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[Danças & Andanças] Reflexões e Divagações de uma Dançarina

por Carla Mimi Coelho


Despedida de 2021 e tudo o que não faz mais sentido

Um ano que chega ao fim e tudo o que desejamos é deixar para trás todas as conturbações, sofrimentos, desafios e dificuldades vividos por todos nós. Agora é só despedir do gosto amargo de um tempo confuso que nos despertou tantos questionamentos, tanta indignação e seguir, adentrando um novo ciclo que chega.

Entretanto, como seres muito adaptáveis que somos, tantos desafios deste ano do qual nos despedimos também nos incitaram a desenvolver estratégias e ferramentas criativas, possibilitando nossa sobrevivência em meio ao que parecia um caos sem solução. Sim, sofremos diversas perdas mas também aprendemos novas formas de fazer nossa arte (expressão, prática e ensino). Formas estas que nos permitiram alcançar pessoas fisicamente do outro lado do mundo e que nos trouxe novas pressões, exigências e objetivos. Possibilidades surpreendentes que significam também mais trabalho diante de outras requisições.

Números agora importam de maneira substancial e corremos em busca de sua mutliplicação. Analisamos os elementos, pensamos em estratégia e lutamos pelo engajamento, ações em redes sociais através da tela. Quem de nós nunca ficou confuso diante de um comportamento inexplicável daquele tal e tão famoso algoritmo?

O nosso ofício agora incorpora múltiplos conhecimentos e especialidades. Se antes nos considerávamos profissionais da Dança, agora agregamos conhecimentos de diversas outras áreas como marketing, design gráfico, videografia, fotografia, gestão e tantas outras. Mudamos pela necessidade atual de expor a arte em completude e em todos seus detalhes.

 O trabalho, então, parece interminável e a mesma ferramenta que nos traz conhecimento e inspiração representa também um mar de responsabilidades, comparações e competições de mercado. Aquilo que nos possibilita tanto é acompanhado do que eu costumo chamar de teste de auto confiança em si e no seu próprio trabalho, uma vez que  o ‘se comparar’ parece inevitável quando tudo é acessível a uma distância de apenas um toque na tela.

Estamos na geração dos criadores de conteúdo e a dança ganhou um espaço interessante e novo aos olhos de seus profissionais. A geração TikTok e Instagram está aqui e com ela, milhares de vídeos com sequências rápidas de dança executada por profissionais e amadores espremidos pelos limites cada vez mais reduzidos de uma tela. Tantas versões, tantos estilos, tantas variedades. E com todo esse movimento surgem os questionamentos, as preocupações, as comparações...

E como se não bastassem estas pressões no modo em que apresentamos e entregamos o trabalho que fazemos, o nosso estilo de dança, o Fusion Bellydance/ Tribal Fusion enfrenta novamente uma onda de questionamentos sobre ética, apropriação cultural e responsabilidades. Vimos muitas profissionais da base desse estilo se silenciarem pelo medo de errar e da inadequação de suas criações. A nossa linguagem na dança se estremeceu e está enfrentando dúvidas sobre sua existência.

Diante disso nos perguntamos: Prosseguimos? Como criar e se expressar em um mundo de pressões? Como confiar em nossa ações em movimento e expressões? O que dançamos e como dançamos?

Quem me conhece já sabe que até aqui já falamos de argumentos suficientes para me deixar louca em desespero com minhas vozes interiores, insegurança e sobrecarga de autocobranças. E agora? Como uma pessoa de uma geração criada pelas posturas de mindset fixo, tudo isso aí já representa motivos suficientes para me manter em estado eterno de procrastinação.

Diante disso, fui buscar vozes que me guiassem pelo mindset de crescimento e me dessem esperança e material para um planejamento de como prosseguir sendo eu, artista da dança, profissional do movimento.

