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[Folclore em Foco] Leitura Musical para ATS® - Parte 3

por Nadja El Balady– FatChance BellyDance Sister Studio


DRAMATIC SLOW
Dramatic slow (lento dramático) é uma expressão criada dentro do American Tribal Style® para designar um tipo de leitura musical para circunstâncias diferentes: Leitura de ritmos em 3, 6 tempos e leitura de ritmos em contagem ímpar.

Inicialmente, o ritmo de contagem 6 (conhecidos como 6/8) de origem norte africana era dançado com movimentos “rápidos”, bem como as próprias danças populares das tribos desta região fazem. As músicas berberes e beduínas que usam este tipo de padrão rítmico têm a percussão forte e com muitos instrumentos. A dança é naturalmente muito marcada com movimentos de quadril impactantes como twists e shimmies, redondos e encaixes de bacia. Dentro da linguagem ATS®, usava-se movimentos “rápidos”, mas apenas com contagem em 2 tempos como arabic, shimmie, reach and sit, single bump, pivot bump... Evitando os movimentos com contagem 4 (como egyptian ou Turkish Shimmie) para não atravessar as freses musicais e estar sempre em harmonia com a música.

Posteriormente, após diversas experimentações, esta possibilidade de ler o padrão de 6 tempos com movimentos “lentos” surgiu como uma opção criativa e como recurso cênico de grande impacto para as apresentações de ATS®, onde o coro permanece tocando snujs no padrão “morrocan six” e as pessoas no “feauture” usam os movimentos “lentos” para as dinâmicas da performance.

No “feature” a leitura será feita com movimentos da família dos “lentos”, mas respeitando o andamento mais acelerado em que as músicas são tocadas. É comum que precisemos adaptar um passo que tenha combinações maiores de movimento em vários compassos. Dificilmente vamos conseguir adaptar um Wrap Around Turn em um compasso de 6, por exemplo. É possível que tenhamos que quebrar o passo em 2, 3 ou 4 compassos.

Observe neste vídeo das Sisters Studio Collective no ATS® Reunion de 2018, a partir de 4:58, como elas fazem, uma a uma, a leitura do ritmo em 6 tempos. Alguns passos mais curtos são feitos em 2 compassos, passos mais longos em 3 ou 4 compassos. Temos um Barrel Turn, Loco Camel, e Pulse Turn em 2 compassos cada, Wrap Around em 4 compassos, depois outro Barrel Turn em 3 compassos, Reverse Taxeem usando um compasso para cada lateral, Camel Walk em 2 compassos, e Wrap Around em 2 compassos.


Tendo a contagem em 6 tempos, você vai adaptar movimentos pequenos em 3 ou 6 tempos, os passos grandes em 6, 12 ou 18 tempos, sempre respeitando o que te pede a melodia. A escolha é sempre sua.

Da mesma forma como você estudou os movimentos em ritmos de 8 tempos, exercite seus movimentos lentos nesta nova contagem. Veja estes vídeos de experimentações alongando ou acelerando os movimentos dentro do padrão de 6 tempos:



A música “Beto Baharon” gravada pelo grupo Helm, usa base rítmica em 3 tempos. Da mesma forma que a contagem em 6, a contagem em 3 vai se desmembrar em 3, 6, 9, 12 e assim por diante. A leitura será muito parecida com a da contagem em 6 tempos, alongando ou encurtando os movimentos de acordo com o que pede a melodia.


Vamos ver agora uma nova possibilidade com um ritmo de contagem ímpar. Nesta música “9/4 the ladies” do grupo Balkan Beat Box, encontramos um padrão de contagem 9 (4 +5). Este padrão é usado na Grécia, na Turquia e em outros países daquela região mediterrânea. Dependendo da região, o nome de ritmo é diferente, mas vamos utilizar o nome “Aksak” turco. A contagem em 9 é uma contagem muito veloz. Para efeitos de dança, vamos ficar loucas se tentarmos contar e dançar ao mesmo tempo os 9 tempos de forma corrida. Existe, porém, uma outra maneira de contar este ritmo, (funcional apenas para efeitos de dança, não de contagem musical oficial) que nos facilita compreender início, meio e fim do compasso, que é a contagem 1-2-3-1-2. Veja como a leitura musical dramatic slow pode se aplicar neste tipo de contagem:


Experimente. Dance em diversas músicas diferentes, de maneiras diferentes. Procure estudar e compreender a música que você usa como ferramenta para dançar. “Know your music” (conheça a sua música), dizem nossas mestras. Principalmente se for uma música étnica, procure saber de onde ela vem, como é dançada em sua cultura de origem. Procure saber os nomes dos ritmos, quais são os instrumentos melódicos que são usados, em que época foi composta.

