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[Danças & Andanças] Reflexões e Divagações de uma Dançarina

por Carla Mimi Coelho


Despedida de 2021 e tudo o que não faz mais sentido

Um ano que chega ao fim e tudo o que desejamos é deixar para trás todas as conturbações, sofrimentos, desafios e dificuldades vividos por todos nós. Agora é só despedir do gosto amargo de um tempo confuso que nos despertou tantos questionamentos, tanta indignação e seguir, adentrando um novo ciclo que chega.

Entretanto, como seres muito adaptáveis que somos, tantos desafios deste ano do qual nos despedimos também nos incitaram a desenvolver estratégias e ferramentas criativas, possibilitando nossa sobrevivência em meio ao que parecia um caos sem solução. Sim, sofremos diversas perdas mas também aprendemos novas formas de fazer nossa arte (expressão, prática e ensino). Formas estas que nos permitiram alcançar pessoas fisicamente do outro lado do mundo e que nos trouxe novas pressões, exigências e objetivos. Possibilidades surpreendentes que significam também mais trabalho diante de outras requisições.

Números agora importam de maneira substancial e corremos em busca de sua mutliplicação. Analisamos os elementos, pensamos em estratégia e lutamos pelo engajamento, ações em redes sociais através da tela. Quem de nós nunca ficou confuso diante de um comportamento inexplicável daquele tal e tão famoso algoritmo?

O nosso ofício agora incorpora múltiplos conhecimentos e especialidades. Se antes nos considerávamos profissionais da Dança, agora agregamos conhecimentos de diversas outras áreas como marketing, design gráfico, videografia, fotografia, gestão e tantas outras. Mudamos pela necessidade atual de expor a arte em completude e em todos seus detalhes.

 O trabalho, então, parece interminável e a mesma ferramenta que nos traz conhecimento e inspiração representa também um mar de responsabilidades, comparações e competições de mercado. Aquilo que nos possibilita tanto é acompanhado do que eu costumo chamar de teste de auto confiança em si e no seu próprio trabalho, uma vez que  o ‘se comparar’ parece inevitável quando tudo é acessível a uma distância de apenas um toque na tela.

Estamos na geração dos criadores de conteúdo e a dança ganhou um espaço interessante e novo aos olhos de seus profissionais. A geração TikTok e Instagram está aqui e com ela, milhares de vídeos com sequências rápidas de dança executada por profissionais e amadores espremidos pelos limites cada vez mais reduzidos de uma tela. Tantas versões, tantos estilos, tantas variedades. E com todo esse movimento surgem os questionamentos, as preocupações, as comparações...

E como se não bastassem estas pressões no modo em que apresentamos e entregamos o trabalho que fazemos, o nosso estilo de dança, o Fusion Bellydance/ Tribal Fusion enfrenta novamente uma onda de questionamentos sobre ética, apropriação cultural e responsabilidades. Vimos muitas profissionais da base desse estilo se silenciarem pelo medo de errar e da inadequação de suas criações. A nossa linguagem na dança se estremeceu e está enfrentando dúvidas sobre sua existência.

Diante disso nos perguntamos: Prosseguimos? Como criar e se expressar em um mundo de pressões? Como confiar em nossa ações em movimento e expressões? O que dançamos e como dançamos?

Quem me conhece já sabe que até aqui já falamos de argumentos suficientes para me deixar louca em desespero com minhas vozes interiores, insegurança e sobrecarga de autocobranças. E agora? Como uma pessoa de uma geração criada pelas posturas de mindset fixo, tudo isso aí já representa motivos suficientes para me manter em estado eterno de procrastinação.

Diante disso, fui buscar vozes que me guiassem pelo mindset de crescimento e me dessem esperança e material para um planejamento de como prosseguir sendo eu, artista da dança, profissional do movimento.

Em meio a esta busca, deparei-me com a sabedoria e estudos de Mariana Quadros em  seu workshop “Fusion Bellydance – Histórias, Inspirações e Referências”, o qual me resgatou para um lado da Dança que tinha hibernado em mim em meio ao caos dos questionamentos do nosso estilo. A dança nasce de um estado maior, que nos transcende e nos eleva. Mais que somente um estilo, a sua voz e seu eu dançante se encontram entranhados no seu ser e cabe a nós abrir essa escuta para acessar a expressão que nos é profunda. Inspiremo-nos naquelas que nos antecederam e estão nas bases da dança moderna e que também se expressaram pela força do movimento de seus corpos, evidenciando o poder feminino e seus mistérios, mergulhando na vida e na própria arte como alimentos principais de sua expressão. O contato profundo com a natureza e o se sentir em conexão com o ambiente, como Isadora Duncan. O meditar em si, na sua respiração que reflete em movimento como Martha Graham. O ser tocado por uma obra de arte, permitindo um diálogo entre movimento, letras, sons, tintas, elementos. A imensidão de possibilidades no ambiente e nas artes que nos pode impulsionar para uma expressão que reflita nossa experiência única, enquanto indivíduos, com aquilo que dialoga realmente com nosso interior.

