[Resenhando-CE] II Mostra de Tribal Fusion de Fortaleza

por Alinne Madelon 

No dia 14 de novembro de 2015 o Estúdio Alinne Madelon Bellydance Tribal realizou a II Mostra de Tribal Fusion de Fortaleza no nosso lindo e aconchegante Teatro do Humor cearense. A abertura do festival ficou por conta da estreia do projeto "Tribal nas Ruas de Fortaleza" (podemos falar sobre isso depois), que contou com a participação dos músicos venezuelano Jaime Modesto Continente, o baterista Italo Rodrigo e a bailarina Alinne Madelon. Os artistas fizeram uma viagem ao tempo tentando resgatar
um pouco da magia balkan.

Artistas do projeto Tribal na Ruas de Fortaleza



Seguindo com o evento, tivemos a apresentação das alunas de Alinne Madelon mostrando muita simpatia e beleza em suas apresentações; logo mais tivemos Rafaella Medeiros com um solo muito bem executado e o duo de dança do ventre que foi muito aplaudido pelo público.


Andreza Firmino 
Rafaella Medeiros
Logo mais, tivemos as apresentações das bailarinas Ayla Mercia e Kris Matheus que mostraram toda delicadeza e profissionalismo em suas performances; em seguida tivemos a estreia de Roberta Medeiros e o solo de Edzangela Medeiros, que deixou todo publico hipnotizado com seus movimentos bem executados.


Ayla

Kris


Logo após tivemos a apresentação cheia de emoção da bailarina Ticiana Feitosa, que simplesmente deixou o público encantado com seu lindo figurino.


Ticiana
Seguimos com o lindo solo de Thyara Matos cheio de influências indianas.


E não para por aí! A próxima apresentação ficou por conta das alunas da professora Gabriela Farias, com um trabalho muito lindo e bem executado. Tivemos também o grupo Dharma, Cybele Lopez, Adazila Pignata e nossa convidada mais que especial Tamyris Farias que esteve conosco durante 4 encontros ministrando um curso de ATS. Tamyris Farias fez uma linda apresentação encantando a todos na plateia; em seguida veio a bailarina Gabriela Farias com toda sua capacidade técnica, com sua dança própria, meiga , suave e criativa. E pra finalizar tivemos a apresentação de todas as alunas do estúdio no palco e todas as convidadas em uma grande roda de improviso.


Alunas de Gabriella

Adazilda

Tamyris

Gabriela Farias

Assim, com gostinho de quero mais nosso evento acabou. Gostaria de agradecer em primeiro lugar a todas as pessoas envolvidas na organização. Não é fácil produzir um evento onde o Tribal é pouco conhecido... Se fosse citar todos os nomes não caberia aqui! Então, um muito obrigada a todos, desde mossas queridas alunas até a pessoa que cuidou da iluminação!!! 



Alunas e professoras no palco

Roda de Improvisação




[Tribal Brasil] O personagem no Tribal Brasil: uma construção multifacetada

por Kilma Farias

Tórtola, a bailarina dos pés desnudos
       Há uma tendência histórica com o Tribal de retratar Deusas que dançam, acredito que pela própria herança que nos foi deixada pelas bailarinas de vanguarda do Orientalismo americano.

Uma das mais importantes, conhecida com “a bailarina dos pés desnudos”, Cármen Tórtola Valencia desenvolveu um estilo próprio que expressava a emoção pelo movimento. Tórtola tem uma origem controversa e misteriosa, alguns diziam ser bastarda de uma família real espanhola, outros diziam que era filha de um nobre inglês, mas certo é que nasceu no início do século XX.

Tórtola Valencia -  As precursoras do Fusion já retratavam personagens
Tórtola Valencia retratava em sua dança uma releitura dos universos egípcio, indiano, figuras míticas como serpentes, deusas gregas, africanas e danças ancestrais americanas.

       A forte figura feminina Mata Hari, com também misteriosa biografia, traz ares de deusas que dançam para influenciar as construções na Dança Tribal. Diz a história que ela tomou contato com a cultura oriental em Java e percebeu o  poder que tinha nas mãos através da dança. Alguns dizem que se tornou espiã, mas foi condenada e fuzilada sem que se provasse essa afirmação.

