[Dançando Narrativas] A Dança dos Orixás

por Keila Fernandes

Hoje eu gostaria de começar fazendo uma pergunta: quando falamos em mitologia, quais são as primeiras imagens que vem à sua cabeça?


É muito comum pensarmos nos deuses greco-romanos, ou nórdicos, com lendas e aventuras muito difundidas no ocidente. Figuras presentes em filmes, livros e jogos.


Sabemos quem é Zeus, Hércules, Afrodite, Odin, Thor e as valquírias.


No entanto, por mais que esses personagens e suas histórias sejam interessantes, eles possuem certa distância de nossa realidade latinoamericana. Não que os mitos de outros países não tenham nada a nos dizer, muito pelo contrário. Mas as vezes focamos muito em culturas distantes, buscando coisas que podemos encontrar bem aqui, no nosso país.


Nas religiões de matriz africana presentes no Brasil, também encontramos uma mitologia complexa e rica na qual encontramos um panteão diverso, envolto por histórias de amor, conflitos, guerras e ensinamentos.


E por mitologia, entende-se o conjunto de narrativas sagradas presente em determinada cultura para explicar o mundo e a realidade (dá uma olhada nesse texto aqui, onde falo sobre isso).


Muitas vezes, nós não enxergamos os Orixás dos cultos afro brasileiros como parte de uma mitologia. Por conta do nosso contexto racista e colonial, esses mitos são considerados menores, sem a mesma importância que as narrativas sobre os deuses egípcios e gregos, por exemplo, com os quais temos contatos nas salas de aula.


Os Orixás são divindades antigas que possuem domínio sobre a natureza e são dela representações. Seus mitos trazem suas histórias, ensinamentos e formas de compreender a realidade.


No entanto, quando falamos deles e sua dança, não estamos falando apenas de uma mitologia antiga, mas também da religião e da cultura trazida pelos povos africanos escravizados,  e que sobreviveu aos séculos de opressão e violência e hoje fez parte da pluralidade religiosa brasileira.


Por isso, devemos ter muito cuidado e sensibilidade ao abordar tal assunto em nossa dança. 

E sim, é diferente de quando lidamos com mitologia nórdica, por exemplo, por conta do nosso contexto histórico. 


Durante três séculos o Brasil escravizou e explorou milhões de pessoas vindas de diferentes regiões da África.


Para consolidar a subjugação dessas pessoas, elas foram separadas de seus grupos étnicos, proibidas de falar seu idioma e viver suas crenças e espiritualidades. Foram forçadas a se converter ao cristianismo, ganharam nomes cristãos e não podiam ensinar seus costumes e tradições para seus filhos.


A permanência da cultura africana foi, e continua sendo, um ato de resistência do povo negro no Brasil. Por isso, quando abordamos traços dessas culturas na arte, devemos nos informar e entender que  a chamada mitologia africana é a base da religião e da espiritualidade de muitas pessoas. Espiritualidade essa que vem sendo demonizada e perseguida por séculos.

E por mais que as religiões afrobrasileiras tenham adeptos de diversas etnias, a sua origem é negra, e por isso foi estigmatizada e ainda é alvo de de ataques e discriminação de cunho racista.


Xangô, Iemanjá e Iansã, Orixás populares no Brasil. Arte de: LAMBUJA - http://lambuja.com.br/


As religiões de matriz africana possuem uma ligação muito forte com a dança e a música. Isso porque os mitos e narrativas dos povos escravizados sempre foram passados de forma oral, por meio de histórias e canções.


A dança é a maneira com a qual os Orixás se comunicam com os humanos, narrando suas trajetórias e ensinamentos por meio de seus movimentos.


Mas é possível trabalhar a dança dos Orixás no Tribal Fusion? Como trazer a representação de um Orixá de maneira coerente e respeitosa?


Como sempre, a nossa boa e velha pesquisa vai ajudar bastante na criação de uma coreografia baseada na mitologia dos povos africanos.