Busquei uma frase em que Doris Humphrey descreve Ruth St. Denis ainda na expectativa de ampliar os horizontes sobre a dança e seu alcance: “Aqui está uma mulher que viu a dança como um todo, em sua completude. Ela não era interessada em somente um pequeno segmento mas no todo completo, na Dança por inteira...”

Estamos tão condicionados ao momento do agora com uma visão reduzida ao micro, ao detalhe, a uma única forma que esquecemos de quão vasta, rica e múltipla é nossa herança na Dança. Se abrirmos os horizontes para uma visão macro do que fazemos parte, a nossa dança ganhará em completude e terá a expressão que queremos enquanto Arte.

Sim, precisamos das ferramentas técnicas para nos expressar livremente, mas não nos esqueçamos da substância, daquilo que nos destaca como profissionais da Arte de Dança.

Então, impulsionada por estas inspirações fui em busca de meios de se estruturar um plano de ação para solucionar o que Honoré de Balzac considera o nosso maior problema, enquanto artistas, o como se fazer notado pelo público. Lembrei então de um livro que li para o programa 8 Elements da Rachel Brice, “Mostre Seu Trabalho” de Austin Kleon, o qual apresenta dez formas de se compartilhar sua criatividade e ser descoberto pelo público.

Austin pontua em seu livro que o artista na verdade não encontra um público para seu trabalho, as pessoas é que o encontram. De tal forma que não é suficiente ser bom na sua profissão, você tem que se fazer encontrável para que as pessoas te encontrem.

Criar é um processo longo e incerto, um artista deve mostrar seu trabalho. E ao contrário do que pensamos muitas vezes, você não precisa ser um gênio. Basta encontrar uma cena (ambiente virtual no caso, plataformas) que lhe agrade e com a qual se identifica e, então, mostre o que tem para mostrar, ofereça aquilo que pode fazer e para algumas pessoas isso será muito melhor do que você possa imaginar.

Ainda, o autor incentiva o abandono da ideia de que somente alguns indivíduos criativos reconhecidos como talentos possam colaborar com o universo criativo, abrindo espaço para que outros participem da trajetória criativa. O bom trabalho não é criado no vácuo e a criatividade é sempre, de alguma forma, uma colaboração resultante de uma mente conectada a outras mentes. Lembremos de que Online todos – artistas e curadores, mestres e aprendizes, profissionais e amadores – têm a habilidade de contribuir com algo.

Desmistificar a ecologia de talentos é reconhecer que todos os grandes gênios e talentos muitas vezes percebidos como despontados e à parte de um todo na verdade pertencem à uma cena completa onde as pessoas apoiam umas às outras, observam o trabalho, copiam, roubam ideias e contribuem ideias de uma das outras.

Um último ponto a se ressaltar e não me delongar muito mais é todos nós deveríamos agir como um amador. Charles Chaplin já dizia “É o que todos nós somos: amadores. Não vivemos o bastante para ser qualquer outra coisa”.

Amadores são entusiasmados, eternos apaixonados e agem sem pensar tanto no resultado perfeito. Eles não temem erros e falhas, e em suas ações não profissionais fazem inúmeras descobertas. Na mente de um iniciante as possibilidades são infinitas.

Ampliando esta reflexão, o ato criativo mais medíocre ainda é um ato criativo em si. Há espaço para evolução e com a prática vem o crescimento, não importando quão rápido se dê o progresso. Agora, se pensarmos bem há sim uma diferença considerável entre ‘o não fazer nada’ e o ‘fazer algo’. Finalizando, amadores aprendem durante uma vida toda e o fazem publicamente, para que outros possam aprender com suas falhas e sucessos.

Se você aí é como eu, que foram criados sob um mindset fixo e receia mostrar suas falhas, seus processos, sua trajetória nada perfeita, adentremos juntos este 2022 nos libertando dessas amarras, despedindo deste pensamento podador e não criativo. A melhor forma de começar este novo caminho de mostrar o seu trabalho é refletir sobre o que quer aprender, tornar isso um compromisso pessoal de aprender na frente de outros. Não importa o quão ruim seus esforços vão parecer no início. Não se preocupe com o resultado de imediato. Vista o seu amadorismo - seu coração, seu amor- , produza, e aproveite o processo. Compartilhe o que ama e as pessoas que amam as mesmas coisas te encontrarão pelo caminho.

