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[Fórum Tribal] A Importância de estudar Teoria para a Dança

Resumo do 2º Dia do Fórum Tribal - 1ª edição



Tema: Importância de estudar Teoria para a Dança Data: 29 de novembro de 2020 às 15h  Tempo da reunião: 02:30 Integrantes da mesa mediadora: Priscilla Sodré (BA), Larissa Elias (GO), Ana Terra de Leon (SC)


Priscila abriu o encontro dando as boas vindas a todes, relembrando as regras de boa convivência e iniciou a exposição dos tópicos sugeridos para a discussão do dia. Após essa breve exposição, as outras integrantes do GT se apresentaram. Os pontos para a discussão foram os seguintes:


  • Eu preciso estudar teoria na Dança?

  • Eu preciso estudar teorias (da Dança, teatro, anatomia, questões sociais e culturais, política, apropriação cultural, orientalismo, feminismo, racismo, políticas públicas, história, decolonialismo etc) para dançar? 

  • É necessário fazer faculdade de dança para dançar? 

  • Como as teorias do campo da dança afetam meu Tribal? 

  • Quais os entrelaçamentos entre teoria e prática? 

  • Estou dançando quando faço aula teórica? 

  • Até que ponto estou embasando minha opinião? 

  • Ela é o suficiente para me colocar na cena?


E então fez uma breve introdução propondo uma reflexão pessoal para fundamentar o debate, envolvendo tópicos como os impactos Revolução Industrial na divisão do trabalho desde este momento, adentrando Descartes e o racionalismo, que colocam um paradigma de dualismo entre mente e corpo, entre razão e emoção- que, segundo ela, foram herdados por diferentes correntes da pesquisa científica.


Em seguida, fez questionamentos sobre o tipo de pesquisa desempenhada na dança, introduzindo os paradigmas de pesquisa (qualitativa, quantitativa e performativa), utilizando como fonte o artigo “Manifesto pela pesquisa performativa”. Segundo a explicação, a pesquisa performativa expressaria seus resultados em dados que não são numéricos, mas simbólicos, incluindo a prática de dança - ao vivo ou online!



A palavra em seguida foi passada a participante A, que expôs algumas preocupações em relação à manifestação de hierarquia em relação à entrada acadêmica versus abordagem de bailarinas não-acadêmicas: para ela, o acesso ao diploma (em dança) não deveria constituir automaticamente em autoridade para quem o detém, lembrando o fato de que não praticamos uma dança que nasce na academia. Defendeu, por fim, uma relação horizontal entre bailarinas pesquisadoras/formadas e entre o restante das profissionais - segundo ela, em sua maioria pessoas que não tem uma formação “formal”. 


Em seguida, Participante B trouxe para o debate os seguintes pontos: muitas vezes o interesse em teoria não virá num primeiro momento numa sala de aula de dança. Para ela, seria possível perceber que a teoria é geralmente confundida com algo destinado às alunas avançadas, e a partir disso ela levanta o questionamento: como poderíamos deixar a teoria mais palatável para alunes iniciantes? Levanta a importância de compreender sobre os povos e que originam as danças que praticamos e como o conhecimento teórico traz densidade para a prática da dança. Porém assinala que é compreensível e que está tudo bem querer “só dançar”. Por fim, defende que o prazer de estudar teoria pode ser ensinado. 


A seguir, Participante C assinalou que há um equívoco em pensar que estudar teoria é sinônimo de conhecimento acadêmico. “Pensar que a busca pelo conhecimento vai além do fazer acadêmico é fundamental. Quando um indivíduo estuda o movimento produzido por seu corpo ele está estudando teoria - uma teoria produzida pelo corpo. Estudar teoria não se resume a estudar a cronologia histórica de nossa dança. Instigar alunes a assistir filmes, ler textos, colocar em contato com o questionamento: questionar é um fazer teórico! Precisamos alargar nossa compreensão do fazer teórico”.


