a seguinte frase: “Não sabia que tinha Dança do Ventre na Bahia”. Foi algo que me impulsionou ainda mais para tirar esse sonho do papel e mostrar os talentos da nossa terra, assim como a qualidade na produção de eventos.  O Baladi se tornou um filho de uma história de amor e entrega à Dança.”.


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Resenhando-BA


Camila Saraiva (Salvador-BA) é artista da dança, baiana, LGBTQ+. Dançarina, professora e pesquisadora das danças dos ventres e suas fusões na contemporaneidade, com graduação e pós-graduação em Dança na UFBA. Atualmente é doutoranda em Dança pelo PPGDANÇA/UFBA e pesquisa a relação entre danças dos ventres, orientalismo, feminismos e estudos de gênero e sexualidade, numa perspectiva contemporânea.

[Corpo & Dança] Como trabalhar força nas aulas de dança?

 por Jossani Fernandes


Como já foi dito, a força é extremamente fundamento no contexto da dança e da saúde, propriamente dita. Sabemos que o fortalecimento muscular possibilita romper com os desvios posturais advindos do nosso cotidiano ou até mesmo de movimentos repetidamente reproduzidos na dança. Além de ser um importante fator na prevenção de lesões e auxiliar na recuperação das lesões preexistentes. Mas trabalhar a força das alunas em uma aula de dança?

 

·         Primeiro é importante saber os tipos de força e qual ou quais desejamos trabalhar de acordo com a modalidade:         

Força máxima

    É a capacidade que um músculo ou grupo muscular tem em realizar máximas tensões


Força explosiva

    A força explosiva (ou rápida) representa a relação entre a força expressada e o tempo necessário para a alcançar a ação, ou seja, esta relacionada a movimentos de força com velocidade.


Resistência de Força 

     É a capacidade do organismo de resistir à fadiga, como se fosse uma força de longa duração.

 

·         Após essa breve explicação é possível perceber que na dança utilizamos todos os tipos de força, mas algumas se sobressaem. 

No caso do tribal, utilizamos se forma significativa a força explosiva para a execução de movimentos que demanda explosão, como uma batida de quadril forte que demanda maior contração, nas dissociações corporais marcadas, giros rápidos e por aí vai... Além disso, a resistência de força está presente em nossa realidade, seja para sustentar o braço durante períodos constantes, segurar um meia ponta e etc.

 


Para conseguir planejar em sua aula treinos de força, precisamos ter em mente 3 princípios:

Sobrecarga: a força não pode ser aumentada a menos que os músculos sejam trabalhados além da sua carga normal de treino, ou seja, para evoluir na força e para continuar tendo resultados vai chegar um momento em que você precisará aumentar a intensidade dos treinos, frequência e até a duração dos exercícios.


Especificidade: Você deve escolher os exercícios o mais próximo possível da modalidade e os movimentos que você irá trabalhar.

Reversibilidade: Se você não continuar treinando a força se perderá rapidamente, nesse ponto precisamos estimular as alunas a não trabalharem a força só na aula de dança, mas levar para a vida!

Pronto! Você já sabe o básico para iniciar os treinos de força dos seus alunos, uma sugestão é, seja em uma aula de 60 ou 90 minutos, separe de 10 a 15 minutos iniciais para esse trabalho. 

  1. Inicie com um trabalho articular (alongamento dinâmico, como já citado em outra coluna).
  2. Exercícios de força, de acordo com o objetivo da turma, isto é, se você precisa que os alunos tenham força para descer ao chão e subir, foque em membros inferiores.
  3. Sempre tenha um momento para fortalecer o abdômen, força do core é importantíssima para qualquer momento em sua dança.
  4. Iniciar com 2 séries de cada exercício já é um bom volume, sobre repetições pode-se trabalhar de 8 a 12, a depender do nível de cada aluno.
  5. Seja criativo, para o aluno não chegar 15 minutos após o início da aula.
  6. Preze sempre a segurança, lembre-se o simples bem feito gera resultados incríveis!

Vejo você em uma próxima coluna com algumas sugestões de exercícios!

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Corpo & Dança: Um olhar sob nosso Palácio Industrial


Jossani Fernandes (Belo Horizonte-MG)
 é professora e bailarina de danças orientais, profissional de educação física, atua na área como personal trainer e pesquisadora da área da flexibilidade, é apaixonada por anatomia e por tudo que diz respeito ao corpo humano e toda a sua complexidade.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 



[Formação no Tribal] Viva, Paulo Freire!

por  Ana Clara Oliveira


Fonte: UFMG

Quando iniciei a coluna “Formação”, veio-me à memória a obra e vida do nosso querido Paulo Freire que se presentifica nas práticas pedagógicas zelosas pela ética e educação sensível no interior de e para as lutas sociais. Neste sentido, temos nos dedicado a refletir o seu legado para sulear nossas atuações no campo da Fusão Tribal. Na matéria de hoje, abordaremos um tanto do primeiro capítulo do livro Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa (FREIRE, 2020) – 66ª edição. Afinal, em setembro do presente ano comemoramos o seu centenário. Viva, Paulo Freire!