Eu sei que tudo isso pode soar como um devaneio sem sentido para muitos, no entanto, será impossível encontrar sua voz se você não a usar. Ela está conectada às sua natureza, está em você. Então, dance sua voz, dance o que ama e sua verdadeira expressão surgirá. Tchau 2021 e que seja bem-vindo um novo ciclo! Feliz 2022!



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Danças & Andanças

Mimi Coelho (Portland-OR, EUA | Belo Horizonte-MG, Brasil) , formou-se em Artes Cênicas pela UFMG e foi a primeira brasileira a se formar como professora do Datura Style™, sendo única no país com esta formação. Atualmente, faz parte de 3 companhias de dança: Variat Dance Collective (companhia de fusão experimental de dança do ventre), Baksana Ensemble (companhia de dança e música ao vivo, inspirada nas danças egípcias, turcas e balcânicas) e  a PDX Contemporary Ballet (companhia de Ballet contemporâneo) . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Danças & Andanças] A dança na tela – Transportando o Espectador para o filme de dança pelo Efeito de Presença

 por Mimi Coelho


Estou muito feliz por retornar ao Blog Coletivo Tribal agora sob uma nova coluna que propõe o meu compartilhar sobre as “andanças” que a dança me leva pelo mundo real e cada vez mais pelo mundo virtual. Posso dizer com grande convicção que grande parte da minha vida foi e é conduzida consciente e por vezes, inconscientemente, pela dança. Ela me proporciona vivências únicas, especiais, uma trajetória que agora divido prazerosamente com vocês aqui.


Atualmente, vivemos um momento conturbado de mudanças repentinas e diárias. E para que possamos sobreviver enquanto artistas e seres criativos neste cenário tão dinâmico precisamos desenvolver nossa capacidade de adaptação rápida, abraçando novas estratégias e tecnologias.


Estamos sendo pressionados com tudo para dentro do mundo virtual, sejamos preparados ou não. A impossibilidade de se apresentar a nossa arte, que sempre foi vista como efêmera e presencial da maneira de costume, diante de um público físico em um espaço considerado de dança, estremece nossas estruturas e nosso sentir. E isto talvez se deva ao fato de dependermos enquanto artistas da troca de energia com a nossa audiência no ato da nossa performance.


Lidamos então com uma nova forma de apresentação (se pensarmos bem, nem tão nova assim, pois já existiam os filmes de dança previamente a tudo isso). Contamos agora com a possibilidade de criarmos através da tela um novo espaço para nossa dança.


Mas como fazer dessa experiência de dança uma vivência completa para o espectador? Como transmitir através da tela a energia, o “sentir do momento” que nossa arte proporciona quando temos a presença física tanto do artista quanto do público?


Essas questões impulsionam a reflexão sobre como queremos entregar a imagem de nossa dança. Isto é,  como gerar intencionalmente a percepção do espectador acerca do movimento pelo corpo e do seu desenho pelo espaço. E essa problemática ganha uma escala ainda maior quando envolvemos o processo criativo, ou seja, a concepção da dança com relação ao espaço cênico e ao entendimento do mesmo pelo público. Além de criar o movimento há agora a necessidade de se conceber também a forma de enquadramento das cenas no espaço de dança para que o público perceba a intensidade e sinta a sensação de estar presente no momento em que assiste à obra.


A ausência é absoluta, mas a presença tem seus níveis de intensidade”.

- Genette, 1972


Em outras palavras, a dança por ser uma arte viva se beneficia da presença física para transmitir a intensidade de seu efeito ao espectador. A fim de que a nossa audiência sinta essa sensação de presença ao assistir a dança pela tela, cabe ao artista criar possibilidades de enquadramento de cenas seja pela edição, seja pela forma de se posicionar a câmera e/ou seja pela maneira de se filmar (câmera móvel ou estática, múltiplas câmeras em diversos ângulos, dentre outros), aproximando, transportando o público para dentro da obra.


Estamos presentes onde nossa atenção está focada, seja um ambiente físico real, seja por meio de um dispositivo mediado. […] Nas artes ficcionais, a vivência da imersão em um mundo imaginário constitui um poderoso elemento atrativo da atenção do espectador, que envolve sua atividade mental. Quando a ação dramatúrgica de uma performance ou de um filme o seduz, sua atenção fica inteiramente absorvida pelo desenvolvimento ficcional dos personagens ou das situações que o tornam presente ao ato de espectatura”.