Faça o mapeamento da sua música, buscando perceber de quantos em quantos compassos temos transições entre instrumentos, em quantos tempos são feitos os arranjos, em que momento você pode ter movimentos “lentos” ou “rápidos”, movimentos mais ou menos impactantes.

Quanto mais você conhecer, mais elementos terá para expressar esta música na escolha dos movimentos, na escolha dos acessórios do seu figurino, na sua interpretação. Quanto mais você conhecer, mais interessante será a sua apresentação para o público.

Esta apostila não busca ditar regras, apenas convidar a dançarina de American Tribal Style® a se aprofundar e a conhecer melhor a música. Aqui tenho expresso meus parâmetros pessoais para desenvolvimento da minha musicalidade. Veja se você compreende e concorda com estes parâmetros, se eles fazem sentido e podem se aplicar ao seu método pessoal de interpretar a música.

A leitura musical é onde reside a arte da dança, o processo artístico pessoal. No final, quem escolhe como irá dançar, é mesmo você.



[Folclore em Foco] Leitura Musical para ATS® - Parte 2

por Nadja El Balady– FatChance BellyDance Sister Studio


MÚSICAS “LENTAS”

As músicas lentas são músicas que vão assumir caráter de valorização da melodia, onde o ritmo de base serve de “chão” para o desenrolar das melodias e harmonias. Desenvolver a leitura musical para músicas “lentas”, é um pouco menos óbvio do que para músicas “rápidas”.

Não seria apenas se deixar levar pela melodia?

Mais ou menos. Nas músicas lentas, nós não fugimos à regra de frases musicais construídas sobre ritmos e mais uma vez, vamos observar os ritmos de base antes de observar o comportamento da melodia.

Ritmo x andamento
Como vimos anteriormente, os ritmos contados em 4 são usualmente usados para leitura “rápida” dentro do ATS®. Se o ritmo for tocado em um andamento verdadeiramente muito lento, é possível mudar a maneira de ler a música, mas se for tocado em um andamento mais corriqueiro para este tipo de ritmo, a música será certamente percebida como “rápida” em termos de ATS®. Por exemplo: Nesta versão da música “Said Roah” gravada pelo grupo Helm, a música inteira tem base no ritmo Said, que é um ritmo 4/4. Em teoria, poderíamos dança-la inteira com movimentos rápidos, porém no início da música o andamento é tão lento que fica quase inviável dançar de forma “rápida” nela. Depois de um determinado arranjo musical, o andamento acelera e já fica mais gostoso de tocar snujs e fazer os movimentos “rápidos”. Então teremos uma leitura “lenta” no início, mudando para “rápida” no final.


Da mesma forma também vamos entender como uma música “lenta”, ou “parte lenta” de determinada música, se os instrumentos melódicos forem tocados com as notas alongadas, em melodias mais lânguidas, mesmo que o ritmo seja em 4 tempos e um andamento bom para movimentos rápidos, vamos acabar puxando a interpretação para os movimentos lentos. Neste caso, é a sua vontade de interpretar o instrumento melódico predominante que determina a escolha dos movimentos usados.

Ou seja: A sua percepção da música é quem vai dizer mesmo ditar o que fazer.

Vejamos este exemplo com a música “Rumelaj” gravada pelo grupo Mawaca: O ritmo de base é o ritmo árabe “Maqsoum”, em 4 tempos, mas a melodia lânguida, a valorização dos instrumentos como acordeom e flauta nos inspiram à movimentação lenta pela maior parte da música, até o arranjo de percussão em que temos uma clara transição onde o andamento da música acelera e a música toma uma energia maior, que vão nos inspirar uma movimentação mais cadenciada, com deslocamentos e batidas no vocabulário “rápido” do ATS®.



Na maior parte das músicas de origem árabe, ou otomana, os ritmos que servem de base para músicas “lentas” podem ter padrões longos de contagem, diferente das músicas “rápidas” que geralmente usam padrões rítmicos em 2 e 4 tempos, os ritmos “lentos” podem ter contagem em 8, 10 ou mais tempos. Contagens em 8 tempos são mais comuns, mas existem alguns ritmos lentos com contagem em 4 tempos.

