Nossa entrevista do mês de novembro é a brasileira Isabel De Lorenzo que hoje vive e trabalha com o estilo Tribal em Roma, Itália. Isabel nos conta sua trajetório com o ATS® na Itália,seu evento de repercussão internacional na Europa, o Roma Tribal Meeting, seus projetos futuros com a dança e muito mais! Confira!
BLOG:
Conte-nos sobre sua trajetória na dança do ventre/tribal. Como tudo começou
para você?
Desde pequena eu estudei balé, jazz, dança contemporânea. Sempre com
muito amor, com ótimos professores e com muitas amigas ao redor, fazendo
pequenas viagens de estudo e apresentações na região de Araraquara, minha
cidade natal. Isso foi entre 1976 e 1986, quando então me mudei para São Paulo,
para fazer a universidade. Não sei bem explicar por que, mas com essa mudança eu acabei deixando um pouquinho de
lado a dança. Mas por pouco tempo. Em São Paulo encontrei casualmente a dança
do ventre, com a professora Marcia
Nogueira. Ela era encantadora, mas a dedicação aos estudos universitários não
me permitiu seguir as aulas com continuidade. E de novo me afastei. Mas esse
encontro com a dança do ventre de alguma maneira me marcou profundamente, tanto
é verdade que, assim que pude voltar a
dançar (aos 19 ou 20 anos), escolhi a dança do ventre e nunca mais parei.
BLOG: Quais foram as professoras que mais marcaram no seu aprendizado e por
quê?
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Tango o della casta voluttà (2005)
Photo Pasquale Modica
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Minha querida amiga Yasmin Nammu
foi minha primeira mestra (e eu, se não me engano, sua primeira aluna). Passei
anos freqüentando seu estúdio em São Paulo. Quando me mudei para a Itália,
foi o coreografo egípcio Saad Ismail
quem completou minha formação na dança oriental. Desde que comecei a me
interessar pelo estilo tribal, em torno ao ano 2000, minha referência foi
sempre Carolena Nericcio, que tive
oportunidade de encontrar quatro vezes pessoalmente, das quais a mais
importante foi a formação intensiva em São Francisco (2010). Estudei com
dezenas de outros professores, alguns bons, alguns maravilhosos e alguns
simplesmente “ok”. Para mim um professor tem que transmitir muito mais do que
uma técnica, mas uma cultura, um modo de ser, um approach ao movimento e à vida. Nesse sentido, quem mais me marcou
na dança tribal foi minha também querida amiga Geneva Bybee.
BLOG: Além da dança tribal você já fez ou faz mais algum tipo de dança? Há
quanto tempo?
Eu sempre tive curiosidade de conhecer outras danças, e quando posso
faço alguma aula ou workshop de flamenco, de butoh, de dança contemporânea ou
de balé, de tribal fusion e de danças ciganas. É mais para nutrir a alma, para
inspirar no corpo novas posturas. Eu também pratico constantemente pilates e
ando de bicicleta.
BLOG: Quais foram suas primeiras inspirações? Quais suas atuais inspirações?
Minha inspiração é sempre a Arte: música, poesia, artes visuais, teatro.
É dali que vem todas as minhas idéias, inspirações e projetos.
BLOG: O quê a dança acrescentou em sua vida?
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Festival BellyFusions (2011)
Photo Severine Jambot
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Em um certo período em que estava refletindo muito sobre o papel da
dança na minha vida, eu tive um sonho: estava bordando uma roupa no corpo (como
às vezes realmente faço!) e junto com o tecido eu costurava a pele. Não era uma
imagem de dor. Era uma representação da dança costurada no corpo, naturalmente.
Então, para mim é isso: a dança acrescentou um sentido a tudo, ao corpo e à existência
no espaço e no tempo.
BLOG: O quê você mais aprecia nesta arte?
Eu amo muito a imediatez da dança, no sentido que não necessita nenhum
instrumento além do corpo. A música, claro, é a parceira número um da dança.
Mas nem a música é fundamental, no fundo. Só o corpo mesmo.
BLOG: O quê prejudica a dança do ventre e como melhorar essa situação?Você acha
que o tribal está livre disso?