Mata Hari trazia em seus personagens a semelhança com rainhas e princesas do Egito, e do Oriente
O fato é que sua dança ficou associada a um jogo de sedução, sendo utilizada como arma política e socio-cultural na época da primeira guerra mundial. Símbolo de ousadia e força do feminino, retrata em seus personagens como Cleópatra, entre outras rainhas, princesas e deusas.

       Para citar mais uma e ter uma trilogia, trago a lembrança da Ruth St. Denis com seu gosto e interesse pelo exótico, deusas egípcias, indianas, chinesas, balinesas entre outras. Ficou marcado em sua história seu solo Radha e sua paixão pela deusa Ísis, motivo que a levou a imergir na cultura Oriental.


Ruth St Denis dançou Radha, entre outras deusas indianas.
Na Licenciatura em Dança, na UFPB, tive a oportunidade de participar de um experimento de remontagem do solo Radha de Ruth St. Denis como parte de atividade da disciplina Teoria do Movimento Corporal, ministrada pela professora Candice Didonet. Essa foi uma experiência marcante no sentido de aprofundamento do entendimento das corporalidades e fisicidades que envolvem a construção de um personagem previamente conceitualizado.

       O Tribal Brasil também vai trazer suas deusas, rainhas e figuras míticas como modo de buscar inspiração na força e beleza de arquétipos ligados ao feminino e ancestralidade. Não que a dança pela dança e o improviso não sejam bem-vindos no estilo. Pode-se apenas investigar derivações em um padrão de movimento como por exemplo o samba.


Kilma Farias homenageando Ruth St. Denis em Radha
Mas quando falamos em construção de personagem, e principalmente se esse personagem é uma deusa, rainha, figura mítica, ou histórica datada, precisamos nos valer de estruturas técnicas para conseguirmos sucesso em nosso desafio.

No Tribal Brasil já trabalhei personagens históricos como Maria Bonita e Salomé, também figuras míticas como a Jurema, mas é nos Orixás Iemanjá, Iansã e Oxum que essa construção pode ser observada melhor no sentido das intenções de movimento e atitudes geradas pelo personagem.

Laban nos diz que:

Deuses que flutuam acima das águas demonstram no ritual, ou representação pictórica, uma atitude complacente em relação aos fatores de Tempo, Peso e Espaço no movimento. Flutuar é um movimento leve e flexível que espelha um estado de espírito de semelhante conteúdo. (LABAN, 1978, p. 44)

Flutuar sobre as águas pode ser um forte aliado na construção do personagem Iemanjá. Flutuar é umas das oito Ações Básicas denominadas por Laban e que é definida por movimento de tônus leve, tempo sustentado e trajetórias indiretas, multifocais. Sendo assim, para construir personagens das águas salgadas como Iemanjá e sereias, o bailarino pode se valer desse estímulo inicial do flutuar e contrastar com o que mais sua imaginação sugerir.

A Ação Básica de sacudir me levou a explorar possíveis caminhos para a construção da minha Iansã. Vejamos o que diz Laban sobre essa ação:

As resplandecentes divindades da alegria e da surpresa são frequentemente caracterizadas, nas danças, por movimentos de sacudir e fremir. Aqui a sensação de leveza se casa a uma indulgência com espaço, que é evidenciada na flexibilidade e na plasticidade dos movimentos. Aparições e desaparições súbitas conferem aos movimentos de sacudir e fremir a sua luminosidade (LABAN, 1978, p. 45)

“Aparições e desaparições súbitas” – o vento sopra aonde ele quer. Assim é Iansã e suas mudanças repentinas que vão do vento à tempestade. A lei maior em Iansã é a mudança. Daí a necessidade de buscar movimentos mais ágeis, mudanças de temperamento e intenção de movimento que produzem natural estado de alegria, estimulado pelos shimmies e músicas de batida crescente.

O sacudir é uma ação que envolverá movimentos de Tempo súbito, Peso leve e deslocamentos indiretos, flexível. Um bom exemplo são os giros, pois tanto geram deslocamentos com trajetória em espiral, simbolizando o próprio furacão, como literalmente produzem vento no palco.