Além disso, é importante buscar referências históricas, na dança afro, em bailarinos que trabalham essa temática, em trabalhos antropológicos e na própria mitologia.


Augusto Omolú foi um importante bailarino, coreógrafo e pesquisador da Dança dos Orixás, e a trazia para o seu trabalho artístico, estudando os movimentos de cada divindade e significados, inspirando-se neles e combinando-os com a sua dança e levando-os para o palco.


“O Odin [Teatret], os atores, por exemplo, criam e improvisam sempre buscando algum elemento, eu tenho os orixás. Se eu vou criar uma partitura para um personagem, eu posso utilizar um ou dois orixás e a partir de então improvisar com os elementos. Eu procuro conversar a energia de cada orixá, improvisei [demonstra o movimento] não mostro o Ogum, mas a energia de Ogum [sinaliza com as mãos indicando o movimento da espada de Ogum].” (Augusto Omolú)


Mercedes Baptista, foi a primeira bailarina negra a integrar o corpo de baile do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Ela elaborou um repertório próprio de dança afro-brasileira com base nas observações dos movimentos dos Orixás nos terreiros.


Ela apontava a importância de dançar como bailarina e não como Orixá. Criar outros movimentos e não emular o que o Orixá faz no terreiro.


A bailarina Mercedes Baptista, em novembro de 1955. Arquivo Nacional. E o bailarino e coreógrafo Augusto Omolú, em sua performance Oro de Otelo.


As danças das religiões de matriz africana contam histórias, e os movimentos dos Orixás falam muito sobre suas características e os elementos aos quais estão ligados. E conhecendo esses elementos e seus significados é possível criar uma coreografia inspirada em um Orixá que funcione sem ser caricata ou desrespeitosa.


E sempre é necessário questionarmos os motivos pelos quais estamos dançando determinada divindade. Quais traços queremos ressaltar, quais movimentos usaremos para destacá-los, qual o tipo de música combina com o personagens e as características trabalhadas. 


Para escrever esse texto eu conversei com a Monni Ferreira, que foi quem me sugeriu falar sobre esse tema, além de ter contribuído com dicas e seu parecer sobre o texto e contribuindo com a sua visão sobre a Dança dos Orixás e como é importante entender a pluralidade de características dessas divindades.


“Quando pensamos na dança afro e consequentemente nas danças dos orixás é preciso ter em mente que muitas das movimentações características foram construídas dentro dos terreiros de candomblé para representar as divindades, os Orixás. Por isso é tão importante entender a origem e os significados antes de tentar reproduzir as movimentações corporais apenas como uma repetição de movimentos. Quando pensamos em Iansã, uma das mais conhecidas divindades da cultura afro-brasileira, automaticamente vem na nossa mente uma mulher vestida de vermelho, rodando, gritando e girando sua saia de roda com as mãos na cintura. Esta é a caracterização mais conhecida de Iansã, também chamada de Oiá e que se difere da que conhecemos quando ela está em sua qualidade de Igbalé, a rainha dos espíritos dos mortos. Oiá Igbalé veste branco e é responsável por conduzir os eguns na hora do desencarne, indicando o caminho de cada alma desprendida de seu corpo.


Outra divindade muito conhecida e cultuada por nós é Iemanjá, popularmente caracterizada como uma mulher branca, jovem, magra, de longos cabelos, muito calma e sempre usando roupas nas cores azul e prata. Ocorre que Iemanjá é a mãe dos orixás e como mãe ela defende e protege os seus filhos. Na qualidade de Sabá, é a Iemanjá mais velha, sábia, rabugenta, voluntariosa, fiadeira de algodão e capaz de grandes amarrações. Orixá das águas sagradas, a Grande Mãe, Iemanjá Sabá costuma usar branco e prata para simbolizar a sua energia que vem das espumas brancas do mar.” (Monni Ferreira)


Então, como tenho falado nos textos anteriores, a pesquisa e a busca por referências são as maiores aliadas na hora de se representar uma divindade, ainda mais quando essa divindade faz parte da crença de milhares de pessoas cuja religião tem um histórico de perseguição sistemático.


