[Resenhando-AL] Cia Lunay (PB): Uma Inspiração para a Cena Tribal Alagoana

por Ana Clara Oliveira

Yolanda Cavalcante, Veronica Alves e Kilma Farias | Fonte: acervo Cia Lunay


O presente texto apresenta a Cia Lunay (PB) como uma das fontes inspiradoras para o estilo tribal de dança do ventre em Alagoas. Sem dúvida, esta matéria se fundamenta pelo grandioso trabalho artístico-educacional sistematizado e disseminado pela Cia Lunay ao longo da história do estilo no Brasil. Embora a coluna se dedique aos eventos em Alagoas, necessito expressar o quanto admiramos e respeitamos a Cia Lunay que tanto nos surpreende com brilhantes acontecimentos.

Em razão disso, este grupo profissional paraibano tornou-se um excelente entusiasmo e uma fragrância criativa que impulsionou muitos dos trabalhos artísticos da Zambak Cia de Dança Tribal (AL), a qual participo na condição de diretora. Por tantas vezes, a aproximação do tribal de Alagoas com a Cia Lunay aconteceu por contemplação e também pelos estudos teóricos/práticos promovidos pelo grupo da Paraíba nos eventos do nordeste brasileiro. Em outros momentos, a proximidade respeitosa brotou como desejo sincero da profissionalização do tribal em grupo no chão alagoano, uma vez que a Cia Lunay é referência nas investigações artísticas no campo das fusões. Por último, a conexão se deu como potência constituinte de promoção do tribal, principalmente, na fusão de matrizes afrobrasileiras e populares, que também são elementos de interesse da cena tribal alagoana. Por todos esses fatos, a Cia Lunay é uma grande inspiração para Alagoas e certamente, para todo o Brasil. 

Em face do exposto, transporto vocês para a obra da Cia Lunay intitulada Infinitudes (2020), que realizada com recursos da lei Emergencial Cultural Aldir Blanc se consolida como um gigantesco e inovador trabalho de dança em tempos tão sombrios. Infinitudes que recebeu apoio da Secretaria de Estado Cultura/Governo do Estado da Paraíba, Edital Fernanda Benvenutty, possui a seguinte ficha técnica:

Bailarinas

Kilma Farias

Veronica Alves

Yolanda Cavalcante

Imagens e Direção de Fotografia

Mano de Carvalho

Direção geral e Edição de imagens

Kilma Farias


Músicas

Amor Tropical – Cassicobra

Tinaja Dub – Cassicobra

Cobra 0.9 – Cassicobra


O Peso do Meu Coração

Autores: Castello Branco/Tomas Troia

Editora: Deck


Infinitudes Cia Lunay | Fonte: acervo Cia Lunay


Em diálogo com a bailarina da Cia Lunay, Kilma Farias, obtive acesso aos dados específicos da obra de dança Infinitudes que possui aproximadamente vinte e seis minutos:


Extravasar os limites do dentro e do fora, de si e do outro e transbordar nossos corpos em movimento: essa é a poética de Infinitudes. A Cia Lunay traz uma reflexão em vídeo do isolamento gerado pela pandemia. As imagens dançam o quanto isso nos fez olhar para dentro e perceber que para além das 4 paredes, somos seres infinitos, imensos. Essa infinitude se torna ainda maior quando a união é entre mulheres que possuem laços profundos de amizade através da Dança. (LUNAY, CIA, 2020, on-line)


A bailarina Kilma Farias, conta que o objetivo desse trabalho artístico é discutir e, paralelamente, transformar em imagens poéticas a condição que foi estabelecida pela pandemia e isolamento social, tendo como base a relação de afetividade entre as mulheres. De acordo com a bailarina, devido ao fato da Cia Lunay possuir 17 anos de existência ininterruptos, presenciais e de muita produção em dança nos teatros e na natureza, o grupo esbarrou no desafio de conviver sem a presença física. Tal obstáculo veio carregado de situações específicas nas quais uma bailarina passou a necessitar do amparo da outra para sobreviver aos tempos de dor, medo e insegurança coletiva. Então, as três artistas decidiram “quebrar” o isolamento social para o cuidado umas com as outras, inclusive partilhando fisicamente das noites mais difíceis. 