Para Oxum, identifiquei a Ação Básica de deslizar, assim como a água desliza entre si mesma e o lodo nas profundezas dos rios. Laban nos diz que deslizar é um:

[...] movimento sustentado e direto com toque leve. Ao deslizarem, o homem e sua divindade envolvem-se na experiência da infinitude do tempo e da cessação do peso da gravidade, embora estejam ambos atentos para a clareza dimensional de seus movimentos. (LABAN, 1978, p. 44)

Ser clara e direta nos movimentos, buscando ausência de peso através de trajetórias contínuas de linhas de braço, por exemplo. Gerar experiência da cessação do tempo é possível através de uma música sem muitas variações, onde a brincadeira do variar acontece no movimento, causando a sensação de que o tempo parou, de que a bailarina dançou tanto, mas a música ainda está lá da mesma forma, suspensa no espaço.


Esse recurso musical é bastante utilizado nos rituais religiosos que envolvem dança, de linha Afro-brasileira. Os toques dos Orixás e pontos, assim como cânticos indígenas, buscam suspender o tempo, manter os participantes na sensação de infinitude, a sensação do tempo eterno que não mais corre, mas se faz unidade com o ser que dança.

Esse deslizar, pela música e pelo espaço, pode ser um inspirador ponto de partida para se trabalha Oxum, assim como outros personagens das águas doces como a Iara ou Mãe D’água, Ondinas e Nereidas.


Mata Hari

Uma boa pesquisa musical também está atrelada ao sucesso do seu personagem, assim como a livre escolha por não ter música alguma. O importante é que a música consiga extrair de quem dança um algo mais além dos movimentos corporais meramente físicos. O bailarino precisa ser a música e para isso precisa ser tocado profundamente por ela. Na maioria das vezes, a música nos escolhe.

       A inspiração pelo sentido da visão também se faz necessária. Pesquisas de imagens seja pintura, escultura, em vídeo, do Orixá no terreiro: tudo é material disparador da construção do seu personagem. Alie a essa pesquisa sua vivência pessoal de movimentos. Seus momentos de brincadeira no mar, desde a infância até hoje em dia. A lembrança do vento bagunçando seu cabelo, os banhos de cachoeira e rio, o sentir das pedrinhas redondas sob os pés. Transforme essa memória em dança e com certeza estará nascendo a sua leitura pessoal do personagem.



[Entrando na Roda] O que podemos aprender com a meditação da gratidão (ou Puja)

por Natália Espinosa


Uma das coisas que considerei mais interessantes da mudança no formato das aulas do FCBD® (não está sabendo? Corre lá em http://fcbd.com/class-format/) foi a mudança de nome do famigerado Puja. Todo mundo que estuda o ATS® conhece esta linda sequência de gestos. Alguns de nós fazemos todas as aulas, sempre antes de uma performance ou até mesmo durante algumas performances.  Eu não conheço ninguém que seja indiferente ao Puja: todo mundo acha lindo. Talvez porque dê um aspecto sagrado e devocional à dança. 

Porém, nosso Puja não tem o mesmo significado que o Puja das danças clássicas indianas. O nosso Puja não é direcionado a nenhuma deidade ou panteão, não se tratando de uma prece. 

O que ele é de fato está perfeitamente resumido em seu novo nome: uma meditação de gratidão, um momento para se voltar para dentro de si mesmo e listar os motivos que você tem para ser grato, agradecer aos responsáveis por quem você é hoje e a quem ajuda a sua dança a se concretizar.

A cada etapa da meditação da gratidão, reconhecemos o efeito positivo de elementos envolvidos em nossa dança e agradecemos por eles. Vamos recordar os gestos dessa meditação, refletindo mais profundamente sobre cada um deles?