Vejamos alguns ritmos em 8 e 10 tempos bastante usados para músicas orientais:




Como mencionado anteriormente, a leitura rítmica dentro do ATS® não acontece de forma literal, não é nossa responsabilidade representar os taks e dums dos ritmos, mas é nossa tarefa entender a métrica que o ritmo deixa para a flutuação melódica e encaixar a nossa movimentação nesta métrica rítmica. Tudo vai depender também do andamento em que este ritmo está sendo tocado. Talvez você queira encaixar um Barrel Turn em um compasso de 8 tempos, mas se ele estiver sendo tocado em um andamento mais rápido, sejam necessários 2 compassos para fazer caber o movimento inteiro.

Então se um movimento vai ocupar 1 ou mais compassos, vai depender da complexidade do movimento e também do andamento que que o ritmo está sendo tocado.

Experimente fazer o seguinte exercício:

Escolha alguns movimentos simples ou combinações de movimentos com giros, como por exemplo: Torso Twist; Body Wave; Reverse Turn; Propeller. Experimente dançar estes 4 movimentos nos ritmos Masmoud Kbir e Tchifititelli, ambos ritmos com compasso em 8 tempos, porém tocados em andamentos diferentes. Experimente encaixar os movimentos em apenas um compasso. Quantos Body Wave você encaixa em 1 compasso? Consegue fazer apenas um Body wave em 8 tempos? Fica melhor se forem 2? Mas e se o andamento for mais rápido? Agora experimente com uma combinação mais longa, como Reverse Turn e Propeller, como fica para encaixar o movimento em 1 ou 2 compassos em andamentos mais ou menos lentos?






Depois de dançar com os ritmos puros, experimente o mesmo exercício em músicas que usem os mesmos ritmos na base e perceba como a melodia se comporta com o ritmo para formar as frases musicais, conte as frases musicais, perceba quantos em quantos compassos acontece uma frase musical e tente encaixar os movimentos ao sabor da melodia.





SOBRE MÚSICAS RITMICAS OU ARRITMICAS
Até há algum tempo atrás eu ouvia muito a respeito de uma expressão usada para designar leitura musical para ATS® como músicas rítmicas ou arrítmicas. Eu compreendo que este termo “arrítmico” seria usado para dizer que os movimentos usados no lento do ATS® não teriam uma contagem específica por estarem mais disponíveis a serem adaptados a musicalidades diferentes. O fato que precisa ser esclarecido é que não existe nada e termo de música, e por tanto também de dança, que não tenha ritmo. Não existe música arrítmica, por tanto não existem movimentos arrítmicos. Musicalmente este termo é bastante equivocado. Mesmo que a música em questão não tenha uma percussão, com certeza a melodia foi construída, ou improvisada, em cima de algum padrão métrico de contagem. Na dança, mesmo que não tenhamos uma contagem única para a execução de movimentos lentos, a verdade é que estamos adaptando, mesmo sem saber, a contagem dos mesmos movimentos de música para música. Talvez, em determinada música, você faça o Camel Walk em 4 tempos e em outra música faça em 8 tempos. Você muda a sua interpretação, mas nunca está dançando algo desprovido de ritmo ou alguma contagem.

O que acontece quando você não conta os seus movimentos é que você deixa a cargo da sua intuição a leitura musical, a maneira como você ouve e representa os instrumentos. Quando não temos consciência do que fazemos, podemos não dar o melhor de nós. Toda o método do ATS® pede que você tenha ciência da sua postura, da clareza e limpeza dos seus movimentos e que você conheça a sua música. Que você tenha ciência também dos elementos que compõe a música que você está dançando e isto inclui conhecer os ritmos, conhecer os instrumentos melódicos e percussivos, entender seus arranjos e transições para que as suas escolhas dos movimentos possam ser conscientes, para que o seu desempenho possa ser melhor, sua apresentação possa ser mais interessante, para que você possa ter maior prazer na sua dança e para que o seu conhecimento possa ser repassado sob forma de experiência para outras pessoas.



[Folclore em Foco] Leitura Musical para ATS® - Parte 1

por Nadja El Balady– FatChance BellyDance Sister Studio


O que significa leitura musical para ATS®?
Significa que existe algo a mais na preocupação das dançarinas de ATS® além de coordenar movimentos, posicionamento no espaço e o toque dos snujs. Significa que sua escolha de passos e combinações, suas transições de liderança estão inspiradas pela música e em harmonia com seus arranjos e transições.

Vamos entender alguns componentes principais das composições musicais e tentar, de forma simples, encaixar com nosso entendimento da técnica de ATS® para aproveitar estes elementos da melhor forma possível.