É sempre importante ter em mente que quando trabalhamos com divindades e mitologias (e eu estou falando aqui da dança como manifestação artística, sem cunho religioso), devemos entender que estamos mergulhando em uma outra cultura e, assim, em uma outra forma de ver e experienciar o mundo.


Para finalizar, gostaria de agradecer a Monni que, além de me sugerir o tema, contribuiu para o texto com o seu ponto de vista, além de indicações de trabalhos, vídeos e textos. 


Obs: não citei no texto, mas vale muito a pena conhecer o Balé Folclórico da Bahia, que pesquisa e trabalha com danças folclóricas brasileiras, dança afro e dança contemporânea, celebrando a cultura nacional com uma qualidade técnica e de produção altíssima. Além de ser uma fonte muito rica para o estudo dessas danças.


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A Monni também me indicou o Grupo Corpo, uma companhia de dança incrível de Belo Horizonte que trabalha, a partir de um repertório de músicas eruditas, danças clássicas e populares, incluindo a dança afro. 

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E como não podia deixar de ser, quero indicar o trabalho de duas bailarinas brasileiras que trabalham os movimentos dos Orixás e a dança afro em sua dança.


Monni Ferreira: Coreografia Sabá Odoyá



Kilma Farias: Improviso Oxum




Referências:


LIMA, G.R. F. Ensino da Dança dos Orixás e reflexões sobre identidade de gênero a partir do movimento. Conexões Paradoxais: Uso Impróprio. UFF, Niterói, 2016. Disponível em: <http://www.artes.uff.br/uso-improprio/publicacoes/conexoes-paradoxais.pdf>


BARBARA, R.. A dança das Aiabás: Dança, corpo e cotidiano das mulheres do candomblé. Tese (Doutorado em Sociologia) Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo. p. 201. 2002.


Souza, J. R. de. (2015). A Dramaturgia da Dança dos Orixás: Entrevista com Augusto Omolú. Urdimento - Revista De Estudos Em Artes Cênicas, 1(24), 237 - 246. https://doi.org/10.5965/1414573101242015237


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Dançando Narrativas


Keila Fernandes (Curitiba-PR) é escritora, professora de história e  historiadora, especialista na área de Religiões e Religiosidades e História Antiga e Medieval. É aluna da bailarina e professora Aerith Asgard e co-diretora do Asgard Tribal Co. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Corpo & Dança] Lesões

 por Raissa Medeiros


Como identificar uma lesão?

Quem nunca fez uma aula de dança ou praticou alguma outra atividade física e ficou com dor em seguida? Acredito que todo mundo já passou por isso e apesar de ser algo tão comum, é importante que sempre nos atentemos aos sinais do corpo.

 

Dor Muscular Normal

A dor muscular pós-esforço aparece depois de uma atividade que demande mais daquele segmento corporal. Neste caso é completamente normal sentir fadiga e dor muscular combinada com rigidez. Estes sintomas são sinais de que a musculatura está passando por uma regeneração através do processo inflamatório, sendo fisiológico.

A dor costuma ter seu pico entre 24 e 48h podendo durar de 3 à 5 dias e na maior parte das vezes, não é um fator limitante para novas atividades físicas, podendo até mesmo ficar assintomática após um aquecimento.

 

Dor por lesão

No caso de uma lesão, a dor não diminui após os 5 dias de seu início, pode se apresentar de forma aguda ou latejante e em alguns casos, aparecerem hematomas e/ou inchaço no local.