Em meio a esta busca, deparei-me com a sabedoria e estudos de Mariana Quadros em  seu workshop “Fusion Bellydance – Histórias, Inspirações e Referências”, o qual me resgatou para um lado da Dança que tinha hibernado em mim em meio ao caos dos questionamentos do nosso estilo. A dança nasce de um estado maior, que nos transcende e nos eleva. Mais que somente um estilo, a sua voz e seu eu dançante se encontram entranhados no seu ser e cabe a nós abrir essa escuta para acessar a expressão que nos é profunda. Inspiremo-nos naquelas que nos antecederam e estão nas bases da dança moderna e que também se expressaram pela força do movimento de seus corpos, evidenciando o poder feminino e seus mistérios, mergulhando na vida e na própria arte como alimentos principais de sua expressão. O contato profundo com a natureza e o se sentir em conexão com o ambiente, como Isadora Duncan. O meditar em si, na sua respiração que reflete em movimento como Martha Graham. O ser tocado por uma obra de arte, permitindo um diálogo entre movimento, letras, sons, tintas, elementos. A imensidão de possibilidades no ambiente e nas artes que nos pode impulsionar para uma expressão que reflita nossa experiência única, enquanto indivíduos, com aquilo que dialoga realmente com nosso interior.

Busquei uma frase em que Doris Humphrey descreve Ruth St. Denis ainda na expectativa de ampliar os horizontes sobre a dança e seu alcance: “Aqui está uma mulher que viu a dança como um todo, em sua completude. Ela não era interessada em somente um pequeno segmento mas no todo completo, na Dança por inteira...”

Estamos tão condicionados ao momento do agora com uma visão reduzida ao micro, ao detalhe, a uma única forma que esquecemos de quão vasta, rica e múltipla é nossa herança na Dança. Se abrirmos os horizontes para uma visão macro do que fazemos parte, a nossa dança ganhará em completude e terá a expressão que queremos enquanto Arte.

Sim, precisamos das ferramentas técnicas para nos expressar livremente, mas não nos esqueçamos da substância, daquilo que nos destaca como profissionais da Arte de Dança.

Então, impulsionada por estas inspirações fui em busca de meios de se estruturar um plano de ação para solucionar o que Honoré de Balzac considera o nosso maior problema, enquanto artistas, o como se fazer notado pelo público. Lembrei então de um livro que li para o programa 8 Elements da Rachel Brice, “Mostre Seu Trabalho” de Austin Kleon, o qual apresenta dez formas de se compartilhar sua criatividade e ser descoberto pelo público.

Austin pontua em seu livro que o artista na verdade não encontra um público para seu trabalho, as pessoas é que o encontram. De tal forma que não é suficiente ser bom na sua profissão, você tem que se fazer encontrável para que as pessoas te encontrem.

Criar é um processo longo e incerto, um artista deve mostrar seu trabalho. E ao contrário do que pensamos muitas vezes, você não precisa ser um gênio. Basta encontrar uma cena (ambiente virtual no caso, plataformas) que lhe agrade e com a qual se identifica e, então, mostre o que tem para mostrar, ofereça aquilo que pode fazer e para algumas pessoas isso será muito melhor do que você possa imaginar.

Ainda, o autor incentiva o abandono da ideia de que somente alguns indivíduos criativos reconhecidos como talentos possam colaborar com o universo criativo, abrindo espaço para que outros participem da trajetória criativa. O bom trabalho não é criado no vácuo e a criatividade é sempre, de alguma forma, uma colaboração resultante de uma mente conectada a outras mentes. Lembremos de que Online todos – artistas e curadores, mestres e aprendizes, profissionais e amadores – têm a habilidade de contribuir com algo.

Desmistificar a ecologia de talentos é reconhecer que todos os grandes gênios e talentos muitas vezes percebidos como despontados e à parte de um todo na verdade pertencem à uma cena completa onde as pessoas apoiam umas às outras, observam o trabalho, copiam, roubam ideias e contribuem ideias de uma das outras.

Um último ponto a se ressaltar e não me delongar muito mais é todos nós deveríamos agir como um amador. Charles Chaplin já dizia “É o que todos nós somos: amadores. Não vivemos o bastante para ser qualquer outra coisa”.

Amadores são entusiasmados, eternos apaixonados e agem sem pensar tanto no resultado perfeito. Eles não temem erros e falhas, e em suas ações não profissionais fazem inúmeras descobertas. Na mente de um iniciante as possibilidades são infinitas.

Ampliando esta reflexão, o ato criativo mais medíocre ainda é um ato criativo em si. Há espaço para evolução e com a prática vem o crescimento, não importando quão rápido se dê o progresso. Agora, se pensarmos bem há sim uma diferença considerável entre ‘o não fazer nada’ e o ‘fazer algo’. Finalizando, amadores aprendem durante uma vida toda e o fazem publicamente, para que outros possam aprender com suas falhas e sucessos.