Vale lembrar que todo o método do ATS® já foi pensado para você tirar o melhor proveito da sua leitura musical. O próprio método em si tem várias indicações de como entender e dançar determinados padrões musicais, mas leitura musical é onde reside a arte, ela é pessoal, revela como você percebe a música que está tocando e como reage a ela, revela como está a sua escuta e a sua capacidade de lidar com o todo que é improvisar em grupo dançando e tocando ao mesmo tempo.

Primeiro, vamos analisar dois elementos estruturais da música para nos dar embasamento: Ritmo e melodia.

Na minha percepção, compreender o ritmo de base de uma música é a primeira coisa que devemos fazer para entender a música dentro do conceito musical para ATS® que nos diz que são 3 linhas de leitura que podemos seguir: Músicas “rápidas”, “lentas” e “lentos dramáticos”.

A leitura rítmica dentro do ATS® não acontece de forma literal, não é nossa responsabilidade representar os taks e dums dos ritmos, como faz a Dança do ventre tradicional, mas é nossa tarefa entender a métrica que o ritmo deixa para a flutuação melódica e encaixar a nossa movimentação nesta métrica rítmica. É esta métrica que nos interessa, que vai fazer com que dança e música se tornem uma só coisa.

Os ritmos usados para dançar músicas consideradas rápidas no ATS®, em geral, serão ritmos cujos compassos serão contados em 2 ou 4 tempos. Existem algumas exceções para ritmos contados em 6 tempos. Mas o que é compasso? Compasso é a célula rítmica. A maneira como este ritmo é estruturado em sua forma e em quantidade de notas.



Como as músicas utilizadas para dançar ATS® em geral são orientais, vamos trabalhar com exemplos dentro dos ritmos árabes. Vamos ver dois exemplos de compasso de ritmos contados em 2 e em 4: Malfuf (ou Laff) e Maqsoum, no caso Malfuf com 2 tempos e Maqsoum com 4 tempos. Nas figuras abaixo, podemos ver o ritmo escrito na pauta, que são as cinco linhas usadas para escrever a música. Temos a imagem da clave de sol e em seguida uma fração. O numerador da fração representa quantos tempos tem o ritmo e o denominador é um indicativo do valor das notas, mas este valor, para entendermos a estrutura rítmica, agora não é importante. O mais importante para nós, no momento, é compreender o numerador da fração. O Malfuf é um ritmo cuja “célula” acontece e se repete de 2 em 2 tempos. Maqsoum é um ritmo cuja “célula” acontece e se repete de 4 em 4 tempos. A maioria dos ritmos populares, tanto orientais quanto ocidentais acontecem em 4 tempos, na fração 4/4.





MÚSICAS “RÁPIDAS”
Ok! Se os ritmos das músicas “rápidas” são contados em 2 ou 4 tempos em geral, por que contamos as músicas de 8 em 8 tempos?

Por causa da chamada “frase musical”. A frase musical é a maneira como o compositor se utiliza da métrica rítmica para compor a melodia. Uma ideia melódica usa 8 tempos para encontrar seu sentido e pode ir se complementando, repetindo ou encontrar resposta nos próximos 8 tempos e assim sucessivamente.  Escute estas músicas e conte de 1 a 8 desde sua primeira nota e perceba como a melodia flui de 8 em 8 tempos.

Significa que se o ritmo base tiver 2 tempos, a frase musical usa 4 compassos para acontecer, se o ritmo de base tiver 4 tempos, a frase usa 2 compassos.

2 tempos – Frase musical em 4 compassos:



4 tempos – Frase musical em 2 compassos:




NÃO CONTE APENAS OS PASSOS, CONTE A MÚSICA!


Sabemos que no ATS®, para que a estrutura de improvisação funcione, precisamos contar os passos e combos dos movimentos rápidos sem cessar, se não arriscamos deixar alguma coisa incompleta e a movimentação pode acabar não fazendo sentido para quem está sendo liderado. Será interessante que além de contar os passos que faz, a dançarina use a contagem para integrar os movimentos na própria música.

Tendo identificado o ritmo de base, a dançarina deve observar a maneira como a melodia se comporta: Como a música começa, onde entra a melodia principal e como ela pode fazer para distinguir um momento do outro.

Por exemplo: Na música “Kako Kolan” gravada pelo grupo Helm, temos uma entrada percussiva, uma melodia tocada com acordeom e a voz que entra em seguida. A entrada percussiva leva 8 tempos. O acordeom desenvolve sua primeira ideia em 16 tempos e depois a repete em mais 16 tempos, ou na linguagem de dança “4 oitos”. Em seguida a voz vai entrar igualmente usando “4 oitos” para desenvolver a primeira ideia, mais “4 oitos” para desenrolar uma continuidade e então “4 oitos” para fazer acontecer o refrão.