A dança oriental nasceu com um aspecto popular, autêntico e espontâneo,
porém possui também outro mais refinado, cortesão e culto. Este segundo aspecto
quase se perdeu, e todas as variantes da dança do ventre que hoje são praticadas
(inclusive o tribal) provém do baladi, do folclore, do cabaret, da festa. Eu
quero dizer que a dança espontânea é legal, mas nem sempre é artística. Fazendo
uma analogia, seria o mesmo que a arte em relação ao artesanato. É enfim no
teatro – na minha opinião - que a dança pode atingir o máximo da sua expressão,
pois no teatro, juntamente com a pura expressividade corporal, entram em jogo
outros conceitos como composição, iluminação, direção etc. Eu acredito que a
melhor ambição para a dança, seja oriental ou tribal, é o palco.
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Tribal Tour Isabel De Lorenzo Geneva Bybee, Salvador (2010) |
BLOG: Você já sofreu preconceitos , indignação ou frustração durante seu
percurso na dança?E conquistas?Fale um pouco sobre elas.
Ser uma dançarina profissional não é a coisa mais fácil deste mundo, mas
é uma grande riqueza, pois a visão de mundo que a dançarina adquire, mesmo
enfrentando pequenas frustrações ou preconceitos, é ampla e doce,tornando-se incomparável.
Eu não sofri grandes preconceitos ou frustrações, muito menos indignações, e
sempre enfrentei os obstáculos com coragem. Claro que não foi assim fácil, pois
para sentir-me livre na dança como profissão eu tive simplesmente que mudar de país.
Esta foi ao mesmo tempo minha maior dificuldade e minha maior conquista.
BLOG:Você
foi uma das primeiras bailarinas brasileiras a se envolver com o ATS®, por
quê você começou a querer ou ver necessidade em se aprofundar no ATS®? Como
eram as informações sobre o estilo na época em que você começou a pesquisar?
Sabe-se
bem que atualmente é muito fácil sentir-se atualizado com os acontecimentos do mundo
tribal, por causa da internet acessível a todos. Isso é ótimo por um lado, mas
por outro torna o aprendizado superficial. Em 2000 eu descobri a comunidade
tribal americana, também pela internet e, imediatamente, comecei a encomendar
livros, cds e dvs para estudar, junto com um grupo de amigas na Itália. Constituímos
a primeira formação da troupe Carovana
Tribale e, apesar de sermos autodidatas, tínhamos já uma longa experiência
na dança oriental. Desde então, eu não parei mais de estudar, e nem pretendo
parar! O American Tribal Style® me
cativou pelo trabalho de grupo, pela estética, pela filosofia proposta e pela
constante evolução.
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Tango o della casta voluttà (2005) Photo Pasquale Modica |
BLOG: Como
é o cenário da dança tribal na Itália e Europa na época em que você começou com
a dança por lá e como ela é agora? Pontos positivos, negativos, apoio de Roma,
repercussão por parte do público bem como pela comunidade de dança do
ventre/tribal?
Até 2006,
pelo menos, havia apenas dois grupos de tribal na Itália: a Carovana Tribale, em Roma, praticando
ATS®, segundo o Fat Chance Belly Dance,
e Les Soeurs Tribales, em Milão, praticando ITS estilo Gypsy Caravan. Somos muito amigas e
sempre compartilhamos com alegria o fato de sermos pioneiras. Só bem mais
recentemente, com a explosão da Tribal Fusion (após Bellydance Superstars), é que este estilo passou a ter mais
visibilidade na Europa. Tem sido um caminho lento, mas decisivo, vejo que o ATS® atrai cada vez
mais dançarinas de outros estilos (seja oriental, seja fusion) que sentem
vontade de compartilhar momentos de dança. E assim a comunidade cresce.
BLOG: Conte-nos
como surgiu a Carovana Tribale, a etimologia da palavra, seus
integrantes,
qual estilo marcante do mesmo e se ele sofreu alguma mudança estrutural ou de
estilo desde quando foi criado até agora.
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Carovana Tribale (2010)
Photo Raniero Gelli
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A palavra
“caravana”, como se sabe, vem da língua persa e significa um grupo que viaja no
deserto. Quando denominamos “Carovana Tribale” (que em italiano significa
obviamente “caravana tribal”),com a
primeira formação da nossa troupe (éramos três), tivemos a idéia de
simplesmente unir inspirações em torno do conceito de viagem: onde houvesse
“tribal”, lá estaríamos em comboio. E assim foi. A troupe se modificou, incluiu
alunas por um certo tempo e depois voltou a ser mais profissional. Hoje em dia
somos eu e Silvia Grassi, minha aluna
de muitos anos e atualmente soberba dançarina, que conduzimos “la Carovana”,
por vezes convidando hóspedes, colegas, alunas, ou dançando com a nossa
companheira desde muitos anos, Lucilla
Giorgetti.