1-Trazer as mãos juntas na altura do coração e reconhecer, abrindo o braço direito e depois o esquerdo, o espaço em que se dança, tocando novamente os dedos na altura do coração ao fim do gesto: 
foto por The Dancers Eye/2016 | Modelo: Wendy Allen
Reconhecer o espaço onde dançamos é ser grato também por estarmos em um lugar onde podemos dançar e oferecer nossa arte a quem lá estiver, mesmo que essa pessoa seja apenas nós mesmos. Poder estar em um ambiente onde nossa dança é bem-vinda parece a nós, dançarinos, algo corriqueiro. Às vezes reclamamos da estrutura do lugar onde vamos nos apresentar – e com razão, também, mas é importante lembrarmos que, caso nenhuma porta se abrisse para nós, nossa arte e nossa alegria não se consumariam. O lugar não precisa ser uma casa de shows, uma escola de dança, ou um palco. É possível sentir gratidão a uma cidade que abriu as portas para sua apresentação ou aula, a um parque público onde se é possível dançar e estar com as amigas de dança, além de compartilhar a arte com públicos que não conhecem sua forma de dança, etc. Pode ser até mesmo o próprio planeta, se buscarmos uma visão mais holística da coisa. É importante ter onde se expressar, e mesmo se dançarmos somente em casa, pela nossa própria casa podemos ser gratos: é muito bom ter um teto sob o qual sua dança é sempre bem-vinda.


2- Fazer o gesto da Flor de Lótus subindo até acima da cabeça e descendo de volta:
foto por Kristine Adams | Modelo: Carolena Nericcio-Bohlman
A flor de Lótus é muito importante em diversas culturas do Oriente, e uma das características mais interessantes desta nobre flor é que ela nasce da lama. A lama nutre sua semente e seu broto enquanto ela abre seu caminho na água em direção à luz. Quando ela chega à superfície, não apresenta nenhum resquício de lama ou água lodosa em suas pétalas, embora do lodo tenha obtido as ferramentas necessárias para crescer até seu potencial total. Mas mesmo quando já está desenvolvida o suficiente para passar os dias fora da água, recebendo a luz do Sol; à noite esta flor se fecha e retorna à lama, onde ficará até o dia seguinte clarear e ela enfim exibir suas pétalas imaculadas novamente. 



É fácil entender por que a Lótus é uma metáfora perfeita da condição humana, mas, às vezes nós como dançarinos, não conseguimos perceber que é impossível passar a vida inteira ao Sol: a noite inevitável virá, e deveremos neste momento retornar à lama, ao escuro e profundo; às vezes até ao desagradável. Ocorrerão decepções, ocorrerão momentos em que não nos sentiremos bons o suficiente, cometeremos erros, vai bater aquele choque de realidade de que precisamos melhorar muito, receberemos críticas duras, chegaremos a becos sem saída com nossa técnica e a hiatos criativos. Mas se soubermos tirar alimento e força dessas situações, novamente retornaremos à luz do Sol.

No ATS®, temos nosso momento de estar no coro e estar no centro, temos nosso momento de liderar e seguir. E temos nosso momento de brilhar e nosso momento de lidar com nossas próprias limitações. 

Saber transitar graciosamente entre esses momentos é a sabedoria que buscamos, tanto na vida quanto na dança.   

3- Ajoelhar e tocar o chão:
foto por The Dancers Eye/2016 | Modelo: Kristine Adams
O chão onde pisamos é muito importante. Quando eu toco o chão no puja, é o momento em que eu penso em mais coisas. Reconhecemos o espaço antes, no início da meditação, mas o chão é AQUELE espaço específico onde estou. Eu agradeço pelo meu equilíbrio, por poder pisar onde outras pessoas passaram antes de mim, penso na própria terra enquanto provedora de alimentos e na Terra planeta; às vezes penso até que do chão não passo se eu cair. Embora o chão seja o nível mais baixo, algo que não nos damos conta de que está lá, é primariamente através dele que nos conectamos com esse planeta. E metaforicamente, precisamos ter nossos pés no chão. Precisamos ter noção, consciência e humildade. Pode parecer muita viagem o que eu disse, e é mesmo. Mas faz sentido para mim... Pode ser que faça para vocês, não é? 


4- Tocar as orelhas reconhecendo a música ao som da qual dançamos: 
foto por Mar Morena | Modelo: FCBD

Neste momento da meditação, começamos a sair de dentro de nós mesmos e reconhecer e agradecer às outras pessoas envolvidas em nossa dança. Cada outra pessoa é todo um universo diferente, e é isso que torna a dança em grupo tão especial.