Participante D colocou que desenvolve o trabalho com Tribal numa universidade e que, no caso dela, este trabalho começou justamente com a teoria, e que o público dela era amplo - desde pessoas que trabalham e estudam na universidade até a comunidade em geral. Estas pessoas chegaram a ela por meio de uma palestra. “Na universidade é muito mais ‘tranquilo’ sensibilizar alunes para o fazer teórico”. No entanto, ela assinala, mencionando a participante B, que sempre haverá alunes que não se interessam, ao que ela coloca, fazendo coro à participante C “O que entendemos por teoria”. Menciona a autora Marcia Strazzacappa, que diria que é necessário parar pensar teoria e prática em oposição. Coloca, ainda amparada nesta autora, que o que chamamos de teoria seria uma “teorização”. Depois, trouxe o que Priscilla comentou no início do encontro sobre pesquisa performativa e salientou a importância da pesquisa qualitativa e quantitativa em dança, que a performativa seria uma das possíveis mas que é necessário cuidado para não excluir as outras. Voltando a pensar a sala de aula, menciona que fez muitas aulas em que não houve discussão sobre textos, ou mesmo momentos de conversa, mas que houve teoria o tempo todo: salienta, por fim, que teoria, em dança, não é apenas discutir em torno de termos. Que o próprio fazer da dança carrega em si teorias próprias que saem desse lugar comum do texto e da discussão sobre conceitos.


Participante E trouxe três aspectos. Sobre a relação entre teoria e prática, trouxe como referência o teórico marxista Paulo Freire, que discorre sobre a práxis. Paulo Freire trabalhou com alfabetização de idosos de áreas rurais e utilizava palavras conhecidas do cotidianos de seus alunos para possibilitar o processo de alfabetização. Nesse sentido, traz um teórico da história alemão chamado Jorn Rüsen, que assinala que para ensinar o professor precisa compreender o que o aluno conhece - seus conhecimentos prévios. Assim sendo, tanto Paulo Freire quanto Rüsen validam os conhecimentos que os alunos já tem. Portanto, à pergunta “como despertar o conhecimento de alunes em relação a teoria?” ela responde: “perguntemos a alunes o que já sabem”. Outra questão que trouxe foi que teoria não é necessariamente algo relacionado à escrita: sociedades orais também fornecem teoria para que possamos pensar nossa dança - a exemplo das músicas que utilizamos: quando ensinamos sobre música, também estamos fazendo teoria. Teoria não passa necessariamente pela escrita e não é necessariamente acadêmica.


Participante F também possui formação acadêmica, mas assinala que seu objeto de estudo relaciona-se às culturas populares - demonstrando que esta já se lança como uma tendência possível mesmo dentro da academia, um ambiente que geralmente privilegia danças europeias. Salienta que a dança, dentro da academia, há também a formação para o campo da teoria - o que se difere da prática mais comum da dança tribal. Todos os espaços onde as danças são feitos tem seus conhecimentos próprios (usa o exemplo do ATS - existe todo um estudo que foi teorizado para ser compartilhado e ainda assim não passou pela academia. O que eu acho que é importante, estando neste ambiente acadêmico também, entender que minha dança se transforma quando estou em contato com esses outros ambientes -  se meu contato é maior com o ambiente acadêmico ela vai provavelmente vir acompanhada de discussões próprias desse ambiente - e essas discussões serão incorporadas na minha dança. O que não quer dizer que eu não possa viver a fantasia de vestir vários adereços ou dançar o ATS mas essas informações estarão incutidas no meu fazer - como a participante E colocou - ou seja, tudo que estou constituindo ao longo de minha experiência de vida e minha formação estará inserido na minha dança.