-René Bourassa, 2013


A maneira mais simples e previsível de se apresentar a dança pela tela ocorre através da utilização de uma câmera frontal estática que registra a coreografia através de um único enquadramento, um único ângulo de visão. Tal visão corresponde ao que as Artes Cênicas incluem nos conceitos de Quarta Parede e Palco Italiano. O espectador presencia a apresentação da obra como se esta se desse dentro de uma caixa, com um fundo e duas paredes laterais. Dessa forma, somente esta tela “chapada” configura a experiência de quem assiste como sem maiores interferências ou sensação de participação proporcionando em geral uma impressão de bidimensionalidade (não há percepção de texturas ou profundidade, somente do plano com altura e largura). Há alguns recursos cênicos, no entanto, que podem enriquecer esta perspectiva e até trazer uma ideia superficial de textura e/ou de profundidade. 



Neste vídeo produzido por Illan Rivière, percebemos diversas camadas no plano ainda que este seja somente um. Illan utilizou diferentes formas de iluminação e luzes presentes no espaço cênico  como uma forma de criar profundidade. Além disso, a disposição de elementos cênicos e de um cenário nas paredes laterais e as plantas no proscênio cria não só a ideia de várias camadas na tela, mas também traz a sensação de textura para as imagens, o que faz transparecer uma profundidade maior, chegando a quebrar a ideia de bidimensionalidade que este tipo de enquadramento único concebe. Estas são estratégias relevantes quando consideramos esta alternativa de filmagem.


O Efeito de Presença é o sentimento de um espectador de que os corpos ou objetos percebidos por seus olhos (ou por seus ouvidos) realmente estão ali, no mesmo espaço e no mesmo tempo nos quais se encontra, mesmo sabendo que eles estão ausentes.  - Josette Fèral, 2012


Outras estratégias que possibilitam um maior efeito de presença na audiência envolvem as ideias de amplificação e aproximação. Ou seja, ao se criar uma proximidade artificial utilizando-se planos fechados e multiplicando os pontos de vistas, a presença pode ser recuperada. Os planos fechados inspiram uma intimidade física com o artista que está sendo filmado.

Os enquadramentos aproximados reduzem a distância entre o local do filme e o seu público. Ainda, a mediação do artista/diretor/produtor (que em grande parte dos casos somos nós mesmos, os dançarinos), no intuito de provocar uma participação ativa por parte da plateia do filme, pode incluir efeitos de simulação, os quais deslocamentos em geral, entradas e saídas por exemplo, criam a ligação que uma continuidade de enredo requer. A mediação e edição também permitem que se conceba uma montagem capaz de reproduzir a imediatez de elementos/momentos surpresas (Highlights/ high points – clímax, momento alto, ápices). Esta "sensação de imediato" enriquece o fluir, o desenrolar do filme, proporcionando nuances, texturas e movimento à retórica do mesmo.


Dessa forma, destaca-se a relevância em se alterar a perspectiva por duas principais razões. Primeira: o envolvimento efetivo na ação pelo espectador do filme, que está ausente da presença material dos artistas, depende da aproximação virtual. A presença, então, pode ser recuperada de duas formas:


  • pela proximidade artificial que a câmera proporciona;
  • pela multiplicação dos pontos de vista.

Segunda: a diversidade das escalas de planos garante uma composição plástica que proporciona volume à bidimensionalidade da imagem, reforçando a ilusão de tridimensionalidade. A profundidade do campo, obtida por meio da perspectiva, busca produzir um espaço imaginário em conformidade com a percepção óptica do mundo real. Isto se refere à possibilidade de criação de um extracampo, uma ideia que vai depender da referência artista e local estabelecida em diferentes planos e escalas e até mesmo pela utilização de uma câmera móvel.


Em outras palavras, quando estabelecemos diversos pontos de filmagem, ainda que estáticos, há a possibilidade na edição de se elaborar uma colagem que transporte o espectador para a cena. Ele consegue perceber noções de profundidade, acompanhar ângulos diferentes da movimentação e diferentes formas  que o movimento desenha no espaço conforme as perspectivas diversas disponíveis. O público do filme consegue se transportar para o local de filme e recupera a presença.



No vídeo da Ebony Qualls, pode-se notar esta utilização de múltiplas câmeras estáticas, assim como a edição com alteração de foco o que evidencia este efeito de presença mencionado acima. A aproximação ganha o efeito esperado pelas diversas escalas e camadas em cada enquadramento escolhido. O uso de elementos cênicos e composições específicas de cenário, como a parede de espelhos, auxilia na criação de um extracampo e o espectador consegue relacionar o local, como um meio real, para além do fictício. O público do filme consegue se transportar para o ambiente de dança e o efeito de presença, e a  impressão de certa tridimensionalidade são alcançados.