BLOG: Você é produtora do evento Roma Tribal Meeting que se destaca na
Itália e vem se destacando no cenário de eventos europeus. Conte-nos como
surgiu a idéia do evento, sua proposta e objetivos, organização e elaboração
deste,bem como a repercussão do mesmo para a comunidade tribal quanto para seu
público na Itália e também abrangendo a Europa.
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Tribal Tour Isabel De Lorenzo Geneva Bybee,
Salvador (2010) |
O Roma Tribal Meeting surgiu de uma idéia
da dançarina americana Geneva Bybee,
que esteve várias vezes na Itália, entre 2006 e 2011. Ela teve um papel
fundamental na formação da primeira geração de Tribal Fusion na Europa, porque
sempre transmitiu técnica de alta qualidade e sobretudo uma filosofia de vida
inspiradora para a nascente comunidade Tribal, principalmente na Itália. Com o
apoio da minha sócia no centro de dança San Lo’, criamos a primeira edição do Roma Tribal Meeting (em 2010) de maneira
muito intuitiva, sem grandes pretensões, e o projeto funcionou. A beleza deste
evento (cuja quarta edição será em maio de 2014) é que professoras e companhias
de vários países europeus apresentam suas propostas de participação (em
resposta uma “Call for Artists”, uma espécie de edital), e assim a equipe
organizadora cria um mosaico de workshops e performances que abrangem todos os
estilos da dança tribal, do ATS® ao dark/gótico. Alunas de inúmeros países (da
Espanha à Rússia, do Reino Unido à Republica Tcheca, etc.) tomam parte aos
workshops e se apresentam no Open Stage/Hafla. A cada edição, temos também um
hospede especial para a musica ao vivo: já participaram o duo californiano Helm, o beatboxer Pete List, o ensemble de percussão italiano Takadum Orchestra. A cada edição propomos um tema que é discutido
por todos numa interessantíssima mesa redonda. É um evento no-profit que obtém resultados excepcionais do ponto de vista do fortalecimento
da comunidade, que é, enfim, o nosso objetivo. Neste momento está aberta a
“Call for Artists” para a edição 2014. Seria muito bom começar a receber
bailarinas de além-mar também!
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Isabel De Lorenzo e Carolena Nericcio |
BLOG:
Em 2010 você obteve sua certificação em ATS® com a criadora do estilo, Carolena
Nericcio. Gostaria que nos explicasse melhor sobre o processo de
certificação(General Skills/ Teacher Training1 e 2) e como se alcança o tão
estimado selo de Sister Studio. E qual importância de conseguir tal certificação,
em sua opinião?
A especialização em São Francisco com Carolena Nericcio (em 2010) foi um dos
melhores momentos da minha carreira, por várias razões. A experiência de passar
quinze dias freqüentando cotidianamente o estúdio-mãe, ou seja, o FCBD®, é em
si enriquecedora tecnicamente e humanamente. O General Skills ou resumo do formato ATS®, é uma passagem
importante, através da qual a dançarina pode incrementar a própria qualidade técnica
e a própria visão do ATS®; é um curso aberto a todos os níveis. O Teacher Training é um precioso método
para a transformação do conhecimento acumulado em informação a ser transmitida
corretamente. Eu sempre acreditei que uma boa professora necessita muito mais
do que um training intensivo, ou
seja, uma inteira vida dedicada ao estudo constante e ao ensino consciente.
Mas, tenho que admitir, o Teacher
Training, mesmo que breve, me acrescentou bastante. O selo Sister Studio é obtido por meio de um
pedido endereçado diretamente a Carolena,
e de uma sua resposta positiva obviamente. É uma espécie de conversa, breve,
concisa e ao mesmo tempo muito profunda. Difícil explicar para quem não está
nos meandros do processo: para ser um Sister
Studio a dançarina tem que se sentir à vontade dentro do formato. É isso. É
um processo que, aliás, e por sorte, não tem fim.
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Tribes Brasil Fest, Rio de Janeiro (2010) |
BLOG:
Você participou do processo de introdução do ATS®
no Brasil, quando em 2009 e 2010, você ministrou alguns workshops no país (RJ,
SP, RS e BA). Como você enxergava a dança nesta época inicial, quais eram as
principais dúvidas e dificuldades das brasileiras perante isso?