Participante C retomou a palavra. Gostaria de voltar numa das perguntas iniciais: “Eu preciso estudar teorias (da Dança, teatro, anatomia, questões sociais e culturais, política, apropriação cultural, orientalismo, feminismo, racismo, políticas públicas, história, decolonialidade etc) para dançar?”; minha resposta é não: eu não preciso aprender essas coisas pra dançar, eu preciso aprender essas coisas pra ser um ser humano! Afinal estou inserida numa sociedade - e isso vai perpassar nosso fazer em dança. Não cabe mais dançar sem essas leituras porque não dá mais pra ir pra rua sem ter essas discussões. Esta é inclusive uma discussão recente na minha vida - e mesmo estando dentro da faculdade, acredito que não é necessariamente a faculdade que vai me ensinar esse tipo de coisa - é, principalmente, minha experiência em relação às vivências aos outros. 


Participante A retomou a palavra, complementando algo que a participante C trouxe: quando ela fala sobre essas questões “preciso pensar em x pra dançar”. Sempre fui muito atenta às movimentações da comunidade internacional. Percebo que temos algumas dançarinas de tribal “cala a boca e dança”, “não discuta política”, “votei no trump e não me sinto bem vinda na sua aula” etc. Enquanto praticante, para dançar você pode escolher, em nível individual, não se atentar para isso. Mas como educadores, devemos nos atentar para essas questões sim, mesmo que sua escolha individual seja não se importar com isso - afinal quem ensina acaba influenciando quem é ensinado e a dança não acontece num vácuo, toda dança tem contexto além do palco, do figurino, do momento em si da prática de dança. 


Participante G gostaria de falar sobre a teoria para não cometermos erros grosseiros. Quantas vezes estereotipamos outros povos - muitas vezes ante a justificativa de que “esta turma é iniciante, não precisa de teoria desde já”, sendo que é ideal que se comecem os estudos teóricos desde o início para aprender certo desde o início! O medo de perder alunes por falar sobre teoria não pode nos impedir de abordar questões pertinentes em detrimento das técnicas que estão na moda - claro que vamos querer aprender isso, mas o aprendizado da técnica de dança não deveria anular as discussões teóricas (inclusive as teorias sobre o corpo!, para seu fortalecimento e alongamento, para que você não se lesione etc) desde o princípio. Outra questão é que precisamos explicar para essas pessoas que aprender as técnicas é um processo que leva tempo - nossas referências não aprenderam a fazer cambret em um dia, foi um processo de anos. Lembrando que, muitas vezes se diz “tal movimento que fica bonito nesta bailarina estadunidense/russa não fica bonito em um corpo brasileiro”: será que o movimento não fica bonito, ou será que continuamos, veladamente, dizendo que certos corpos são melhores e mais adequados que outros? Isso também é política. Quando eu questiono se o movimento da bailarina internacional x ficará bonito na minha aluna y, estou pensando isso por que? Por que ela não tem condições de realizar, ou porque ela tem barriguinha? Com alongamento, fortalecimento e bom treinamento, qualquer movimento é bonito, não importa o corpo - o importante é que ninguém se lesione!”


Participante B retomou a palavra quando escolhemos não politizar o aluno acabamos alienando esse aluno do processo artístico. Temos que utilizar todas as oportunidades possíveis de sensibilizar as pessoas para determinadas questões sociais - já que nem todo mundo terá oportunidade de fazer isso em outro lugar que não seja na sala de dança. E quando falo isso também estou me referindo a teorias do corpo. Aliás, estudar as teorias do corpo é importantíssimo. Como pedir de alunes um shimmie acionando a crista ilíaca se essa pessoa talvez nem saiba o que é a crista ilíaca. Se oferecemos a alunes a oportunidade de conhecer seu corpo, oferecemos a oportunidade de a pessoa se apoderar de sua prática - em suas limitações e possibilidades.