Yolanda Cavalcante, Veronica Alves e Kilma Farias | Fonte: acervo Cia Lunay



Nesse momento, as artistas perceberam que olhando para dentro, ou seja, transportando para um mergulho interior e para as relações estabelecidas antes da pandemia, o isolamento se tornava ilusório, pois sentiam as suas fragilidades e suas potências, isto é, estavam acompanhadas de si e do outro. Dessa forma, descobriram que existe apenas o isolamento físico, pois somos parte da natureza, transbordamos, atravessamos, penetramos pelos afetos... somos infinitos... infinitudes. Kilma Farias conta que a materialidade ou o mundo imanente vem de algo maior que é a subjetividade e o mundo transcendente. Justamente por esses aspectos que a obra faz a sua narrativa.


Kilma Farias | Fonte: acervo Cia Lunay



As referências utilizadas para Infinitudes foram o método de estudo do movimento desenvolvido por Rudolf von Laban e o trabalho significativo da Pina Bausch. Igualmente, foi desenvolvida uma pesquisa autoral do estilo tribal Brasil que propõe uma tradução cultural de diversas danças do feminino desde as estéticas e poéticas da dança do ventre até as danças indianas, o flamenco, as danças que abordam arquétipos de deusas e simbologias sagradas. Assim, Infinitudes reverbera o trabalho do corpo cotidiano experienciado na pandemia através do repertório do estilo tribal brasil, utilizando as qualidades/dinâmicas e fatores de movimento Laban e, as inspirações estéticas de Dança-Teatro de Pina Bausch.


Yolanda Cavalcante | Fonte: acervo Cia Lunay

 

Sugiro fortemente a apreciação da obra completa disponível no canal YouTube Núcleo de Danças Kilma Farias. Para finalizar, destaco alguns aspectos que convocam a atenção: os véus vermelhos, os vestidos esvoaçantes, o vento, o mar, a falésia, o sol, o chão duro, os movimentos sinuosos, o gesto cotidiano autêntico, as cadeiras e bancos vermelhos, os pés descalços, a mala preta, as direções espaciais, o guarda-chuva preto, as pausas, os giros, as pontuações e os bloqueios com as partes corporais, as figuras com os braços, os tempos súbitos da corporalidade, a fluência livre e contida, o figurino preto e justo no corpo, a repetição específica como invenção no que se deseja evidenciar, os cabelos soltos, a iluminação no feminino como nos quadris, pernas, ventre, cabelo e face.


Outros elementos como: o dançar com os objetos cênicos, as ações corporais básicas, o silêncio e as cenas distintas que somam um todo semiótico criativo; um entendimento sobre o tempo, os elementos de matrizes afrobrasileiras e populares que reverenciam a fusão brasil e os aspectos de danças modernas/contemporâneas que se mesclam com os repertórios do estilo; o sentir, o tocar, o amparar, os cuidados, a solidão, o isolamento e o desejo do reencontro; a musicalidade múltipla, o entrelaçamento dos corpos femininos, a atmosfera de união e de bálsamo; os diversos ângulos e edições poéticas dos repertórios específicos do estilo de fusão que permitem ao espectador sulear novos rumos inspiradores para a pluralidade do corpo brasileiro que dança e do tribal no Brasil. 


Agradeço a Cia Lunay pela partilha da obra Infinitudes, por motivar sonhos tanto na cena tribal em Alagoas como também em todo o território brasileiro e, especialmente, por ser resistência da classe trabalhadora artística. Espero que Infinitudes possa aquecer o coração de vocês. Reflitam e desfrutem carinhosamente dessa obra maravilhosa.


Referência

LUNAY, CIA. Infinitudes. On-line, 2020. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=elIWKu37i3c. Acesso em 22 de jun. 2021.


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Resenhando-AL


Ana Clara Oliveira (Maceió-AL) é dançarina e pesquisadora do estilo Tribal de Dança do Ventre. Professora de Dança na Escola Técnica de Artes (UFAL). Doutoranda em Artes (UFMG) onde pesquisa a formação no Tribal. Mestrado em Dança (UFBA). Diretora da Zambak Cia de Dança Tribal ... Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>
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