Tendo em vista uma estrutura como esta, tente fazer casar as ideias de movimentos com as ideias da música, por exemplo: Se temos 8 tempos iniciais apenas com a percussão, evite começar uma combinação longa neste momento, use movimentações simples e curtas como Shimmie, Bumps ou Arabic. Quando o acordeom entrar, tente pensar em movimentações que tenham 16 tempos, como Chico 4 Corners, ou mesmo uma sequência de Egyptians. Você pode escolher 2 sequencias de movimentos em 16 tempos ou se escolher fazer o Sunanda, por exemplo, ele sozinho poderá ocupar toda o momento inicial dos 4 oitos de acordeom. E assim sucessivamente.

A qualquer momento, evite iniciar um movimento mais longo no 5º tempo (ou qualquer outro tempo que não seja o 1º) de uma frase musical. Mesmo que dentro da métrica rítmica, sua sequência de movimentos vai acabar desencontrando da construção melódica e dos arranjos da música. Procure casar o tempo 1 dos movimentos com o tempo 1 das transições musicais. Assim você vai garantir que sua dança sempre vai estar em harmonia com a música.






[Folclore em Dia] Ouled Nail

por Nadja El Balady



Este texto foi baseado nos artigos “The Ouled Nail” de Maggie Mcneil e “Dancing for Dowries part 2 – Earning Power, Ethnology and happily ever after” de Andrea Deagon.

No sul da Argélia, nas montanhas do Atlas, desde tempos imemoriais até hoje em dia (ainda) encontramos diversas tribos berberes vivendo e, de acordo com o possível, mantendo suas tradições. Estas tribos, islamizadas entre os séculos VII e VIII, têm seus nomes antecedidos pela palavra “ouled”, que funciona como um tipo de designação: Ouled Abdi; Ouled Daoud; Ouled Nail. Suas tradições se tornaram, a partir da década de 60, objeto de estudo das dançarinas de dança oriental no ocidente, sobre tudo das norte-americanas, que passaram a usar elementos desta etnia como inspiração para suas criações em dança.


Dentre as tribos citadas, Ouled Nail (leia-se: "wil-ed na-il") ganharam maior atenção por conta das características memoráveis das suas tradições femininas. Diversos pesquisadores ocidentais se interessaram pelo tema e em comum encontraram a informação de que as mulheres desta tribo, chamadas Nailiyat (singular Nailiya), costumavam se dedicar à dança e às artes eróticas durante um determinado período de sua vida. Segundo Maggie Macneil, as meninas nailiyat não eram forçadas a exercer esta atividade, possuíam poder de escolha e ainda assim muitas delas optavam por este caminho. 

A partir dos 12 anos, as meninas eram ensinadas por mulheres mais velhas da família (que poderia ser a mãe, uma avó, uma irmã mais velha, uma prima ou uma tia) e eram levadas para as cidades abaixo das montanhas para viver durante uma parte do ano e a trabalhar como dançarinas e prostitutas. Estas mulheres mais velhas eram responsáveis pelo bem estar da menina, cuidavam da casa e ajudavam a administrar os negócios. Esta era uma tradição que objetivava acumular dinheiro e joias de modo que, ao retornar definitivamente para suas vilas de origem, esta menina, já tornada mulher, pudesse ter independência financeira, pudesse comprar uma casa própria, investir em um negócio e, se quisesse, procurar casamento. Ao se casarem, tomavam uma vida comum, em um casamento fiel, como se espera de toda mulher casada.


Ninguém sabe dizer ao certo o período de origem desta tradição, mas é provável que seja muita antiga, anterior ao Islã, pois foram encontrados registros da presença das nailiyat na ocasião da chegada dos árabes na cidade de Bou Saâda no século VII. Bou Saâda (que significa “Lugar da Alegria”) era um dos principais destinos das nailiyat para sua morada temporária e comunidades inteiras compostas apenas por mulheres eram encontradas por lá. 

Nestas comunidades, segundo Andrea Deagon, os homens eram admitidos temporariamente como amigos, aliados, admiradores, parceiros de negócios ou parceiros sexuais, mas nunca em caráter definitivo. Algumas mulheres não chegavam a voltar para sua vila natal, preferindo a vida na cidade, abriam negócios, ou se casavam com estrangeiros.