Participante D abordou a questão do lugar de fala. “Estou falando a partir do meu recorte, do meu lugar de fala”. Retomando a fala da participante E, concorda que temos que incluir teorias que envolvem povos com culturas oralizadas. Mas assinala que precisamos tocar nas teorias acerca do racismo. Em nossa sociedade, no sistema-mundo ocidental capitalista eurocêntrico e patriarcal, conhecimentos acadêmicos teriam muita validade. Questiona o que, em nossa sociedade, é valorizado, respondendo que com certeza não é o conhecimento oral. “Nas danças indianas, que eu pratico, percebo que é fundamental ouvir os gurus. Mas isso funciona na Índia: no Brasil, o que funciona? Quando falo na importância dos conceitos teóricos, estou querendo dizer que em nossa sociedade isso é o que é valorizado em detrimento do conhecimento oral - e eu adoraria que não fosse assim!” Ressalta que para ser professora, para estar na universidade, enquanto mulher preta, tem que estudar muito, mais que as pessoas brancas - porque antes, não era ouvida, mas no momento em que é validada como professora de universidade, passa a ter valor. “Quantos trabalhos de pessoas negras a gente vê? Quantos artigos de pessoas negras a gente lê? Por que nós temos esse corre pra publicar mais que pessoas brancas? Então minha questão aqui não é fazer essa oposição entre conhecimento oral e teórico, mas, em nossa sociedade, e dentro do tribal, temos que abraçar esse arcabouço com toda a força do mundo porque se não não somos reconhecidas. Com o corpo negro o ‘buraco é um pouco mais embaixo’.”


Participante C retomou a fala, lembrando uma das perguntas do GT “Até que ponto estou embasando minha opinião?” e relacionando com a fala anterior: “No caso especifico do racismo, por exemplo, todes concordarão que o racismo é horrível, mas continuamos perpetuando porque além de ser estrutural, nós não compreendemos o que é racismo de fato. Como eu, enquanto branca, posso agir de maneira antirracista?”. Responde que seria colaborando com a fala de mulheres pretas - e não querendo falar por elas - criando espaços onde elas se sintam à vontade de falar. Relaciona isso com a dança porque a dança estaria inserida nesse fazer, e que se no passado relevamos a apropriação cultural, em certa medida, das pioneiras do tribal, hoje em dia isso já não cabe mais. Cita Helena Katz, uma autora da dança, que fala sobre a questão das redes sociais. “Quando abrimos o Facebook, ele pergunta ‘o que você está pensando?’; e isso nos dá a falsa sensação de que o que estamos pensando é o que o vale, e que as únicas pessoas do mundo que interessam e validam o que pensamos são o ‘me, myself, and i’ - eu, eu, eu. Não dá pra gente falar somente pela nossa perspectiva/opinião, e não podemos mais ser produto de um passado que não cabe mais. E isso também é teoria na dança”. 


Participante E retomou a fala para responder as colocações da Participante D - “Aproveitando que você fez a réplica, vou fazer a tréplica! De forma alguma me oponho ao que você diz! Quando Rüsen assinala a importância de compreender os conhecimentos prévios dos alunos não é para estagnar nestes conhecimentos - é justamente para expandir.” Segundo ela, não existe processo de aprendizado que não incomoda, e não se constrói conhecimento sem expandir nossos horizontes. Ressalta novamente que práxis é justamente essa relação dialética entre teoria e prática - o que nossa sociedade, envolve a leitura. Chama atenção para o fato dos conhecimentos orais (seja da nossa ou de outras culturas) também serem teóricos, mas evidentemente que a formação do conhecimento passa também pela escrita e esse lugar ainda é muito privilegiado. Entende e justamente por isso compreende que quando partimos do lugar da branquitude nossa validação já está posta, e isso é muito sério. O ideal é que compreendamos que existem teorias que não as escritas inclusive para que essa diferença não exista mais. Para Paulo Freire “É fundamental diminuir a distância entre o que se diz e o que se faz, de tal maneira que num dado momento a tua fala seja a tua prática”. Lembra que sua perspectiva é justamente uma que permita que se vislumbre este problema: por que a realidade de uma bailarina branca e uma bailarina preta é sentida de formas diferentes? “Se eu puder sempre perguntar antes de fazer, poderei compreender as diferenças e incluir elas no meu planejamento enquanto professora”. 