Se você aí é como eu, que foram criados sob um mindset fixo e receia mostrar suas falhas, seus processos, sua trajetória nada perfeita, adentremos juntos este 2022 nos libertando dessas amarras, despedindo deste pensamento podador e não criativo. A melhor forma de começar este novo caminho de mostrar o seu trabalho é refletir sobre o que quer aprender, tornar isso um compromisso pessoal de aprender na frente de outros. Não importa o quão ruim seus esforços vão parecer no início. Não se preocupe com o resultado de imediato. Vista o seu amadorismo - seu coração, seu amor- , produza, e aproveite o processo. Compartilhe o que ama e as pessoas que amam as mesmas coisas te encontrarão pelo caminho.

Eu sei que tudo isso pode soar como um devaneio sem sentido para muitos, no entanto, será impossível encontrar sua voz se você não a usar. Ela está conectada às sua natureza, está em você. Então, dance sua voz, dance o que ama e sua verdadeira expressão surgirá. Tchau 2021 e que seja bem-vindo um novo ciclo! Feliz 2022!



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Danças & Andanças

Mimi Coelho (Portland-OR, EUA | Belo Horizonte-MG, Brasil) , formou-se em Artes Cênicas pela UFMG e foi a primeira brasileira a se formar como professora do Datura Style™, sendo única no país com esta formação. Atualmente, faz parte de 3 companhias de dança: Variat Dance Collective (companhia de fusão experimental de dança do ventre), Baksana Ensemble (companhia de dança e música ao vivo, inspirada nas danças egípcias, turcas e balcânicas) e  a PDX Contemporary Ballet (companhia de Ballet contemporâneo) . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

[Formação no Tribal] Carla Mimi Coelho e Samra Hanan falam sobre Paulo Freire

por  Ana Clara Oliveira

Convidadas especiais: Carla Mimi Coelho e Samra Hanan


Carla Mimi Coelho e Samra Hanan

(Fonte: @mm_mimicoelho @samra.hanan)

 

Durante o ano 2021 apreciamos na coluna “Formação” algumas contribuições do educador brasileiro Paulo Freire para o campo da Fusão “Tribal” e suas variadas vertentes. No referido ano, refletimos a partir de um documentário educacional, igualmente, tratamos os conteúdos relevantes e o currículo Crítico-Libertador. Em conformidade com o desenvolvimento desenhado, a presente matéria apresenta os pensamentos das professoras brasileiras, Carla Mimi Coelho e Samra Hanan, sobre o legado da pedagogia freireana na dança por meio da seguinte pergunta: de que modo você entende e/ou aplica os conhecimentos de Paulo Freire no campo do “Tribal”?

De modo didático, apresento as ponderações de Carla Mimi Coelho, em seguida, as reflexões de Samra Hanan. Agradeço, imensamente, a participação dessas convidadas que atuam com dedicação e responsabilidade no exercício artístico-educativo. Através das suas considerações, daremos início em 2022 a uma série de conversas com muitas professoras sobre suas metodologias. 

Carla Mimi Coelho:

O legado de Paulo Freire vai além das fronteiras, possui um profundo impacto no pensamento e na prática educacional pelo mundo todo. Ao meu entender, ele questiona as práticas do educar não expansivas, mais rígidas e reconhecidamente tradicionais de um passado não tão distante. Arrisco-me a afirmar que ele vai em oposição àquele mindset fixo, à ideia de que a capacidade de se absorver conhecimento ou aprendizado é fixa e não pode ser expandida além de um certo limite inato.

“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção.” – Paulo Freire

Carla Mimi Coelho e estudantes

(Fonte: @mm_mimicoelho)


Nós enquanto criadores de uma LINGUAGEM, a dança, estamos em constante evolução e, ao ensinar nos transformamos e evoluímos enquanto professores/educadores, pois ensinar também é aprender. Quando estamos professores/educadores cabe a nós criar um espaço aberto, passível de diálogo, criando possibilidades e nutrindo a criatividade para que então o conhecimento seja construído. A imagem de um professor para mim atualmente é daquele guia que conduz o estudante de si e da linguagem por sua caminhada de crescimento e evolução.