É claro que nem todos nós temos condições de viabilizar um espaço cênico e múltiplas possibilidades de filmagem. Na maioria dos casos, somos os produtores e artistas do filme. Entretanto, com a prática e o planejamento de algumas estratégias, ainda pode ser possível a garantia do efeito de presença e uma colagem resultante que conduza o público pela energia e enredo desejados.

O vídeo acima é uma produção minha (longe de ser uma superprodução, viu gente? E sim, muitos erros e também muitos acertos podem ser percebidos). Eu tinha um enredo em mãos, os elementos de cena específicos (dentre eles a plataforma com água), além da estrutura coreográfica que compreendia os efeitos e os momentos altos. Estes foram intencionalmente filmados em ângulos e enquadramentos específicos em diversas tomadas. Como resultado, consegui  de certa maneira conduzir o espectador pelos movimentos, proporcionando uma aproximação maior da obra artística. Houve a possibilidade de entendimento do espaço de dança, das texturas e das diversas camadas que possuía. Como complemento de efeitos, integrei também o som ambiente do vento, da água e do bebê ao fundo, para obter um toque de realidade. Tudo isso seguindo o objetivo de se produzir um efeito de presença mais próximo do real. No entanto, foi impossível evitar a mudança de luz durante todo o período de filmagem (filmei no fim do dia e a luz altera muito e rapidamente com a proximidade do pôr do Sol). Isto porque não possuo equipamento completo com diversas fontes de iluminação e múltiplas câmeras. Conclusão, tive que assumir a diferença de luz, descontinuidade no balanço das plantas pelo vento e por aí vai. 


Um outro exemplo bem interessante para se analisar é o vídeo “Day Dreams”, produzido pelo Variat Dance Collective. Há claramente um enredo, um roteiro seguido que se compõe de uma parte teatral e uma parte de movimento de dança. Utilizou-se na edição elementos cênicos que apoiam a história e também estabelecem efeitos de texturas e camadas. O espectador participa da dinâmica em que se constrói a retórica do filme e o uso de filtros de cor na edição colabora com a sua imersão no local de dança. A utilização de uma câmera móvel, alterando os enquadramentos e os focos, evidenciando-se os planos fechados, aproxima e torna o espectador parte do movimento. O público vivencia uma proximidade que inspira uma intimidade física com as artistas. A colagem de enquadramentos das cenas se dá de forma harmoniosa com momentos altos definidos. As artistas comunicam-se diretamente para câmera como se convidassem a audiência a participar da obra. Há não somente o efeito de presença, como também a sensação de se relacionar diretamente com as artistas pelo movimento, o que significa a ruptura da Quarta Parede e a produção da ideia de tridimensionalidade. O espectador se transporta para o ambiente de dança e sente o movimento como se interferisse ativamente no mesmo.

São tantos e diversos os elementos que interferem na qualidade da dança na tela. A combinação estratégica de alguns destes juntamente à ideia de se planejar os enquadramentos das cenas, associados às intenções de criação da obra artística, possibilitam a produção de filmes de dança impactantes e com profundidade. Lembrando que a aproximação e a amplificação colaboram para que o efeito de presença seja gerado e, assim, a experiência do espectador torna-se mais interessante e dinâmica. O público dos filmes de dança quer sentir o movimento no espaço da obra e isso é extremamente dependente da forma que você irá conduzí-lo pelo sua visão de foco. O público verá aquilo que você evidenciar e sentirá também pela forma que você o conduzir. E no final, é só tentar se divertir e se armar de disposição para errar e aprender. Todo esse produzir artístico é uma jornada!

Pra finalizar, eu produzi este vídeo especialmente para este artigo. Nele eu utilizei a câmera móvel que permite o espectador participar mais intimamente da movimentação. Essa variação dinâmica de enquadramentos e proximidade produz o efeito de presença e a ideia de um espaço real. Há o diálogo direto com a câmera, o que convida a participação do público e implica na quebra da Quarta Parede, além de permitir que haja a percepção de tridimensionalidade. E aqui eu favorito a minha opção atual de filmagem, diversos enquadramentos, câmera móvel e edição dinâmica. Tento priorizar também as camadas e as texturas de imagens e de sons para que o ambiente esteja bem próximo, real, quase ao alcance dos dedos do espectador.


Referências


ANDES, Anna. The Instability of Suspending Audience Disbelief: Filming Productions at The Globe and The National Theater. In: SIMÉON, Sandrine; ALCAYAGA, Agathe Torti. Coup de Théâtre. Paris: Radac, 2017. P. 83-101. 

