Por Kayra Nataraja (Santos-SP)
Colaboração especial para coluna Resenhando-SP
Coordenação: Irene Patelli
Quem visita a praia do
Itararé, em São Vicente, observa uma pedra grande, solitária, na beira do mar.
Em cima dela uma escultura revela a imagem de uma mulher, erguendo aos céus uma
oferenda. A história por trás da obra é uma alusão a uma lenda, que habitou o
imaginário dos moradores da região ao longo dos séculos. Conta-se que uma
mulher misteriosa, de cabelos desgrenhados e mal vestida era vista por alí.
Falava sozinha, acenava para o mar, fazia fogueiras e às vezes, exausta,
adormecia sobre a pedra. O motivo de tanta dor seria uma marinheiro português,
com quem tivera um caso de amor. O marujo partiu, deixando-a grávida e com a
promessa jamais cumprida de que voltaria para buscá-la.
Praticar dança tribal aqui
em São Vicente tem umas particularidades deliciosas. A primeira delas é a
liberdade que temos para criar e vivenciar nossas inspirações. Todos os nossos
dons são aproveitados. Há espaço para diversos talentos. Assim como há espaço
para todos que queiram descer a serra. O grupo vai aumentando, trazendo pessoas
de várias cidades e esses momentos são apaixonantes. É mágico olhar em volta e
se perceber cercada por pessoas tão interessantes e sensíveis… todos unidos
para deixar no mundo sua pincelada de arte!
E assim, nessa atmosfera
leve, veio a ideia do Marcelo Justino, de criar um espetáculo inspirado nesta
lenda. E a responsável por caçar nossos talentos e fazer a coisa acontecer
chama-se Dayeah Khalil. Falar dessa mulher requer um capítulo à parte e, sem
dúvida, vou me rasgar em elogios. Porque o que ela faz é absolutamente
incrível. Com suas palavras sempre doces e olhar afinado ela sabe exatamente o
que “puxar” de cada uma de nós. Nos guia na dança e nos permite ir além… assim
cantamos, declamamos poemas, tocamos instrumentos e podemos viver o
êxtase de se entregar a arte sem os cruéis parâmetros do “esteticamente
perfeito”.
Em Fevereiro desse ano
estávamos lá, na Concha Acústica de Santos. Todo o roteiro pronto, músicas e
poemas na ponta da língua, instrumentos afinados, coreografias ensaiadas,
figurino impecável. Entramos no palco… e começou a chover… Espetáculo adiado
para data a ser remarcada. Daí o corona vírus entrou em cena… sem previsão de
terminar seu show dantesco. Atire o primeiro rivotril quem não pirou nessa
quarentena. Mas esse vírus maléfico “não contava com a astúcia” da
Dayeah… pensa que ela sossegou??? Não conhece essa mulher… Ela seguiu com
as aulas em formato virtual e botou todo mundo para estudar.
Aproveitando nossa tradição do Tribal Beach, Outubro é
o mês do Dark. E esse lance de feiticeira andando na praia descabelada,
chorando e falando sozinha casa bem com a data. E assim, no meio de um
isolamento social imposto, começou o processo de reorganizar o espetáculo, para
que ele se encaixasse no formato virtual. Cada uma trouxe suas
percepções, que foram somadas ao todo. Conseguimos exercitar aspectos
artísticos muito variados: narrar a história, ilustrar o enredo, cantar, tocar,
declamar, fotografar… e dançar! Os cantinhos de nossas casas foram
transformados em palcos, estúdios de gravação, ateliês… Todas as contribuições
alinhadas ao roteiro.
No dia 29 no Outubro o
vídeo foi lançado no Youtube, mantendo a tradição de ter perto de nós tanta
gente incrível, mesmo que estivéssemos longe. Podemos ver alí o trabalho de
cada um em vivenciar detalhes do mito, temperando tudo com sua verdade e
beleza.
Talvez, o que estejamos
construindo por aqui seja algo que vai além da dança tribal, embora ela seja o
cerne de tudo. É sobretudo um trabalho de valorização das nossas expressões
artísticas e de sororidade. O presente que a Dayeah nos proporciona com sua
liderança é um carinho tão bom na nossa auto estima que sempre queremos mais.
Nossa inspiração está sempre alerta e dançar com essas mulheres faz a gente se
sentir mais uma loba da alcateia. Quer saber como é? Só vem!
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Resenhando-SP
Kayra Nataraja (Santos-SP) , transitando pelo universo da auto descoberta através da dança desde 1999, aluna da professora Dayeah Khalil. Conduz, em parceria com Samaa Hamraa rodas de dança meditativa na força do Sagrado Feminino.
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Irene Rachel Patelli (São Paulo-SP) é técnica em dança formada pela Etec de Artes/SP, coreógrafa, bailarina/dançarina, performer, professora de tribal fusion, dark fusion e ATS. Formação em yôga, pesquisadora de ghawazee e zaar. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>