Carla Mimi Coelho e estudantes

(Fonte: @mm_mimicoelho)

Veja bem, nem sempre essa ideia de educação e aprendizado era clara para mim, pois vim de um sistema rígido de aprendizado da dança, onde talento era inato, algo que você tinha desde o nascimento ou não. Dentro da sala de aula que cresci frases do tipo “você pode querer a dança, mas ela não te quer”, “você nasceu para dançar”, “é talento”, eram constantes. E por isso nesta época podíamos ver histórias tão promissoras de dançarinos acabarem de forma frustrante, além de inúmeros casos de distúrbios psicológicos e traumas gerados dentro da sala de dança. Se você pensou aí nos clássicos filmes de dançarinas que sofrem trauma e adoecem, como em “Cisne Negro”, sim é essa dinâmica a que estou me referindo. E que bom que o discurso do diálogo, do aprendizado que permite a construção do conhecimento crítico, criativo e a aceitação de que há diferentes formas de se aprender e construir conhecimento adentraram também as salas de aulas de dança.

Assim, atualmente, vejo cada estudante como único, capaz de todas as criações e construções que se propor desta LINGUAGEM. Cada corpo que entra na sala de dança fala por si só, tem sua história, seu contexto, sua expressão. E quando apresentamos as técnicas de dança, claro seguindo uma agenda didática, há a abertura para o diálogo, para a aceitação e transformação do mover mediante às possibilidades que cada corpo oferece. Além disso, há diversas formas de absorção do conhecimento e desenvolvimento das possibilidades e por isso o respeito à cada um é um fundamento praticado entre aqueles que compartilham dança neste espaço.

Carla Mimi Coelho e estudantes

(Fonte: @mm_mimicoelho)


Sei que a princípio, para muitos, isso pode parecer um tanto abstrato. Explanando de uma outra forma, quando em sala de aula, busco transmitir as técnicas de dança de várias formas tentando incorporar ferramentas que auxiliem o aprendizado pela escuta, tato, visão e movimento. Incentivo o nutrir de um autocuidado e a reflexão de si pontuando que uma mesma movimentação vai parecer diferente em cada corpo e que isso nos abre uma infinidade de possibilidades para se criar um mover próprio e único a cada um. A grande beleza da dança é que ela vai falar através de cada corpo de forma singular e cabe a nós nutrirmos a criatividade para expandir da técnica à expressão que cada um pode desenvolver.

Dentro deste nosso estilo, o Fusion Bellydance ou Tribal Fusion, a organicidade deste mover único é algo que se busca, fundamentado por uma base técnica que liberta cada um para a expressão própria. Cabe a cada um de nós professores/educadores e coreógrafos nutrirmos este espaço para a curiosidade, criatividade e exploração de novos caminhos para o mesmo movimento ou tantos outros novos. A beleza está não na reprodução de cópias mas na criação de uma LINGUAGEM que permite que cada um expresse o melhor de SI. E com isso crescemos e evoluímos todos juntos, descobrindo novos caminhos e novas movimentações, conduzidos sim pela técnica que permite, que liberta.

Samra Hanan:

Quando pensamos no nome de Paulo Freire logo nos remetemos à sua importante contribuição no Brasil e no mundo para a Educação Formal, em especial, a alfabetização e letramento de adultos. Porém, ao mergulhar na obra e fundamentos desenvolvidos por este grande educador brasileiro, podemos perceber que seu legado ultrapassa os muros da Escola e chega em qualquer ambiente onde se proponha uma construção de conhecimento, e por que não em nossas salas de aula de dança?


Samra Hanan e estudantes

(Fonte: @samra.hanan)


Vou aqui compartilhar pontos em que vejo que os conhecimentos elaborados por Paulo Freire permeiam minhas práticas enquanto professora de Tribal Fusion, por vezes de forma sutil e filosófica, outras de ordem prática e metodológica. Mas antes peço que considere duas premissas: 1- A compreensão da DANÇA enquanto forma de LINGUAGEM; 2- A EDUCAÇÃO INFORMAL e NÃO FORMAL é aquele conhecimento produzido fora da "escola" sistematizada e institucional, assim englobando também nossas aulas de dança em academias e estúdios.


Agora sim, vamos adiante com nossa conversa. 