Você
acha que, apesar de ter passado apenas alguns anos, a dança amadureceu no país
ou ainda seu avanço é tímido?
Naturalmente o ATS® no Brasil amadureceu muito.
Acontece desde sempre com a dança, assim como com outras correntes artísticas
no nosso país, um curioso fenômeno. O contato com as fontes é limitado e difícil,
ao passo que a criatividade é grande e ilimitada. Isso pode dar pérolas ou
monstros. No principio eu via a dança tribal no Brasil enjaulada nesta
dificuldade de acesso, com boas tentativas de superação criativa mas também com
muita reprodução infeliz. Hoje parece que tudo mudou, e isso graças à internet,
graças à disponibilidade da comunidade ATS® de viajar e de trazer ao país bons
professores, e enfim – eu arriscaria dizer - graças à abertura política, econômica
e social brasileira. Quando eu comecei a dançar, nos primeiros anos 90, era
quase impossível importar um livro, um cd ou um vídeo.
BLOG:
Quando você ainda morava no Brasil, você teve contato com o ATS®? Como eram as
informações sobre este estilo que chegavam no país? Como era a Dança Tribal
naquela época?
Com Yasmin
Nammu, nos anos 90 em São Paulo, eu tive acesso aos primeiros vídeos de Suhaila Salimpour, por exemplo, assim
como ao primeiro livro de Wendy
Buonaventura. Eu não tive nenhuma informação explicita sobre o nascente ATS®
daqueles anos, mas indiretamente sim, porque Jamila Salimpour era mencionada naquelas fontes. Mas denominação
“estilo tribal” eu só vim a conhecer quando já morava na Europa.
BLOG:
Como você descreveria seu estilo;como você se expressa na dança?
Meu estilo reflete a variedade de influências que
busco. Em um certo aspecto é avant la lettre, revolucionário. Ao mesmo
tempo, é sóbrio e delicado - creio eu. Minha melhor expressão é no teatro. Contando
uma história, mesmo que abstrata, através da dança. O teatro-dança é meu grande
amor e os melhores momentos do meu percurso artístico se deram nessa forma.
Posso citar dois trabalhos que fiz como atriz-dançarina sob a direção de
grandes mestres, o primeiro com a companhia de Oretta Bizzarri (“Tango o della casta voluttà”, 2005) e o segundo
com a companhia de Fabio Ciccalè
(“Free Lux Dei”, 2009), além dos dois espetáculo que dirigi, “Al-muallaqat/Le
sospese” (2008) e “Frida Suite” (2012).
BLOG: Quais seus projetos para 2014? E mais
futuramente?
No ano que vem eu estarei viajando bastante com meus
workshops pela Itália. Também viajarei com um novo e entusiasmante projeto que
se chama ATS® Sisters Collective,
composto por cinco FCBD® Sister Studios de diversos países: eu e Silvia Grassi- Italia, Ilhaam-Espanha, Gudrun Herold- Alemanha, e Philippa
Moirai- Grã-Bretanha.
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ATS Sisters Collective (2013)
Photo Federico Ugolini
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Em maio haverá a quarta edição do Roma
Tribal Meeting. Quero também retomar meu último espetáculo teatral, “Frida
Suite”. Gostaria de mostrá-lo um pouco mais, inclusive no Brasil. E, no
dia-a-dia, tenho minhas alunas e minha escola para cuidar. Mais futuramente...
eu não sei. Gostaria de poder passar mais tempo no Brasil, isso sim.
BLOG: Improvisar ou coreografar?E por quê?
Na improvisação está a genialidade do ATS®. Eu adoro
improvisar, adoro ver colegas e alunas improvisando, porque o caráter efêmero
da improvisação torna cada performance única. Se dança pelo prazer de dançar.
Mas quando se trata de teatro-dança a improvisação não pode existir, a meu ver.
Cada mínimo gesto teatral é estudado, cada movimento é coreografado. Para que
se possa atingir uma expressividade mais complexa, a dançarina não pode estar à
mercê das surpresas da improvisação.
BLOG: Você trabalha somente com dança?
Sim.
BLOG: Deixe um recado para os leitores do blog?
A dança
necessita de inspiração: na vida e na arte devemos buscar autenticidade, amor, emoções,
beleza, para que retornem, na nossa dança.
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