Participante H retoma as falas de E e D utilizando o exemplo do yoga: “Só me senti validada para dar aulas de Yoga depois de fazer a formação. Tenho colegas que não se sentem aptos a falar desse lugar mesmo tendo feito a formação. Meu questionamento é: como a gente se aproxima de outras culturas e o que valida nossa fala em relação a estas culturas? Venho pensado muito nas questões do lugar de fala, do racismo, do preconceito, e me coloco como um apoio - mas o lugar de fala está dado. Só que eu não nasci na Índia, por exemplo, e pratico Yoga. E é a prática a resposta que me acalma um pouco: poder falar disso, dançar, e penso dança e yoga como práticas corporais (acredito que muitas de nós aqui praticam yoga) e, no yoga, temos muito esses questionamentos! Algumas linhas de yoga são voltadas para o desenvolvimento da consciência, num entendimento de que a consciência é algo mental, por exemplo. Em outras linhas, a prática corporal é voltada para o desenvolvimento da energia corporal. Porém existe atualmente uma tentativa de superar essas relações dicotômicas entre corpo e mente, porque consciência é energia e energia é consciência. Então, por meio da prática, desenvolvo minha consciência, e minha consciência desenvolve minha prática. Eu, particularmente, compartilho desse movimento que vê as coisas de maneira integrada. Trago esta questão para mostrar que esta discussão também se faz presente em outras práticas corporais”.


Participante I retoma alguns pontos, pensando que para além do lugar que a teoria ocupa na prática de dança de cada um de nós enquanto indivíduos, o quanto isso é importante ou como lidamos com isso enquanto professoras. Menciona o sentimento de que a quantidade de conhecimentos disponíveis e pelos quais se interessa é avassaladora. “O quanto é responsabilidade minha ou é meu dever ou o quanto eu sou capaz de transmitir isso em sala de aula. Isso permeia muito meu fazer como professora - me interesso por muitas coisas e estudo vários assuntos e logo quero passar para minhas alunas. Uma coisa que me interessa é pensar a sala de aula como esse espaço de troca, alinhado com o que Participante A disse: de não ser necessariamente esse lugar em que a professora é quem detém o conhecimento, mas um lugar em que todos possam preencher os espaços com suas experiências. Às vezes não me sinto com conhecimento o suficiente pra conduzir essas discussões mas eu tenho achado bem positivo e interessante essas trocas - mas a reflexão que mais fica é esse assoberbamento de teorias e conhecimentos que temos que agenciar para levar para nosses estudantes”. 


Participante J fecha o segundo dia apontando novamente para a questão do racismo, retomando o que a participante D falou. Se colocando como mulher preta, aponta para o fato de que as falas de mulheres negras são cotidianamente invalidadas. Quando falamos sobre teoria e prática geralmente nos concentramos justamente no fazer profissional em dança e nas relações em sala de aula. “O que fazemos é o que falamos? Isso é válido na dança. Passar algo só como prática é impossível. A teoria é inerente à dança. E a própria teoria não é dissociada da prática. Em relação ao corpo, creio que precisamos levar em consideração os diferentes corpos - inclusive os corpos negros! Por exemplo: a questão do “encaixe” de quadril Fui muito prejudicada em relação a isso por conta das características anatômicas do meu corpo na minha passagem pelo balé por conta dessa propagação da ideia de que se deve “encaixar’ o quadril apra dançar. Quem criou essa teoria? Ela serve para todos os corpos? Está levando em consideração as diferenças anatômicas de cada um? Enquanto professoras temos que nos preocupar com isso. Sobre a relação entre teoria e prática, para quem leciona é até uma questão de honestidade: precisamos dizer de onde estamos tirando as informações que passamos. Hoje em dia foco no autoconhecimento, na segurança e na autoconsciência, e precisamos parar de separar teoria e prática, como devemos parar de separar corpo e mente. 