Um dos pontos que para mim são primordiais é reconhecer que cada aluno, aluna ou alune que entra em minha sala de aula tem uma história percorrida até chegar à minha frente, uma história que passa-se no corpo, uma história que tem ritmo e que precisa ser contada e ouvida para que a dança seja construída. Assim, a subjetividade de cada um deve ser não apenas respeitada, mas servir de ponto de partida e alicerce para a construção de uma Dança significativa, transformadora e por vezes libertadora. Com um olhar mais prático posso citar a importância de um levantamento histórico corporal autobiográfico. Já pensou como nossas lesões, brincadeiras escolares, práticas esportivas, vivência em outras danças e até em outras artes, nossa profissão e vida cotidiana influenciam na construção da sua dança?

Samra Hanan e estudantes

(Fonte: @samra.hanan)


Outro elemento visceral na minha vida de professora é a compreensão que o conhecimento [a dança] é uma construção coletiva, que se dá por meio do diálogo. Os alunos, alunas e alunes devem ter o espaço de fala garantido, assim como atuarem de forma ativa nas escolhas e no desenvolvimento da sua dança. Compartilhando com vocês uma prática que tenho no Simbiose: Todo início de ciclo fazemos um momento de conversa para a troca de expectativas [das alunas e minhas], autoavaliação do grupo e levantamento de sugestões de temas de aprendizado, e a partir desta conversa nós escolhemos o tema que irá nortear nosso próximo ciclo de estudos.


Poderíamos continuar por um longo tempo esta conversa, mas agradeço o espaço e finalizo por aqui minha contribuição com esta linda e forte citação, não esquecendo que deixo a porta aberta para quem quiser bater um papo sobre ensino e construção da dança, em especial Dança do Ventre e o Tribal Fusion. Até mais.


"A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa." Paulo Freire 


Samra Hanan e estudantes

(Fonte: @samra.hanan)


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Formação no Tribal


Mimi Coelho (Portland-OR, EUA | Belo Horizonte-MG, Brasil) , formou-se em Artes Cênicas pela UFMG e foi a primeira brasileira a se formar como professora do Datura Style™, sendo única no país com esta formação. Atualmente, faz parte de 3 companhias de dança: Variat Dance Collective (companhia de fusão experimental de dança do ventre), Baksana Ensemble (companhia de dança e música ao vivo, inspirada nas danças egípcias, turcas e balcânicas) e  a PDX Contemporary Ballet (companhia de Ballet contemporâneo) .


Samra Hanan (São Paulo-SP)  é dançarina/professora/produtora em Dança do Ventre, Tribal Fusion, FCBD Style e Fusões com Danças Brasileiras. Formada em Educação Física pela USP-SP e pós graduada em Dança pela UFBA-BA, dedica-se ao universo das Danças Orientais desde 1998. 


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Ana Clara Oliveira (Maceió-AL) é dançarina e pesquisadora do estilo Tribal de Dança do Ventre. Professora de Dança na Escola Técnica de Artes (UFAL). Doutoranda em Artes (UFMG) onde pesquisa a formação no Tribal. Mestrado em Dança (UFBA). Diretora da Zambak Cia de Dança Tribal ...  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>

[Danças & Andanças] A dança na tela – Transportando o Espectador para o filme de dança pelo Efeito de Presença

 por Mimi Coelho


Estou muito feliz por retornar ao Blog Coletivo Tribal agora sob uma nova coluna que propõe o meu compartilhar sobre as “andanças” que a dança me leva pelo mundo real e cada vez mais pelo mundo virtual. Posso dizer com grande convicção que grande parte da minha vida foi e é conduzida consciente e por vezes, inconscientemente, pela dança. Ela me proporciona vivências únicas, especiais, uma trajetória que agora divido prazerosamente com vocês aqui.


Atualmente, vivemos um momento conturbado de mudanças repentinas e diárias. E para que possamos sobreviver enquanto artistas e seres criativos neste cenário tão dinâmico precisamos desenvolver nossa capacidade de adaptação rápida, abraçando novas estratégias e tecnologias.


Estamos sendo pressionados com tudo para dentro do mundo virtual, sejamos preparados ou não. A impossibilidade de se apresentar a nossa arte, que sempre foi vista como efêmera e presencial da maneira de costume, diante de um público físico em um espaço considerado de dança, estremece nossas estruturas e nosso sentir. E isto talvez se deva ao fato de dependermos enquanto artistas da troca de energia com a nossa audiência no ato da nossa performance.