A música é essencial para nossa arte. Eu sinto como se dançar fosse cantar a música com o corpo. Quando estamos dançando, usamos o universo particular dos músicos como estrada para a expressão da nossa própria arte! Ser grato às pessoas que fazem arte que pode somar à nossa é o mínimo. 

Uma forma de expressar essa gratidão, a meu ver, é comprando as músicas. Seja o CD, seja o download, mesmo que você não possa comprar hoje a música que você quer dançar e acabe baixando ilegalmente, organize-se para comprar e apoiar a arte dos músicos. Ficamos muito chateados quando dançamos e não recebemos um tostão, não é? Se queremos que nos valorizem, precisamos nós também valorizar os artistas. Os músicos que dançamos em geral são independentes, não vendem milhões de discos, não fazem turnê internacional. Podemos contribuir comprando nem que seja uma música só, que custa 5 reais. 

Agradecer aos músicos é uma excelente forma de começar a reconhecer que nosso sucesso na dança depende do esforço e suor de outras pessoas. Na vida é a mesma coisa.


5- Tocar o chão novamente, e trazer as mãos juntas à testa, na altura do “terceiro olho”:
foto por The Dancers Eye/2016 | Modelo: Carolena Nericcio-Bohlman


Esse gesto é para nossos mestres. 

Um mestre é a pessoa que compartilhou conhecimento com você, que se preocupou com a assimilação desse conhecimento por você, que se propôs a ser paciente e corrigir seus erros. Seu mestre esperou seu tempo, mas soube te motivar. Seu mestre não escondeu conhecimento de você, e desejou não somente que você chegasse ao nível dele, mas que você o ultrapassasse. Seu mestre quis que você atingisse todo seu potencial, vibrou com suas vitórias como se fossem dele, porque foram.  

Muitas vezes temos professores que não são mestres – esses também merecem reconhecimento e gratidão, claro. Mas mestres são especiais. É muito difícil e solitário aprender e lapidar uma arte sem um mestre. 

A cultura oriental valoriza muito o professor e o mestre, mas aqui no Brasil eu testemunho muita falta de respeito em relação a quem ensina uma arte. Simplesmente não sabemos ser alunos ou pupilos. Somos acostumados a contratar um professor como um mero veículo para nosso objetivo, isso produz alunos desleais, maledicentes, mimados e egoístas, que não percebem que o professor está recebendo dinheiro não para te dar um produto, mas para segurar a sua mão e te ajudar a passar por um processo. Alunos pulam de estúdio em estúdio falando mal dos professores que passaram por suas vidas, não creditam quem tanto fez por eles para sobressair e se colocar em posição mais elevada, ignoram os conselhos e recomendações do professor mas não se esquecem de culpá-los quando algo dá errado. E o pior: esquecem que os professores são humanos, sujeitos a tudo o que ser humano acarreta.

Algo ruim também acontece com o professor: infelizmente, em algumas áreas precisamos ser professores para conseguir viver. Isso acontece no meio acadêmico, no meio da música e também na dança. A pessoa que gosta de apenas de se apresentar e ser o centro das atenções vai precisar dar aulas se quiser viver disso. O que acontece é que esse professor vai querer ser o centro das atenções também em sala de aula, preocupando-se mais com produzir um exército de clones do que artistas (amadores ou profissionais) livres e distintos. Ele vai desrespeitar seus alunos, falar mal deles para outros alunos e outros professores, e se sentirá ameaçado quando um aluno atingir o nível profissional. 

Não há nada mais urgente, a meu ver, que lançar um novo olhar à relação professor-aluno, ou, como prefiro chamar, facilitador-dançarino em formação. Um olhar não de análise crítica, mas um olhar de coração, um olhar emocional, como o olhar que lançamos a nossos familiares e provedores quando somos crianças, ou como o olhar que lançamos sobre uma vida pela qual em parte nos responsabilizamos. É com amor, respeito e MUITA gratidão. Essa parte da meditação precisa ser sempre reforçada, pois nunca chegamos a lugar nenhum sozinhos. 

Eu particularmente penso assim, nessa hora: tudo o que sou hoje, devo a meus mestres e aos mestres dos meus mestres. Sou meramente uma ponte dessa corrente de aprendizado para novos dançarinos que escolherem dançar comigo, seja por uma hora, seja por uma vida.  
  