Segundo Marnia Lazreg (1994), as mulheres das tribos Ouled Abdi e Ouled Daoud, conhecidas como Azriyat, também tomavam as profissões de dançarinas e prostitutas, mas somente quando eram órfãs, se tornavam viúvas, divorciadas, repudiadas, incapazes de se casar por algum motivo. Exerciam estas atividades até que conseguissem casar ou permaneciam sós.

É possível que a tribo Ouled Nail, tanto mulheres quanto homens, cultivassem conceitos diferenciados a respeito de sexo, casamento e amor. Encontramos no texto de Maggie Macneil uma passagem retirada do livro “Flute of Sand” (1956) de Lawrece Morgan que nos dá uma pista a respeito. Trata-se de depoimento de um homem da tribo sobre o casamento com uma mulher que tivesse seguido a tradição: 

 “Nossas esposas, sabendo o que é o amor, e sendo proprietárias de sua própria riqueza, vão casar apenas com o homem a quem amarem.  E, diferentes das esposas de outros homens, vão permanecer fiéis até a morte, graças a Allah.” 


Alguns pesquisadores adotam a linha de pensamento que as nailiyat dançavam para acumular dote, que o dinheiro arrecadado servia para atrair bons partidos. Esta ideia se tornou popular entre algumas dançarinas norte-americanas, ignorando sua prostituição e menosprezando sua independência financeira. É possível que esta interpretação seja fruto direto do machismo vigente no pensamento ocidental e tem origem na interpretação de observadores franceses que desde a ocupação francesa na Argélia, em 1830, que consideravam a tradição das nailiyat como uma espécie de rito de passagem antes do casamento. Andrea Deagon aponta para a importância de não diminuir, ou omitir, a atividade de prostituição destas mulheres, pois era um aspecto de uma cultura complexa onde as mulheres eram sexualmente livres e independente financeiramente.

Segundo Maggie Macneil, o contato com a cultura europeia, a partir da ocupação francesa, ao mesmo tempo em que as fizeram famosas, se tornando objeto de pinturas de artistas do período orientalista, trouxe a estas mulheres grandes transformações. Ainda na virada do século XIX para o século XX, mercenários franceses matavam as mulheres para roubar seu dinheiro e suas joias. Oficiais franceses passaram a sobretaxar as viagens e a residência em outras cidades que não suas vilas de origem. Durante a primeira guerra mundial, foram coagidas a trabalhar em cafés e casas específicas onde eram exploradas por homens. Algumas aderiram aos bordéis móveis de campanha, usados pelo exército francês até 1954 e pela legião estrangeira até a década de 90. 


No final da segunda guerra mundial, a vida de todo o povo berbere argelino mudou muito, pois o governo autoritário da época os obrigou a trabalhar nos campos da agricultura estatal.

Na década de 70, a dançarina norte-americana Aisha Ali encontrou um pequeno grupo de mulheres ainda vivendo e dançando em Bou Saâda. Sua pesquisa nos deixou registro muito importante do modo como se vestiam e movimentavam. A estética de movimento e figuro influenciou diretamente Jamila Salimpour e seu trabalho no grupo Bal Anat e como consequência, todo o Estilo Tribal de Dança do Ventre.

Seu modo de dançar, apesar de cobertas dos pés à cabeça, era considerado lascivo e escandaloso pelos estrangeiros. Muitos movimentos de encaixe pélvico e redondos, shimmies de ombro, lateralização de cabeça, movimentos de mão, cambrés, giros e o uso ocasional de lenços em ambas as mãos.

Vídeos de referência:








Parte 1 - Dança do Ventre X Estilo Pré Tribal e as influências “folclóricas”

por Nadja El Balady

A Influência do Folclore Árabe na Formação do Estilo Tribal

Parte 1 - Dança do Ventre X Estilo Pré-Tribal e as influências “folclóricas”

Ao abordar este tema precisamos mergulhar na história da Dança do Ventre e sua evolução tanto no Egito quanto nos Estados Unidos. É preciso viajar no tempo. É preciso retornar à década de 70 e tentar, através dos escritos e de imagens, compreender o processo criativo de Jamila Salimpour e Macha Archer, duas grandes referências do período que vamos considerar “Pré-Tribal”. É preciso considerar a mentalidade das dançarinas da época e a cultura vigente na Califórnia da década de 70.

Samia Gamal - Golden Age Era
Perceber a diferença entre a Dança do Ventre popular/folclórica, advinda do deserto e a Dança do Ventre que evoluiu para o glamour urbano da tela do cinema e do show business é fundamental para entender a diferença entre os estilos da Dança do Ventre do século XXI.