BAZIN, André. Théâtre et cinéma. Esprit, Paris, v. 19, p. 232-253, Août 1951. 

BAZIN, André. Qu’est-ce que le cinéma? Paris: Editions du Cerf, 1981. 

BOURASSA, René. De la présence aux effets de présence: entre l’apparaître et l’apparence. In: FÉRAL, Josette; PERROT, Edwige. Le Réel à l’Èpreuve des Technologies. Les Arts de la scène et les arts médiatiques. Rennes: Presses universitaires de Rennes, 2013. P. 129-148. 

FÉRAL, Josette; PERROT, Edwige. De la présence aux effets de présence. Ecarts et enjeux. In: FÉRAL, Josette. Pratiques Performatives, Body Remix. Rennes: Presses universitaires de Rennes , 2012. P. 11-26.


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Danças & Andanças

Mimi Coelho (Portland-OR, EUA | Belo Horizonte-MG, Brasil) , formou-se em Artes Cênicas pela UFMG e foi a primeira brasileira a se formar como professora do Datura Style™, sendo única no país com esta formação. Atualmente, faz parte de 3 companhias de dança: Variat Dance Collective (companhia de fusão experimental de dança do ventre), Baksana Ensemble (companhia de dança e música ao vivo, inspirada nas danças egípcias, turcas e balcânicas) e  a PDX Contemporary Ballet (companhia de Ballet contemporâneo) . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 


[Danças & Andanças] JamBallah NW 2017


por Mimi Coelho

Um festival de danças do Oriente Médio e Fusão Americana

Seguindo com minhas histórias na dança por terras estrangeiras, hoje contarei um pouquinho desse festival tão apaixonante que é o Jamballah NW! Mais especificamente, compartilharei minha experiência na edição de Agosto de 2017 neste festival que é palco para vários estilos e grande incentivador para a criatividade em fusões. Se você se interessa por festivais que oferecem workshops e performances criativos, da dança oriental tradicional à dança contemporânea, incluindo fusões, teoria e prática musical, dentre outros estilos maravilhosos, vem comigo porque o Jamballah pode lhe oferecer tudo isso e muito mais!


O JamBallah NW é organizado por Elise Morris, grande produtora de eventos em dança, embaixadora da dança pela Dance Wire PDX, presidente da Portland Bellydance Guild e linda performer de dança oriental e fusões, sendo também integrante da Allegro Dance Company.

Elise consegue reunir neste evento profissionais de diversas áreas, construindo um ambiente acolhedor, criativo e, sobretudo, incentivador da dança em geral. O trabalho dela ressalta pela atenção aos mínimos detalhes, pela organização primorosa desde ao primeiro abrir portas do festival ao último número de dança no Showcase. Dessa forma, as pessoas que comparecem ao evento, sejam estudantes de dança, professores ou admiradores da arte, vivenciam agradáveis momentos de muita leveza, festividade e principalmente inclusão.

A edição de 2017 contou com a presença de professores dos mais variados estilos, destacando-se Mardi Love, Rachel Brice, Ashley Lopez, DeAnna, Baksana, Serena Spears, Sarah Ebert, Nazaneen e Khadijah. Foram três dias de festival intensos que ocorreram no teatro Artists Repertory Theater, onde os participantes puderam desfrutar dos workshops, da feira e exposição de artesanatos, além das mostras de dança e dos showcases noturnos.

Um dos pontos mais altos do Jamballah NW 2017 foi a oportunidade de contatos diversos com profissionais nem sempre tão conhecidos no meio da dança, mas que possuem muita bagagem de qualidade para compartilhar.

Os Workshops

Em festivais de curta duração como este é muito difícil escolher e conciliar todas as suas preferências de aulas, conforme o foco de estudo que você desenvolve no momento. Dessa forma, priorizei o meu grande interesse nas bases e fundamentos do tribal, bem como no refinamento técnico e na teoria e prática musical na dança. Ou seja, desfrutei de aulas com Mardi Love, Rachel Brice e Baksana. Entretanto, confesso que fiquei extremamente curiosa com relação às aulas de Serena Spears (técnicas de fusão com danças latinas, técnicas de fusão com Hip Hop), Ashley Lopez (flexibilidade e prevenção de lesões) e Sarah Ebert (alma da dança contemporânea).

As oportunidades de estudo com Mardi Love são limitadas (não é sempre que ela ensina nos festivais), então sempre que aparece uma possibilidade acessível corro para me inscrever. Ela ofereceu três cursos no JamBallah: um mini-intensivo de seis horas, “Ode ao Twist e aos Giros” e Nova Coreografia.