6- Trazer novamente as mãos na altura do coração: 

foto por The Dancers Eye/2016 | Modelo: Carolena Nericcio-Bohlman
Esse gesto é para nossos antepassados, para nossos ancestrais.

Eu acredito que este gesto seja muito parecido com o gesto anterior. Enumerar e reconhecer quem te trouxe até aqui e quem abriu os caminhos para que você pudesse passar é um excelente exercício de poda de ego.

Não somente nossos familiares podem ser nossos ancestrais, mas também aqueles que vieram antes de nós na família dançante. Aqueles que ousaram abrir as portas, mesmo que nem as vejamos mais ao passar por elas. Nossos Pilares. Gostamos muito de sentir que estamos fazendo algo único, e isso é especial. Inovar, quebrar barreiras, desconstruir padrões... Como artistas, sonhamos com isso. Mas não podemos deixar de reverenciar quem nos mostrou que isso é possível: os pioneiros. Existe um legado, ignorá-lo é o primeiro passo para fazer arte vazia. A arte é uma construção em si, é um trabalho de várias mentes e corações ao longo do tempo. Podemos escolher deixar nossa contribuição nesse grande monumento ou fazer um castelinho de areia só nosso que desaparecerá assim que não estivermos mais ativos. 

7- Reconhecer, com o mesmo gesto do item 1, as pessoas com quem dançamos e para quem dançamos:


foto por The Dancers Eye/2015 | Modelo: Lisa Allred


Às vezes torna-se difícil praticar o conceito mais simples do ATS®, que é priorizar a beleza do grupo e não a beleza do indivíduo. Ainda mais em nossa sociedade, onde mesmo em grupo estamos preocupados em “fazer o nosso”. Julgar a dança ou a personalidade da pessoa que está dançando com você, comparar dançarinos, querer estar sempre no centro ou na liderança... Tudo isso é bem normal no tipo de sociedade centrada no indivíduo dentro da qual nascemos. 

Só que nossa dança – e, PASME! Nosso mundo! – só funciona através do esforço coletivo, e seu companheiro de dança não deveria estar ali para te colocar em uma situação desconfortável e sim para trabalhar em conjunto por um objetivo comum. 

Objetivos em comum são assustadores. Você não tem controle sobre todas as etapas do processo. Você vai enfrentar opiniões diferentes da sua, modos de lidar com as coisas diferentes do seu. Você terá a quem culpar se sentir que tudo deu errado, da mesma forma que alguém poderá se sentir no direito de culpar você . Ou seja, tudo pode dar errado. Mas quando dá certo, ah... que maravilha!

A boa notícia é que NO ATS® SEMPRE DÁ CERTO, mesmo quando algo sai “errado”. Não tem o esperado, não tem coreografia. Você tem lindos movimentos, pessoas com vontade de  dançar esses movimentos e as ferramentas para transformar isso tudo em um espetáculo, compartilhando essa alegria com um público espectador. Vai dar certo, e você só tem a agradecer a quem topou entrar nessa loucura com você. Tenha sempre um sorriso e um carinho no coração para quem compartilha a dança com você. Isso é íntimo e especial. 

Da mesma forma, precisamos ter a consciência de que o público que vai nos ver é o receptor da nossa mensagem. Tudo o que fizemos, nossas roupas, nossas aulas, ensaios, música, tudo se traduz nesse momento de comunicação. No final das contas, essas pessoas escolheram receber a nossa mensagem, mesmo sem saber o que vamos falar. Essas pessoas deram tempo de suas vidas, e talvez dinheiro, para receber o que temos a oferecer. Essas pessoas nos devolvem toda a nossa energia investida. Por conta disso, essas pessoas são merecedoras de toda nossa gratidão.   



8- Levantar-se, juntar tudo e trazer novamente as mãos na altura do coração.
Foto de Marcelo Justino |Modelo: Natália Espinosa
Esse é o momento de pegar toda essa energia gerada pela reflexão sobre gratidão, internalizá-la e dançar com muito mais consciência e clareza. Com um coração renovado e aberto para todos os elementos da aula ou performance, diminuímos a pressão criada por expectativas e demandas do ego, por julgamentos em relação aos outros, por autocrítica exacerbada. É hora de trocar energia, de criar conexões. Que as vias estejam limpas e desbloqueadas. Que seja simples e natural.