A evolução da dança do ventre no Egito, desde o final do século XIX até hoje em dia, traz a transição da dança popular egípcia (tipicamente ghawazee e beduína) em uma dança cênica, fusionada e glamorosa. Uma dança totalmente voltada para entreter a sociedade urbana, consumidora de cinema, frequentadora da vida noturna, com gostos cada vez mais refinados e europeizados. Encontramos nos filmes antigos algumas referências à cultura rural no Egito, incluindo suas danças e músicas, mas geralmente estas já eram apresentadas de forma estilizada tanto em concepção musical, como em coreografia. Esta dança, que evoluiu para o estilo egípcio moderno, que possui grande mercado de show business e se espalhou mundo a fora no final do século XX, é a inspiradora do estilo cabaré americano, estre outros.

Ouled Nail
A Dança do Ventre base, de raiz é aquela ligada às danças populares e folclóricas de países do Norte da África e oriente Médio e são conectadas aos hábitos dos povos do deserto e têm origem milenar. Falamos dos povos nômades, de beduínos, berberes e ciganos. As ciganas ghawazee egípcias, mesmo tendo já há muitos séculos se estabelecido em cidades, têm no DNA da sua arte a estética desenvolvida ao longo das migrações pelo deserto e intercâmbio com estes outros povos. As movimentações femininas de povos da região do Magreb, como a dança das Ouled Nail[1], danças populares tunisianas e apresentações nos mercados populares são inspirações estéticas para o que vamos chamar de “dança do deserto”. Uma dança não “refinada” no sentido urbano da palavra, que usa elementos de seus povos, de suas vilas, de suas tradições mais antigas.


Jamila Salimpour era dançarina de dança do ventre do estilo chamado “Cabaré americano”. Vamos tentar entender o que é isso em poucas palavras.... As primeiras apresentações de dança do ventre, nos Estados Unidos, aconteceram no início do século XX. Em um ambiente estrangeiro, dificilmente a arte se mantém pura, especialmente se a ela for agregada o talento natural que os americanos têm para show business e comércio. A dança do ventre coube naturalmente nos espetáculos de cabaré e não demorou para que as americanas aprendessem a dançar e o show encontrasse um formato adequado para o gosto público local. Temos que o estilo “Cabaré Americano” evoluiu ao longo do século XX em um ambiente multiétnico (devido a inúmeras imigrações de povos do oriente), com mentalidade artística inovadora e voltada para o comércio com o público americano.

Nas décadas de 60 e 70, somamos a este cenário o ideal hippie, a mentalidade da era de aquário, através da qual uma parcela da população americana busca uma espiritualidade conectada à liberdade do corpo e de movimento. A transcendência através da meditação, da música e das artes. A revolução sexual feminina. Isto tudo se encaixa perfeitamente ao que a dança do ventre pode oferecer à mulher californiana.

Mediante a este contexto, retornamos à Jamila. Entre as décadas de 50 e 60 manteve contato com diversas dançarinas egípcias, turcas e armênias. Com elas aprendeu muito de seu vocabulário de movimentos. Ao se casar com Ardeshir Salimpour, pai de Suhaila, foi proibida por ele de se apresentar publicamente e foi quando começou a dar aulas. Sendo uma das primeiras professoras de dança do ventre nos Estados Unidos, Jamila compilou todo o seu conhecimento dos movimentos de diversas culturas e criou um mecanismo onde as americanas pudessem acessar a técnica da dança de forma racional, para que pudessem compreender e transformar em movimentos. Adaptou movimentos, estabeleceu padrões para os toques de snujs e criou terminologias, deu nome para os passos, muitos deles conhecidos por nós ainda hoje em dia como “oito maia” ou “hip drop”. Ela organizou os movimentos de acordo com as etnias de origem e é neste ponto em que finalmente chegamos ao objeto de observação deste artigo.



Segundo Shareen El Safy, no artigo “Shaping a Legacy: A New Generation in the Old Tradition”, as famílias de classificação de movimentos cridas por Jamila os dividia em “Tunisian,” “Algerian,” Moroccan” “Egyptian,” e “Arabic.”  Significa que a movimentação de quadril ensinada por Jamila possuía características étnicas baseadas em danças populares regionais, não só nas apresentações de espetáculo ou nas dançarinas do cinema da chamada “Golden Age of Egyptian BellyDance.”