Lidamos então com uma nova forma de apresentação (se pensarmos bem, nem tão nova assim, pois já existiam os filmes de dança previamente a tudo isso). Contamos agora com a possibilidade de criarmos através da tela um novo espaço para nossa dança.


Mas como fazer dessa experiência de dança uma vivência completa para o espectador? Como transmitir através da tela a energia, o “sentir do momento” que nossa arte proporciona quando temos a presença física tanto do artista quanto do público?


Essas questões impulsionam a reflexão sobre como queremos entregar a imagem de nossa dança. Isto é,  como gerar intencionalmente a percepção do espectador acerca do movimento pelo corpo e do seu desenho pelo espaço. E essa problemática ganha uma escala ainda maior quando envolvemos o processo criativo, ou seja, a concepção da dança com relação ao espaço cênico e ao entendimento do mesmo pelo público. Além de criar o movimento há agora a necessidade de se conceber também a forma de enquadramento das cenas no espaço de dança para que o público perceba a intensidade e sinta a sensação de estar presente no momento em que assiste à obra.


A ausência é absoluta, mas a presença tem seus níveis de intensidade”.

- Genette, 1972


Em outras palavras, a dança por ser uma arte viva se beneficia da presença física para transmitir a intensidade de seu efeito ao espectador. A fim de que a nossa audiência sinta essa sensação de presença ao assistir a dança pela tela, cabe ao artista criar possibilidades de enquadramento de cenas seja pela edição, seja pela forma de se posicionar a câmera e/ou seja pela maneira de se filmar (câmera móvel ou estática, múltiplas câmeras em diversos ângulos, dentre outros), aproximando, transportando o público para dentro da obra.


Estamos presentes onde nossa atenção está focada, seja um ambiente físico real, seja por meio de um dispositivo mediado. […] Nas artes ficcionais, a vivência da imersão em um mundo imaginário constitui um poderoso elemento atrativo da atenção do espectador, que envolve sua atividade mental. Quando a ação dramatúrgica de uma performance ou de um filme o seduz, sua atenção fica inteiramente absorvida pelo desenvolvimento ficcional dos personagens ou das situações que o tornam presente ao ato de espectatura”.

-René Bourassa, 2013


A maneira mais simples e previsível de se apresentar a dança pela tela ocorre através da utilização de uma câmera frontal estática que registra a coreografia através de um único enquadramento, um único ângulo de visão. Tal visão corresponde ao que as Artes Cênicas incluem nos conceitos de Quarta Parede e Palco Italiano. O espectador presencia a apresentação da obra como se esta se desse dentro de uma caixa, com um fundo e duas paredes laterais. Dessa forma, somente esta tela “chapada” configura a experiência de quem assiste como sem maiores interferências ou sensação de participação proporcionando em geral uma impressão de bidimensionalidade (não há percepção de texturas ou profundidade, somente do plano com altura e largura). Há alguns recursos cênicos, no entanto, que podem enriquecer esta perspectiva e até trazer uma ideia superficial de textura e/ou de profundidade. 



Neste vídeo produzido por Illan Rivière, percebemos diversas camadas no plano ainda que este seja somente um. Illan utilizou diferentes formas de iluminação e luzes presentes no espaço cênico  como uma forma de criar profundidade. Além disso, a disposição de elementos cênicos e de um cenário nas paredes laterais e as plantas no proscênio cria não só a ideia de várias camadas na tela, mas também traz a sensação de textura para as imagens, o que faz transparecer uma profundidade maior, chegando a quebrar a ideia de bidimensionalidade que este tipo de enquadramento único concebe. Estas são estratégias relevantes quando consideramos esta alternativa de filmagem.


O Efeito de Presença é o sentimento de um espectador de que os corpos ou objetos percebidos por seus olhos (ou por seus ouvidos) realmente estão ali, no mesmo espaço e no mesmo tempo nos quais se encontra, mesmo sabendo que eles estão ausentes.  - Josette Fèral, 2012


Outras estratégias que possibilitam um maior efeito de presença na audiência envolvem as ideias de amplificação e aproximação. Ou seja, ao se criar uma proximidade artificial utilizando-se planos fechados e multiplicando os pontos de vistas, a presença pode ser recuperada. Os planos fechados inspiram uma intimidade física com o artista que está sendo filmado.