Lesões também podem ocorrer a longo prazo, como é o caso da distensão Quando um músculo ou um tendão, que está preso ao osso, é submetido a um esforço

que promove o rompimento das fibras musculares, o que gera inflamações locais) crônica, que é uma consequência de exercícios repetitivos, prolongados e que trabalham sempre os mesmos músculos e tendões.



Como posso prevenir lesões?

Para prevenir lesões é imprescindível o aquecimento ( játemos um post sobre isso) antes de praticar atividades físicas, alternar treinos, ou seja, se na segunda você focou no trabalho de braços, na terça foque em movimentações de quadril e assim por diante. Se alongue após sua prática física e por último mas não menos importante, DESCANSE!!! Seu corpo precisa de descanso, precisa se regenerar.

 

Sempre ouça e respeite os sinais do seu corpo, ele fala e muitas vezes nós fingimos que não o ouvimos. E caso suspeite de uma lesão, procure um médico.

Que tenhamos uma vida dançante bem longa!

Até breve, 

Raissa Medeiros

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Corpo & Dança: Um olhar sob nosso Palácio Industrial


Raissa Medeiros (Belo Horizonte-MG)Graduanda em Fisioterapia, é bailarina, professora, coreógrafa  e pesquisadora  em Dança do Ventre, Fusões Tribais e Danças Comerciais ,sendo o primeiro, desde 2006.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Resenhando-SC]Live Show Allure

por Aline Pires 

Mais um evento que movimentou a cena do tribal fusion, hoje vamos falar sobre o show Allure, organizado por quem vos fala, realizado no dia 13 de fevereiro. O show foi  feito ao vivo no instagram, e contou com a participação de bailarinas da cena que admiro e tenho alguma conexão. Foi uma honra compartilhar esse momento com elas, e é possível que outros shows semelhantes sejam realizados com convidados diferentes futuramente. O público interagiu bastante nos comentários, e mesmo com as dificuldades da pandemia, cada artista em sua casa ou estúdio se esforçou para que estivéssemos todas juntas online mostrando nossa arte. O show foi transmitido no meu perfil, de forma que o público apenas precisasse aguardar a próxima apresentação, sem a necessidade de pesquisar cada bailarina entre as apresentações. A duração foi de aproximadamente 1 hora e meia, e mesmo com um tempo relativamente longo, grande parte do público não se dispersou e se manteve conosco até o final, o que foi muito lindo! 

Elenco: Aline Pires (host), Mariana Quadros (SP), JuliC Carboni (SC), Julieta Furtado (SC), Raisa Latorraca (DF), Natália Espinosa (SP) e Karine Neves (RS).

 

Confira algumas apresentações que foram postadas no IGTV de cada bailarina:

 

Raisa Latorraca (DF):



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Natália Espinosa (SP):


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JuliC Carboni (SC):

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Julieta Furtado (SC):

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Karine Neves (RS):

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Obrigada por acompanharem os eventos de SC!

 

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Resenhando-SC


Aline Pires (Florianópolis-SC) é bailarina e professora de dança oriental árabe e fusion bellydance/tribal fusion natural de Florianópolis, Santa Catarina e proprietária do La Lune Noire Estúdio de Dança. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

 

[Formação no Tribal] "Quando sinto que já sei." (Documentário)

por Ana Clara Oliveira

Na matéria do mês de janeiro introduzi a coluna com o título “Em que tempo estamos na formação?” Convoquei a nossa comunidade para refletir acerca da palavra “formação” e trouxe para o debate as seguintes questões: é função das capacitações e escolas de formação em tribal abarcar as resistências dos oprimidos e compreender suas experiências de opressão, sobretudo, do Estado? Ou deveríamos focalizar apenas no universo de técnicas estabelecidas e práticas cada vez mais eficientes e inovadoras do mercado? Ao final, sugeri a ideia de que o acolhimento das reflexões, das teorias e das vivências do cotidiano na sala de aula, não é sinônimo de abandonar o aprendizado de técnicas. Ambos os caminhos, podem coexistir como potência no corpo que dança. Então, que este agenciamento possa habitar na nossa dança!