Embora essas reflexões estejam no contexto do ATS®, eu estou convencida de que podemos levá-las para até os aspectos mais corriqueiros de nossas vidas. Sugiro começarmos cada dia com uma meditação de gratidão, talvez uma criada por nós mesmos, mas que abranja todos os pontos que às vezes passam despercebidos por nós.

Obrigada a todos vocês por lerem e trocarem energia e conhecimento comigo! 

Beijos e até a próxima,




[Venenum Saltationes] Desvendando - com Lucile Bier

por Hölle Carogne




O primeiro Desvendando de 2016 traz um trabalho muito intenso e à flor da pele...
Eu pude ver com meus próprios olhos a construção desta coreografia e me emocionei todas as vezes que vi...A coreografia ainda não tem nome, pois faz parte de um processo pessoal em construção... A bailarina gaúcha Lucile Bier nos conta um pouquinho sobre sua história de vida e o que há por trás deste trabalho tão inquietante e, ao mesmo tempo, tão belo.

Lucile, seja bem-vinda! É uma honra ter teu trabalho compartilhado na Venenum Saltationes! <3
  
  
Meu nome é Lucile, sou geógrafa e bailarina, estudos que cultivo desde a mesma temporalidade Comecei a dança do ventre em 2007 e o tribal em 2011. Faço parte do Grupo de Dança Zahira Razi, da professora Fernanda Zahira Razi. Participar desse grupo foi/é uma experiência extremamente enriquecedora, pois além de todo o talento e trabalho de expressão única da Fernanda, ela permite e incentiva a busca de nossa própria identidade na dança, sem repetir seus padrões, de forma que as aulas servem como uma canalização desse processo e não a sua reprodução. 


Venenum Saltationes: Quando e como surgiu a vontade de criar este trabalho?

Essa coreografia surgiu como uma necessidade urgente de expressão em meio a um ano super turbulento. Na verdade, a primeira vez que ouvi essa música fiquei bastante tocada, mesmo assim nem imaginava dançá-la. Um tempo depois, surgiu uma apresentação do Grupo Zahira Razi no bar Rock'N'Soul, em Porto Alegre/RS. Pra variar, estava sem tempo de montar alguma coisa e, como muitas vezes, optei pelo improviso. Escolhi essa música no mesmo dia (ou um dia antes, não lembro ao certo) da apresentação, pois estava na mesma vibração que eu naquele momento; e ao ouvir outras para seleção, nenhuma me dava vontade de dançar, mesmo aquelas que gostava. Marquei somente o início e fim da coreografia. Nem lembro ao certo como dancei, mas tenho certeza que a música percorreu alguns processos que estavam difíceis de encarar. Ao final da apresentação, algumas pessoas vieram falar comigo, que tinham se emocionado ao assistir essa dança. Isso me tocou, até porque não é uma música que tenha um clima de bar, e a recepção foi a melhor possível.

Bem, a partir de então, decidi que mudaria um pouco o que vinha fazendo com a dança. Sempre me considerei uma bailarina de grupo, pego rápido os movimentos e tenho facilidade em gravar uma coreografia. Entretanto, quando tinha que apresentar um trabalho autoral era sempre problemático. Sou muito crítica em relação ao que faço, e isso me atrapalha bastante. Acho que as artes em geral tem que se comunicar com quem a recebe, de forma a promover uma sensibilização, reflexão ou crítica. A questão do “ficou bonito” me incomodava nas minhas coreografias. Isso fica claro quando vejo que fazia coreografia para os outros, pensando em algo agradável de se olhar. Sou bastante reservada em relação a sentimentos e mantinha distância em externalizá-los através da dança.

Essa coreografia foi um aprendizado. Antes, preocupava-me muito a técnica, a execução dos movimentos. Ali, permiti que a dança fluísse conectada ao que sinto, e consequentemente, à autenticidade de estar presente. Nota-se que a movimentação em si é bastante simples, pois permiti que essa fosse uma preocupação secundária pela primeira vez. 