Os enquadramentos aproximados reduzem a distância entre o local do filme e o seu público. Ainda, a mediação do artista/diretor/produtor (que em grande parte dos casos somos nós mesmos, os dançarinos), no intuito de provocar uma participação ativa por parte da plateia do filme, pode incluir efeitos de simulação, os quais deslocamentos em geral, entradas e saídas por exemplo, criam a ligação que uma continuidade de enredo requer. A mediação e edição também permitem que se conceba uma montagem capaz de reproduzir a imediatez de elementos/momentos surpresas (Highlights/ high points – clímax, momento alto, ápices). Esta "sensação de imediato" enriquece o fluir, o desenrolar do filme, proporcionando nuances, texturas e movimento à retórica do mesmo.


Dessa forma, destaca-se a relevância em se alterar a perspectiva por duas principais razões. Primeira: o envolvimento efetivo na ação pelo espectador do filme, que está ausente da presença material dos artistas, depende da aproximação virtual. A presença, então, pode ser recuperada de duas formas:


  • pela proximidade artificial que a câmera proporciona;
  • pela multiplicação dos pontos de vista.

Segunda: a diversidade das escalas de planos garante uma composição plástica que proporciona volume à bidimensionalidade da imagem, reforçando a ilusão de tridimensionalidade. A profundidade do campo, obtida por meio da perspectiva, busca produzir um espaço imaginário em conformidade com a percepção óptica do mundo real. Isto se refere à possibilidade de criação de um extracampo, uma ideia que vai depender da referência artista e local estabelecida em diferentes planos e escalas e até mesmo pela utilização de uma câmera móvel.


Em outras palavras, quando estabelecemos diversos pontos de filmagem, ainda que estáticos, há a possibilidade na edição de se elaborar uma colagem que transporte o espectador para a cena. Ele consegue perceber noções de profundidade, acompanhar ângulos diferentes da movimentação e diferentes formas  que o movimento desenha no espaço conforme as perspectivas diversas disponíveis. O público do filme consegue se transportar para o local de filme e recupera a presença.



No vídeo da Ebony Qualls, pode-se notar esta utilização de múltiplas câmeras estáticas, assim como a edição com alteração de foco o que evidencia este efeito de presença mencionado acima. A aproximação ganha o efeito esperado pelas diversas escalas e camadas em cada enquadramento escolhido. O uso de elementos cênicos e composições específicas de cenário, como a parede de espelhos, auxilia na criação de um extracampo e o espectador consegue relacionar o local, como um meio real, para além do fictício. O público do filme consegue se transportar para o ambiente de dança e o efeito de presença, e a  impressão de certa tridimensionalidade são alcançados.

É claro que nem todos nós temos condições de viabilizar um espaço cênico e múltiplas possibilidades de filmagem. Na maioria dos casos, somos os produtores e artistas do filme. Entretanto, com a prática e o planejamento de algumas estratégias, ainda pode ser possível a garantia do efeito de presença e uma colagem resultante que conduza o público pela energia e enredo desejados.

O vídeo acima é uma produção minha (longe de ser uma superprodução, viu gente? E sim, muitos erros e também muitos acertos podem ser percebidos). Eu tinha um enredo em mãos, os elementos de cena específicos (dentre eles a plataforma com água), além da estrutura coreográfica que compreendia os efeitos e os momentos altos. Estes foram intencionalmente filmados em ângulos e enquadramentos específicos em diversas tomadas. Como resultado, consegui  de certa maneira conduzir o espectador pelos movimentos, proporcionando uma aproximação maior da obra artística. Houve a possibilidade de entendimento do espaço de dança, das texturas e das diversas camadas que possuía. Como complemento de efeitos, integrei também o som ambiente do vento, da água e do bebê ao fundo, para obter um toque de realidade. Tudo isso seguindo o objetivo de se produzir um efeito de presença mais próximo do real. No entanto, foi impossível evitar a mudança de luz durante todo o período de filmagem (filmei no fim do dia e a luz altera muito e rapidamente com a proximidade do pôr do Sol). Isto porque não possuo equipamento completo com diversas fontes de iluminação e múltiplas câmeras. Conclusão, tive que assumir a diferença de luz, descontinuidade no balanço das plantas pelo vento e por aí vai. 