Bal Anat
Esta influência se torna cada vez mais evidente à medida em que ela estrutura as apresentações do grupo “Bal Anat” na “The Renaissance Pleasure Faire”. Criado em 1968, o grupo Bal Anat combinava apresentações inspiradas no folclore tunisiano e magrebino com performances típicas de cabaré americano, com uso de acessórios como véu e espadas. A própria Jamila se encaixava nos shows sempre com lindos trajes folclóricos e maquiagens típicas das Ghawazee ou Ouled Nail. As bijuterias, os turbantes, os vestidos, toda uma estética de figurino e movimentação baseadas em etnias do norte da África, na região do Saara. A própria concepção cênica lembra as apresentações nos mercados populares de Marrakesh: Músicos em trajes folclóricos tocando ao vivo, dançarinas no palco formando um cenário vivo, o uso de acessórios folclóricos como cestas, jarros e mesmo serpentes. Estes elementos traziam às apresentações do grupo um aspecto exótico, muito valorizado na época. Com certeza, um grande diferencial no mercado de dança do ventre da época.


Bal Anat – Influências Tribais X Cabaré Americano



No grupo Bal Anat, analisando com cuidado, é possível perceber as duas influências, sendo, porém, tudo considerado “Belly dance”. Para nós é importante compreender que nenhuma delas, Jamila Salimpour, Macha Archer ou Carolena Nericcio, precursoras, ou mesmo criadoras, do que veio a se chamar Estilo Tribal, nenhuma delas deixou de considerar o próprio trabalho como Dança do Ventre. Dança do Ventre, para todos os efeitos, é de onde veio, e o que define a linha estética da formação do Estilo Tribal, mas esta dança do ventre tribal, a mãe de todas as outras “danças do ventre” as danças populares dos povos do deserto.



Danseuse des Ouled Nail (Algérie 1901)



Ainda sobre o Bal Anat e o trabalho de Jamila, vamos encontrar ali diversos elementos como vocabulário de movimentos, toques de snujs e padrões ainda utilizados como a base do Tribal. A maioria baseados em danças Ghawazee e Ouled Nail. Vale considerar que Ciganos, Beduínos e Berberes são povos divididos em diversas etnias, tribos e clãs, e que têm costumes e idiomas próprios. Embora, hoje em dia, sejam de maioria muçulmana, as tribos mantêm suas tradições da melhor maneira possível, apesar das inúmeras dificuldades de sobrevivência apresentadas nos dias de hoje. São considerados verdadeiramente tribais assim como seus costumes, suas músicas e danças.


Banat Mazin - Ghawazee



Segundo consta em diversos textos sobre a história do Tribal, Masha Archer foi aluna de Jamila Salimpour e criou o seu próprio grupo, que dirigiu por 15 anos: A San Francisco Classic Dance Troupe. Em sua trupe, Masha pôs em prática muito da estética Bal Anat para figurino e dança, trazendo, porém, alguns diferenciais. A percepção é a de que Masha derruba de vez algumas fronteiras culturais dentro da dança oriental e busca novos elementos em que se inspirar, como o Flamenco, agregando flores e xales, bem como uma postura bastante altiva para a dança. É dito pela própria Carolena que no trabalho da San Francisco Classic Dance Troupe já existiam conceitos como o de formação, de coro e feature” e que esta linha de trabalho foi levada por ela como base para as criações do grupo Fat Chance BellyDance® e que foi largamente ampliada e aprimorada ao longo do tempo de experimentações e que resultou na linguagem estética que hoje chamamos de American Tribal Style®.


Macha Archer e San Francisco Classic Dance Troupe



O Estilo Tribal de Dança do Ventre, por tanto, captura a estética de vestimenta e movimentação das danças do deserto e produz um estilo novo e adaptado ao gosto ocidental com referências étnicas diversas que se combinam de maneira inusitada com apelo exótico e artístico. Com raízes tanto em danças tribais ancestrais como no pensamento libertário da das décadas de 60 e 70, o Tribal traduz um desejo de retorno à uma comunidade imaginária, feminina, livre, feliz e que encontra na dança sua maior celebração e união. Isto tudo muito bem elaborado, estruturado, organizado e divulgado por Carolena Nericcio e suas seguidoras que souberam bem comercializar e difundir pelo mundo este trabalho que se desdobrou no Tribal Fusion e o mar de possibilidades estéticas contemporâneas que surgiram a partir de então.

 Fat Chance BellyDance®



[1] Ouled Nail é uma tribo Berbere da região do Magreb, nas montanhas do Atlas na Argélia. Sua tradição ainda é matriarcal e têm na dança sua maior fonte de renda.



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