No presente texto, trago como contribuição o documentário intitulado “Quando sinto que já sei”  (2014) publicado no canal YouTube da Vekante Educação e Cultura. A obra cinematográfica de 78 minutos expõe as práticas educacionais inovadoras ocorridas no Brasil. Através do documentário, esta matéria propõe inspirar as pedagogias do estilo Tribal de dança e quem sabe sulear entendimentos distintos da lógica dominante, puramente reprodutora do saber. O longa-metragem brasileiro “Quando sinto que já sei”  dos cineastas Antonio Sagrado Lovato, Raul Perez e Anderson Lima é um projeto independente apresentado por Despertar Filmes, realizado com a colaboração de 487 coprodutores e financiado coletivamente via Catarse. 

O filme reúne discussões acerca do ensino convencional brasileiro por meio dos depoimentos de pais, alunos, professores e alguns profissionais que também questionam o modelo tradicional de escola. Paralelamente, ilumina a importância dos valores sociais para a formação humana. No tempo de dois anos, os diretores cineastas visitaram oito cidades brasileiras e dez espaços educacionais com projetos que possuem novos caminhos para uma pedagogia mais autônoma e afetiva. 

Tendo em vista a duração do vídeo, não farei um relato descritivo, tampouco uma análise profunda dos seus aspectos. No entanto, deixo aqui o convite para a apreciação do filme. Isto posto, destaco falas estimulantes que podem tecer um paralelo com o campo pedagógico do Tribal.

Tião Rocha – Educador e Idealizador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento CPCD), inicia com a primeira narrativa de impacto ao contar que ouviu de uma diretora a seguinte frase: “as crianças são uma página em branco onde devemos escrever um belo livro”. Ele complementa: “se uma diretora de escola considera uma criança como uma página em branco, ela não entende nada de menino”. Traçando um paralelo com a pedagogia do Tribal, pergunto: de que maneira tratamos os conhecimentos que o discente já possui? Ou não incorporamos os saberes produzidos pelos educandos nas suas experiências cotidianas? A ideia da página em branco até este momento existe na educação em dança?

José Pacheco – Educador e Idealizador da Escola da Ponte e colaborador no Projeto Âncora, ressalta que o formato de escola que conhecemos é uma invenção do ocidente, principalmente, dos séculos 18 e 19 com as intenções Iluministas e no caso do Brasil, com a segmentação cartesiana, o positivismo e também com a influência dos jesuítas. Ao dizer que a escola do passado está viva no presente, ele expõe alguns trechos que podem alimentar as reflexões acerca das práticas de ensino do Tribal, tanto no âmbito formal e quanto no espaço informal: 

“Quando se diz que a escola não mudou é porque ela deixou de fazer sentido enquanto construção social que sobrevive e provoca milhões de analfabetos, que provoca muita infelicidade e muito desperdício de gente. Essa escola não mudou por uma razão. Ela hoje não tem qualquer suporte nem do bom senso, quanto mais da ciência”.

“A educação não se faz para a cidadania, faz na cidadania, no exercício da liberdade responsável. Perceber o que somos, onde estamos, para onde vamos com o outro [...] Nós não queremos aula, nós queremos que a todo momento todos se manifestem na sua incompletude [...] E na sua incompletude comparando com problemas e conflitos, um com o outro, aprenda mediado por um educador a ser e a conviver”.

“A aprendizagem acontece a qualquer momento e raramente acontece durante a aula. Eu penso que muito mais acontece no recreio do que numa aula”.