Conclusão da Reunião


Pode-se concluir que todes concordam com os efeitos negativos da dicotomia entre teoria e prática e com a  necessidade de uma integração entre estes fazeres. Evidentemente a ideia de lugar de fala e as discussões sobre racismo ganharam um espaço interessante no decorrer da atividade. Pode-se perceber uma tendência pela busca do fim da hierarquia entre saber formal e não-formal, bem como a disseminação de saberes teóricos por parte de professores. Uma preocupação também da função da professora ser a de alguém que orienta alunes para uma caminhada mais autônoma na dança. A maior parte das perguntas propostas pelo GT foram levantadas por participantes, e as discussões se encaminharam para a questão da formação, tema do encontro que viria a seguir no GT seguinte. 

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Fórum Tribal

[Fórum Tribal] Nomenclatura

 Resumo do 1º Dia do Fórum Tribal -1ª edição

Tema: Nomenclatura

Data: 08 de novembro de 2020 às 15 Hs 

Tempo da reunião: 2 horas 

Integrantes da mesa mediadora: Sarah Belford (DF), Hollë Carogne (RS) e Maya Felipe (RJ)

A reunião se iniciou com a fala da mediadora Sarah Belfort, representante da região Centro-Oeste (Brasília) que enumerou os tópicos que serão debatidos, são eles:

  • Como a mudança da nomenclatura impacta a cena Brasileira ?

  • Como o fazer político influencia na mudança da nomenclatura ?

  • Como a mudança do nome pode impactar  a estética do estilo ?

  • Como a representatividade negra está influenciando esse processo ?

  • Como perpetuar a modalidade sem a introjeção de estereótipos ?

  • Como as subdivisões do estilo são afetadas ?


  Em seguida, a responsável pelo chat Hölle Carogne, integrante representando a região sul do país (Rio Grande do Sul)  fez sua apresentação.


A primeira pessoa a debater apresentou suas preocupações a respeito do assunto, sobre a importância de se ater ao tema devido ao amplo desdobramento de questões que poderiam ocorrer. Indagação : Porque o nome Tribal é tão inapropriado?  


Relato de definições e reflexões para o termo tribal: termo de alteridade que, da mesma forma que o termo étinico, propõe o olhar do outro ao outro (outro não hegemônico, não padrão, não branco, não europeu). Aborda a relação da história hegemônica com o olhar ao “outro” de forma excludente e somente inserida através da antropologia. Relata a temporalidade do termo e sua relação com a década de 70, sendo utilizado para indicar grupos unidos por uma afinidade para com algo. Na sua opinião o termo Tribal não deveria mais ser utilizado por carregar esses preconceitos expostos pelo olhar decolonial atual.

 

A primeira participante realiza o convite para que alguém da comunidade LGBTQ + e/ou algum representante que vivencia questões de negritude e/ou questões de minoria, que tenha reflexões a respeito, para falar sobre sua percepção do preconceito no meio e na utilização do termo Tribal em sua nomenclatura. 


Participante LGBTQ+: Aborda sobre a ressignificação de termos criando a ponte com a possibilidade de ressignificação do termo tribal dando exemplos sobre os ocorridos no meio acadêmico e não acadêmico.


Terceira pessoa a falar aborda o tema pelo olhar de mulher afro-brasileira / latino-americana: inicialmente aborda o tema pela visão latina colocando o Imperialismo e a colonização em pauta e questionando o como a comunidade latina deveria se posicionar quanto a mudança da nomenclatura. Aborda o sistema hierárquico do estilo FCBD style e suas características mercadológicas excludentes aos que não possuem poder monetário, acreditando que essas questões podem influenciar na nomenclatura. Concorda com a não representatividade do termo tribal por questões sociais, práticas e mercadológicas. Aborda a dificuldade da compreensão da natureza do fazer tribal para com editais e público em geral devido a nomenclatura originária que não define o fazer da dança para o leigo. 