“Vocês estão perguntando se eu me increvi nos três cursos? Sim, eu me inscrevi nos três cursos!” Isto porque, na minha opinião, a Mardi traz em seu repertório de dança movimentos clássicos do estilo que eu reconheço como Tribal Fusion (e novamente enfatizo que isto é uma visão minha, Mimi Coelho!). Ela incorpora em seu vocabulário a forma mais simples de fusão com a dança oriental em combinações brilhantes (muitas vezes inimagináveis) e ainda adiciona doses extras de elegância, força e até humor. Ao apresentar esse repertório de passos que seriam a base do Tribal Fusion para mim, Mardi consegue criar uma qualidade singular em sua execução, com doses extras de musicalidade e descontração. Além disso, outra característica que me atrai na dança dela é a fusão vintage”, o uso de movimentos originais do Charleston, Jazz e Swing, que já representa sua marca pessoal.

A cada encontro com a Mardi Love aprendo mais sobre a importância dos movimentos lentos e do refinamento na execução dos mesmos, o que traz uma elegância incomum para a dança. Os movimentos de braços e mãos evidenciam os isolamentos no corpo e compõem a beleza estética do todo. Por isso, sempre saio de suas aulas me sentindo mais alta e ampla. A sua forma de trabalhar a musicalidade também é muito particular, tenho a impressão de que Mardi canta a música com o corpo de forma sempre inesperada. Quando lento, ela prefere ressaltar o extremo dos movimentos, quando rápido, sua agilidade ao precisar cada isolamento deixa claro que o menor é sempre o mais aparente e belo. Não há exageros na movimentação, mas a autenticidade ao se criar o simples. E como sempre foi um deleite presenciar o quão suave e orgânico ela cria o movimento em dança. Mardi cultua a beleza continuamente em suas composições.


Além das aulas de Mardi Love, participei também do curso de "Giros Cintilantes e Específicos" para dançarinos experientes ministrado por minha professora Rachel Brice. Eu gosto sempre de aproveitar as chances que tenho para  aprimorar a minha técnica na execução do vocabulário do Datura Style e, claro, receber o direcionamento daquela que escolhi como minha mestra de dança.

Provavelmente, vocês estão me perguntando: “Por que não escolheu outras experiências de aprendizado e se inscreveu para uma aula que a Rachel ensinou algo do vocabulário do Datura Style, se você já é uma professora certificada do estilo?”

E a resposta para isso é: a maestria na execução da técnica exige tempo, prática e direcionamento. Acredito que todo estudante de dança, ainda que profissional, necessita de um guia, aquela pessoa em quem confia para lhe direcionar pelos caminhos do aprendizado/crescimento e da arte (devemos eleger nosso mestre principal, aquele a quem sempre recorremos em períodos de dúvidas ou crises). Dessa forma, cada aula, cada lição em classe é uma nova oportunidade de absorção de conhecimento e entendimento do movimento no seu corpo. Ou seja, ainda que eu tenha participado de muitos cursos e aulas com Rachel, tento estar presente no máximo de oportunidades para aprender com minha professora (lembrando que ela não ministra aulas regulares no Studio Datura).

Dito isso, no curso foi apresentado a sequência de giros que conhecemos como “Tsifti Spins” e o “Camel Walk Double Turn” do vocabulário Datura Style. O primeiro trabalha giros inspirados na dança clássica indiana Kathak e por isso são executados nos calcanhares dos pés. O segundo possui um “hook turn” seguido de “crossover turn” em tempo rápido. Ambos apresentam um grau elevado de dificuldade e Rachel nos guiou pelo passo a passo dos mesmos de maneira divertida, técnica e eficiente! A Elise postou um vídeo público do final do curso em que realizamos estes movimentos, o qual compartilho com vocês abaixo.

Giros e improviso no workshop de Rachel Brice


O último workshop do qual participei foi ministrado pelo grupo Baksana e me impressionou muito. Eles desenvolveram um método de notação musical para “finger cymbals” (snujs), possibilitando a leitura e a criação de partituras para as composições de dança. O método requer estudo aplicado para aqueles que planejam absorver e utilizar a técnica, uma vez que desenvolveram diversas formas de toques para os quais se produz diferentes sons. Além disso, eles também ensinam combinações destes toques que criam diferentes padrões para os diversos ritmos musicais. Segundo o que eles ensinaram e demonstraram, após o domínio das técnicas é possível criar dinâmicas de improviso entre os praticantes, quase como em uma dinâmica de roda de capoeira.