“Só se aprende quando perante algo [...] alguém se interroga, alguém se aproxima e os dois com relação a fonte de conhecimento [...] fazem um combinado, ou seja, um projeto e quando isso acontece a aprendizagem deixa de ser centrada no tradicional aprendente que é o aluno, deixa de estar centrada no tradicional ensinante que é o professor de currículo, para estar centrada na relação. Está tudo centrado na relação e é na qualidade da relação [..]. que a informação é transformada em conhecimento [...] eu vou entendê-lo e vou procurar o consenso [...] há espaço direto, eu e tu, tu e eu, e no meio, na relação está resposta”.

Márcia Roberto da Silva – Diretora da Escola Municipal André Urani, relata a função do professor ao dizer que “ele deixa de ser professor e passa a ser o professor-mentor, quer dizer, como a palavra mesmo diz ele é o cara que vai mediar essa aprendizagem do aluno, então é uma quebra total de paradigmas”. Pensando na dança, temos deixado o professor-mentor florescer nas aulas, sejam elas teóricas ou práticas?

No decorrer do filme, surge a ideia do professor como estimulador de um novo estudante e de um novo sujeito que recebe o conhecimento como um desafio. Sobre os desafios, a estruturação das aulas e os conteúdos, a estudante Clélia Moreira de Macedo (IINN-ELS) salienta: “primeiro, dar direito a voz ao aluno [...] nas salas alunos de novo ano, sexto, sétimo, de idades diferentes, todo mundo junto, isso é bom, há uma socialização de idades e ideias diferentes [...] um jornal, um assunto nós trazemos para aula”. Abro um espaço para questionar: como são organizadas as aulas de Tribal? Separamos os nossos alunos por habilidades? Reconhecemos a voz do Outro? Como trabalhamos?

Ivana Jauregui Gini – Educadora Escola Livre Inkiri declara: “nossa escola é uma escola livre, é uma escola não-diretiva [...] não direciona a expressão do ser, aqui a gente acredita que cada um tem dentro de si a sua evolução [...] o que a gente faz é criar um espaço protegido onde a criança pode expressar quem ela é [...]. Na escola livre tem muitas regras, tem disciplina e tem ordem [...] aqui não xingamos, aqui não batemos, aqui não desrespeitamos alguém [...] são limites na verdade que não limitam, por exemplo, não corremos dentro da sala, mas corremos fora. Você sempre pode fazer o que você quer, mas com respeito e no lugar correto, no mesmo tempo, que a criança ganha sua força de expressão, ela também aprende a como conviver em harmonia e respeito com todo mundo”. 

Outra fala encantadora surge: “a desculpa em si às vezes não é o bastante [...] se eu peço desculpa e isso é o bastante, pronto eu já esqueci tudo que poderia aprender com essa situação, já ignorei então, tem que tomar cuidado porque a desculpa muitas vezes faz a gente pular a parte importante que é a rever, resgatar”. Ambos os trechos me fizeram refletir sobre ética, afetos e convivência na dança. Como a nossa comunidade discute tais aspectos? Qual a importância de compreender a ética na educação em dança?  

A respeito da relação professor-aluno destaco esta fala envolvente: “não é para, é com, o professor com o aluno, não é o aluno para o professor ou o professor para aluno [...] aprender para a vida, aprender para construir, aprender para equilibrar, aprender para ousar”. Assim, “há uma relação entre a alegria necessária à atividade educativa e a esperança. A esperança de que professor e alunos juntos podem aprender ensinar, inquietar-nos, produzir e juntos igualmente resistir aos obstáculos a nossa alegria” (FREIRE, 2015, p. 70).

Com esta matéria, findo a introdução da coluna FORMAÇÃO. Na próxima publicação, abordarei o primeiro tema: “conteúdos - qual é o conhecimento que importa na nossa dança?” 

Então, convido vocês para acompanhar a coluna!

Vamos conversar?

Referências

FREIRE, Paulo. PEDAGOGIA DA AUTONOMIA. Saberes Necessários à Prática Educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra Editora, 2015.