Um outro exemplo bem interessante para se analisar é o vídeo “Day Dreams”, produzido pelo Variat Dance Collective. Há claramente um enredo, um roteiro seguido que se compõe de uma parte teatral e uma parte de movimento de dança. Utilizou-se na edição elementos cênicos que apoiam a história e também estabelecem efeitos de texturas e camadas. O espectador participa da dinâmica em que se constrói a retórica do filme e o uso de filtros de cor na edição colabora com a sua imersão no local de dança. A utilização de uma câmera móvel, alterando os enquadramentos e os focos, evidenciando-se os planos fechados, aproxima e torna o espectador parte do movimento. O público vivencia uma proximidade que inspira uma intimidade física com as artistas. A colagem de enquadramentos das cenas se dá de forma harmoniosa com momentos altos definidos. As artistas comunicam-se diretamente para câmera como se convidassem a audiência a participar da obra. Há não somente o efeito de presença, como também a sensação de se relacionar diretamente com as artistas pelo movimento, o que significa a ruptura da Quarta Parede e a produção da ideia de tridimensionalidade. O espectador se transporta para o ambiente de dança e sente o movimento como se interferisse ativamente no mesmo.

São tantos e diversos os elementos que interferem na qualidade da dança na tela. A combinação estratégica de alguns destes juntamente à ideia de se planejar os enquadramentos das cenas, associados às intenções de criação da obra artística, possibilitam a produção de filmes de dança impactantes e com profundidade. Lembrando que a aproximação e a amplificação colaboram para que o efeito de presença seja gerado e, assim, a experiência do espectador torna-se mais interessante e dinâmica. O público dos filmes de dança quer sentir o movimento no espaço da obra e isso é extremamente dependente da forma que você irá conduzí-lo pelo sua visão de foco. O público verá aquilo que você evidenciar e sentirá também pela forma que você o conduzir. E no final, é só tentar se divertir e se armar de disposição para errar e aprender. Todo esse produzir artístico é uma jornada!

Pra finalizar, eu produzi este vídeo especialmente para este artigo. Nele eu utilizei a câmera móvel que permite o espectador participar mais intimamente da movimentação. Essa variação dinâmica de enquadramentos e proximidade produz o efeito de presença e a ideia de um espaço real. Há o diálogo direto com a câmera, o que convida a participação do público e implica na quebra da Quarta Parede, além de permitir que haja a percepção de tridimensionalidade. E aqui eu favorito a minha opção atual de filmagem, diversos enquadramentos, câmera móvel e edição dinâmica. Tento priorizar também as camadas e as texturas de imagens e de sons para que o ambiente esteja bem próximo, real, quase ao alcance dos dedos do espectador.


Referências


ANDES, Anna. The Instability of Suspending Audience Disbelief: Filming Productions at The Globe and The National Theater. In: SIMÉON, Sandrine; ALCAYAGA, Agathe Torti. Coup de Théâtre. Paris: Radac, 2017. P. 83-101. 

BAZIN, André. Théâtre et cinéma. Esprit, Paris, v. 19, p. 232-253, Août 1951. 

BAZIN, André. Qu’est-ce que le cinéma? Paris: Editions du Cerf, 1981. 

BOURASSA, René. De la présence aux effets de présence: entre l’apparaître et l’apparence. In: FÉRAL, Josette; PERROT, Edwige. Le Réel à l’Èpreuve des Technologies. Les Arts de la scène et les arts médiatiques. Rennes: Presses universitaires de Rennes, 2013. P. 129-148. 

FÉRAL, Josette; PERROT, Edwige. De la présence aux effets de présence. Ecarts et enjeux. In: FÉRAL, Josette. Pratiques Performatives, Body Remix. Rennes: Presses universitaires de Rennes , 2012. P. 11-26.


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Danças & Andanças

Mimi Coelho (Portland-OR, EUA | Belo Horizonte-MG, Brasil) , formou-se em Artes Cênicas pela UFMG e foi a primeira brasileira a se formar como professora do Datura Style™, sendo única no país com esta formação. Atualmente, faz parte de 3 companhias de dança: Variat Dance Collective (companhia de fusão experimental de dança do ventre), Baksana Ensemble (companhia de dança e música ao vivo, inspirada nas danças egípcias, turcas e balcânicas) e  a PDX Contemporary Ballet (companhia de Ballet contemporâneo) . Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 


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