A primeira edição do livro foi publicada em 1996. Nesta obra lançada em vida, o educador deixa o último legado na Terra. Muitas de nós, da comunidade da Dança do Ventre e fusões, éramos crianças, adolescentes e suponho que algumas ainda não eram passageiras deste mundo. No entanto, o livro é tão importante que foi reimpresso diversas vezes. O exemplar que tenho em mãos pertence ao ano de 2020. Nesse grande intervalo podemos perceber que a linguagem poética e política de Paulo Freire é essencial para o sistema-mundo que vivemos. Observemos as seguintes palavras da orelha do livro: “Paulo faz um chamamento aos(às) educadores(as) para, com ética crítica, competência cientifica e amorosidade autêntica, sob a égide de engajamento político libertador, ensinarem a seus(suas) educandos(as) seres Seres Mais”. 

O livro então, demostra lucidez e maturidade a fim de levantar questões para a formação do corpo docente e discente, aprofundando a teoria de uma vida voltada para a humanização, revolução e contra a lógica do capital. Outro fator importante é dito nas palavras da pedagoga Nita Freire: “Pedagogia da autonomia sintetiza a sua Pedagogia do oprimido e o engradece como gente. É um livro-testamento de sua presença no mundo. Ofereceu-se por inteiro, na sua grandeza e inteireza”. Assim, são esses aspectos que nos aproximam da Pedagogia da autonomia de Paulo Freire com o objetivo de realizar o exercício de nos perguntar constantemente sobre nossa professoralidade e aprendizado nas aulas de Fusão Tribal, bem como, questionar as estruturas do Norte Global e não ingeri-las sem rigor crítico. 

Isto posto, temos no primeiro capítulo intitulado Prática docente: primeira reflexão, 23 páginas nas seguintes divisões/caminhos teórico-práticos:  

1.1 Ensinar exige rigorosidade metódica

1.2 Ensinar exige pesquisa

1.3 Ensinar exige respeito aos saberes dos educandos

1.4 Ensinar exige criticidade

1.5 Ensinar exige ética e estética

1.6 Ensinar exige a corporificação das palavras pelo exemplo

1.7Ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação

1.8 Ensinar exige reflexão crítica sobre a prática

1.9 Ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural

Em cada seção, Paulo Freire argumenta de diferentes maneiras a recusa ao ensino bancário e apresenta caminhos para uma prática de ensinar-aprender vívida, dialógica, política, gnosiológica, estética e ética, em que a “boniteza deve achar-se de mãos dadas com a decência e com a seriedade” (FREIRE, 2020, p.26). Na verdade, cada subtítulo desse capítulo mostra a compreensão de que ensinar inexiste sem aprender; aprender não existe sem ensinar, “e foi aprendendo socialmente que, historicamente, mulheres e homens descobriram que era possível ensinar” (FREIRE, 2020, p. 25-26). 

O autor acrescenta: “foi assim, socialmente aprendendo, que ao longo dos tempos mulheres e homens perceberam que era possível – depois, preciso – trabalhar maneiras, caminhos, métodos de ensinar” (FREIRE, 2020, p. 26). Ele considera que aprender antecede a ensinar ou, melhor dizendo, o ensino se dissolve na experiência autêntica fundante de aprender, sendo o pensar certo a base da formação docente e do aprendizado discente. O pensar certo “implica a existência de sujeitos que pensam mediados por objeto ou objetos sobre que incide o próprio pensar dos sujeitos. Pensar certo não é que-fazer de quem se isola, de quem se “aconchega” a si mesmo na solidão, mas um ato comunicante” (FREIRE, 2020, p. 38). “O pensar certo, por isso, é dialógico e não polêmico” (FREIRE, 2020, p. 39).

Diante dessa breve descrição, de que modo o capítulo conversa com você? Faz sentido? Me conta do teu pensamento. 

Que a obra de Paulo Freire continue a nos inspirar e transformar nossas práticas! 

Viva Paulo Freire!

Fonte: Wilkipédia


Abraços dançantes,

Até breve!


Referências

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 66ª ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Paz e Terra, 2020. 

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Formação no Tribal


Ana Clara Oliveira (Maceió-AL) é dançarina e pesquisadora do estilo Tribal de Dança do Ventre. Professora de Dança na Escola Técnica de Artes (UFAL). Doutoranda em Artes (UFMG) onde pesquisa a formação no Tribal. Mestrado em Dança (UFBA). Diretora da Zambak Cia de Dança Tribal ... Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>


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