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Formação no Tribal


Ana Clara Oliveira (Maceió-AL) é dançarina e pesquisadora do estilo Tribal de Dança do Ventre. Professora de Dança na Escola Técnica de Artes (UFAL). Doutoranda em Artes (UFMG) onde pesquisa a formação no Tribal. Mestrado em Dança (UFBA). Diretora da Zambak Cia de Dança Tribal ... Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[Resenhando-ES] Lua de Sangue

por Lua Rubra

Quem é o Lua Rubra Tribal?




Sempre que nos perguntam “mas o que é isso, Lua Rubra Tribal?”, a nossa resposta costuma ser uníssona. Somos uma iniciativa independente, feminina e lunar de estudos e de dança tribal fusion (essa é a nomenclatura que adotamos), o primeiro grupo autônomo nessa vertente de dança do estado do Espírito Santo.

Independente, pois não pertencemos a nenhuma escola de dança, não temos uma figura central, um profissional que coordene nossas atividades.

Feminina, porque somos quatro mulheres e porque essa energia predomina em nosso trabalho e trajetória.

Lunar, porque nos assumimos enquanto seres cíclicos, que transitam por fases, e trazemos essa concepção para o modo de funcionar do nosso grupo.

O Lua Rubra tem esse nome por causa do eclipse lunar ocorrido em julho de 2018, que resultou no fenômeno ímpar da Lua Vermelha. Justamente a época em que nos conhecemos – já que o grupo foi fundado em 12/08/2018.

 

Primeiro encontro
 

Formado por quatro mulheres muito diferentes, o Lua Rubra Tribal tem sua fase de Lua Nova personificada pela ariana Sahira Zomerod, fogo com fogo, ousada, de cílios longos e decisões postas na mesa. KarMir é Lua Crescente, a capricorniana que é nossa terra, de olhar intenso e pés no chão. Nossa Lua Cheia é água, Aline Yuki, a canceriana de mãos que dançam e contam histórias. Bruna Benes é a taurina ar, a sereia uivante que tem o mar nos olhos e poesia nos pés.

A diferença e a ciclicidade é por nós celebrada de tal modo que a liderança do grupo se estabeleceu de modo naturalmente circular. A fase em que a lua se apresenta no céu e nos rege é também a Lua que está no comando do grupo. Assim, ao longo do tempo as decisões e diretrizes do nosso trabalho vão passando de mão em mão, no círculo cíclico de nós mesmas, e cada uma imprime, em seu momento de liderar, suas características ao grupo.

Estreamos nosso primeiro grande trabalho em 2019, no Encontro Capixaba de Dança do Ventre, a apresentação que trouxe notoriedade ao Lua Rubra na cena dançante capixaba. A coreografia “Raiz Ancestral” foi concebida inteiramente por nós – desde a junção das músicas, confecção do figurino, acessórios e maquiagem, até a coreografia. Esse trabalho é uma grande celebração da nossa unidade e da nossa diferença.

Depois da grande estreia, fomos convidadas para participar de diversos shows na cena capixaba de dança, capitaneados por expoentes dançantes de vários estilos.






2020 foi para nós – como para todo o planeta – um ano desafiador. Após um período de recolhimento e adaptação à realidade, passamos a fazer participações em eventos online e também realizamos o nosso primeiro show. “Celebrando entre luas” marcou a comemoração dos dois anos de existência do grupo, e contou com apresentação de bailarinos de várias modalidades, todos eles parte ativa da nossa trajetória.

Temos alguns bons projetos no armário, esperando a hora certa de florescer. E a certeza que a dança e os ciclos são partes de nós, e que o Lua Rubra é a expressão verdadeira do nosso brilho.

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Resenhando-ES


Lua Rubra Tribal (Vila Velha-ES) é formado por Sahira Zomerod, KarMir, Aline Yuki e Bruna Benes; foi criado no ano de 2018, seguindo as lunações para formar uma liderança circular. Cada uma representa uma lua: nova, crescente, cheia e minguante, respectivamente. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

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