Improviso com Snujs, método Baksana, Baksana Bellydance

Essa experiência com certeza foi uma das mais desafiantes que já tive com relação ao tocar snujs. Para nos auxiliar em estudos posteriores, eles publicaram um livro sobre o método e toda a pesquisa que estão desenvolvendo sobre os nossos amados “finger cymbals”.


Isso não deixa a gente super animado para aprender mais? Vocês podem adquirir o livro deles online no site: https://baksanastore.ecwid.com/Baksanas-Finger-Cymbal-Notation-Vol-1-p89911740 e acompanhar o trabalho desse lindo grupo pelo site https://baksanabellydance.com/ . A fim de ilustrar melhor o quão desafiante e divertido é o método, compartilho com vocês um dos meus vídeos de minha participação do Desafio de Finger Cymbals que eles lançaram em fevereiro.


Challenge Finger Cymbals Awereness Month

A Exposição de Artesanatos – Feira

Como todo bom e tradicional festival da nossa comunidade, o JamBallah também organizou a tão amada feira. Os mais variados e enlouquecedores adereços, jóias, artigos pra dança, peças de roupas e figurinos foram expostos ao longo do hall e corredores do teatro. Muita cor, diversidade e opções para acariciar os olhos dos admiradores. Para nós brasileiros sem dúvida é dolorido ver tanta coisa linda, diferente e não poder comprar (bom pelo menos no meu caso), pois ainda que ofereçam preços atrativos, o valor do dólar dificulta muito a aquisição dessas belezas. Entretanto, é sempre divertido passear, conhecer pessoas e encontrar os amigos da dança pela feira! Afinal, os melhores papos acontecem pelos corredores das exposições!



Festival Show e JamBallah Showcase

O JamBallah realiza o Festival Show que simboliza e celebra a reunião de todos os dançarinos participantes procedentes dos mais diversos lugares do país e do mundo. Desde que o dançarino participe de pelo menos um workshop, ele pode se inscrever previamente e, então, apresentar-se no grande palco do festival. Para possibilitar a apresentação de todos, o JamBallah desenvolve uma prática interessante de limitar quantas vezes uma mesma pessoa dança em palco, a depender do interesse de participar com um solo, duo, trio ou grupo. Há a preocupação por parte do festival em se garantir a oportunidade para todos mostrarem seu trabalho, independente de técnica ou reconhecimento geral.

O Festival Show teve a duração de duas horas e foi realizado em todos os dias do evento durante as tardes. Foi maravilhoso acompanhar tantas performances diferentes e criativas, tantas formas de movimentação e composições ricas em expressão. Eu realmente aprecio as mostras de dança, pois são surpreendentes e inspiradoras. Sempre saio dessas experiências com vontade de criar!

Além disso, o JamBallah organiza seu próprio showcase, onde os instrutores do festival, os grupos e performers de Portland se reúnem em um produzido espetáculo, que ocorre nas primeiras duas noites. Não há restrição de estilo e sim uma composição interessante de experiências e linguagens.

Tive o imenso prazer de presenciar fusões diferentes e inesperadas, porém fundamentadas e compostas brilhantemente. Ressalto a composição apresentada pelo Allegro Dance Company, que está estabelecendo um novo rumo para a fusão local e quem sabe internacional também.

“La Follia a la Allegro” , Allegro Dance Company



O solo Indian Fusion de Sedona Soulfire me tocou profundamente e é realmente uma pena não ter um vídeo para mostrar pra vocês, foi um dos pontos altos de expressão dos showcases. O improviso de snujs realizado pelo Baksana sem outro acompanhamento musical impressionou pela técnica, agilidade e perfeição. As composições coreográficas de Bevin Victoria também foram ricas em expressividade. Sem contar é claro na performance de Mardi Love que como sempre preencheu o espaço com classe, expressão e contentamento.


Mardi Love




Serena Spears




DeAnna with Jesse and Sofia




Ashley Lopez



Scarlet Thistle





Gostaria de detalhar sobre cada um, mas infelizmente ficaria longo demais. Deixarei para uma troca posterior, seja escrita ou quem sabe pessoalmente?


Finalizando, o JamBallah me proporcionou vivências maravilhosas tanto como estudante quanto como apreciadora da arte, tudo em um ambiente inclusivo e acolhedor, característico de uma comunidade que incentiva a dança, seus praticantes e profissionais. Acredito que é um festival que crescerá em linhas não tradicionais com o histórico dos festivais de fusão, pois sua organizadora, Elise, tem o objetivo de incentivar a dança como um todo. Dessa forma, busca variar os estilos oferecidos e os profissionais instrutores convidados. Acho que isso é o que mais me atrai neste festival.



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