  
Venenum Saltationes: Do que se trata este trabalho? Qual o assunto abordado?

Esse trabalho ainda está em desenvolvimento e esse é um dos motivos de não tê-lo nomeado ainda. Há muito do que o alimenta presente em mim atualmente, e projeto que seja ao mesmo tempo mais livre num âmbito geral e mais detalhado musicalmente.

Trata-se de enfrentamentos que tive que lidar em 2015. Fala de redescobertas, de percorrer um caminho novo, cheio de novidades, de projetar-se de forma realista. É, sobretudo, um aprendizado, de sentir-se responsável pelas provocações, mas também se assustar com a repercussão delas. Fala também de decepções, de fugas e descaminhos.

Posso dizer, assim, que o assunto abordado é um recorte da minha trajetória individual, que vinha se delineando, e que sempre houve espaço para escapar. Então chega aquele momento em que estamos pressionadas/os e resolvemos encarar determinada(s) situação(ões).



Venenum Saltationes: Existe alguma linguagem oculta por trás dele?

Existe uma energia latente, que trata dos aspectos mais humanos ecarnais em amplo sentido. Desnudar-se de práticas sociais, aceitando-se e, da mesma forma, compreendendo as limitações do eu-eu, eu-outra pessoa e outra pessoa-eu. Dessa forma, a linguagem oculta é energética, ou seja, as frequências de sentimentos e práticas que percorremos para atingir algo ou que experimentamos ao sermos atingidas/os. 

  
Venenum Saltationes: Com quem tenta se comunicar? E o que quer dizer?

Essa é uma questão bastante difícil de responder e o próprio retorno que tive reflete isso. Assim, acredito que emiti uma mensagem, que neste caso não elaborei intencionalmente, e cada pessoa que assistiu a captou de acordo com suas vivências ou por aquilo que compartilha diretamente comigo.

Contudo, de um modo geral, creio que a comunicação é com as pessoas que enxergam uma dualidade no agir da própria existência ou em algum momento específico. Por isso, o contraste, a meu ver, entre momentos de entrega à música, e outros desalinhados ou marcados junto a uma expressão agônica ou neutra nessa coreografia. Explora-se desde a beleza das movimentações que podem remeter ao prazer dos sentidos de forma natural ou ao ego, assim como torna visível um lado obscuro, que não significa fomentá-lo por trazê-lo à tona, ou monótono/ insensível do cotidiano.

Portanto, ela diz que há diferentes tipos de energias que experimentamos, com as quais jogamos de acordo com nosso interesse e resistência.Trata-se de trajetos, enfrentamentos que reverberam em nós e a postura que adotamos perante essas dificuldades.Ou seja, algumas rupturas e (re)começos que mudam nossa frequência energética. 



Venenum Saltationes: Comente sobre os processos de criação desta coreografia.

Como havia apresentado uma coreografia improvisada com essa música e tinha pela frente uma mostra de dança do Grupo Zahira Razi, resolvi dar sequência a essa proposta e recomeçá-la. Basicamente resgatei três situações distintas, duas correlacionadas e uma turbulência pessoal paralela a tudo isso, com suas sensações e perspectivas.

Recorri a lembranças marcantes, ainda tão presentes, transformando-as em movimentação, que refletem um roteiro não-linear dos acontecimentos. Linearmente, parte-se de um acordar para esta realidade, cheia de encantamentos, permitindo-se desfrutá-la plenamente. Segue a emersão dos problemas advindos de escolhas e um brincar/esconder dentro dessa realidade, ao mesmo tempo provocando o acontecer e experimentando o pavor das cobranças e frustrações que caminham junto. Há o momento em que essas três situações convergem, quando são representadas por um distúrbio, uma vontade de fuga e negação. Após, a entrada automática de seguir mecanicamente o enfrentamento, pois não há energia disponível para lidar com todas as emoções que afloram. Ao final, o momento em que a turbulência cessa, pode-se permitir um afastamento da situação, buscando a compreensão e o amadurecimento, retirando-se das situações, dando espaço, contraditoriamente, para sedimentar um turbilhão. 


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