Pela visão afro-brasileira aborda a necessidade de uma alternativa para que se possa experienciar a diversidade, se referindo a essas culturas de forma mais respeitosa. 


Quarta pessoa a falar também no lugar de fala da pessoa negra, inicia o discurso referenciando o livro : Antropologia da Dança, autora Giselle Guilhon - capítulos sobre os termo tribo e étinico, indicando a leitura para nossa comunidade de dança. Fala sobre a identificação da comunidade com o termo Tribal mesmo com seus entraves e sobre a sua opinião elegendo o termo Dança do ventre estilo tribal como termo de transição para a nova nomenclatura não definida. Aborda a importância da conversa com outros grupos e "etnias" que são comumente classificados como tribos, mesmo que os mesmos não se identifiquem como tal, para dar  lugar de fala a essas pessoas que são rotuladas como tribos e escutar sua opinião sobre a utilização do termo.  


A quinta participante aborda a necessidade de se aproximar da academia para uma discussão teórica sobre as terminologias, excluindo a questão do gostar ou não gostar do termo. A mesma indaga se a mudança da nomenclatura se dá por uma preocupação teórica ou epistemológica ou por uma questão de mercado? Indaga se existe sentido na mudança da nomenclatura dentro da nossa realidade de mercado brasileiro por questões inerentes ao mercado estadunidense. Qual a nossa relação com esse mercado estadunidense e o quanto essa pauta está ancorada em perspectivas liberais de pensamento (que perpetuam uma lógica capitalista e mercadológica excludente)? A mesma relata não gostar do termo tribo fora do contexto de dança e ainda enfatiza a disparidade de trocar o termo tribal por etnico já que os dois entram em uma mesma visão colonialista.


A sexta participante faz referência a fala de uma palestrante do evento Praksis  “O chicote duplo da colonização” e discorre sobre. Traz para a pauta a criação da nomenclatura pela observação de terceiros e não de pessoas referentes a criação do estilo. Relata sua visão sobre a dificuldade de debater o tema sem recorrer a materiais e questionamentos referentes ao mercado onde foi criado o estilo já que nossa realidade é toda outra.


A próxima participante a pedir a palavra enfatiza o desconhecimento do público geral e dos praticantes de outras modalidades de dança sobre o estilo, e o quanto a atual conjuntura de mudanças e utilização de nomes diferentes por profissionais renomados pode dificultar a divulgação / mercado de nosso estilo.  Relata que devido a nomenclatura atual possuir ampla possibilidade de associações/interpretações, a mesma sempre precisa discorrer longamente sobre a história do estilo para que o mesmo seja compreendido. 

 

A próxima participante cita as indagações da dançarina/professora/pesquisadora Donna Mejia e a sua influência no pensar o termo tribal da atualidade. Relata a sua percepção sobre as indagações da pesquisadora citada acima, onde interpreta que precisamos nos aprofundar no estudo das origens, dos povos e sua cultura devido às peculiaridades vinculadas ao estilo e não somente mudar a nomenclatura.


A nona participante discorre sobre o surgimento do tema da apropriação cultural em meados de 2010 nos Estados Unidos, e a dificuldade das grandes representantes do estilo em abordar o tema e se posicionar antes do posicionamento de Donna Mejia, que se enquadra em um amplo lugar de fala. Discorre sobre a maior dificuldade das dançarinas do estilo que se encontram na América Latina em estudar sobre a bases do estilo através de cursos com as precursoras, devido a sua concentração nos EUA, aos valores elevados, e a valorização do dólar. Apresenta sua preocupação com a ideia de algumas dançarinas de aderir a uma nomenclatura de forma isolada de acordo com as necessidade e peculiaridades da estrutura social local e se isolar do estilo que já possui praticantes em muitos países.

Expressa sua opinião sobre a necessidade de um termo consensual indicado pelos grandes nomes de referência e a necessidade de uma cobrança do grupo latino americano a essas representantes estadunidenses através de elaborações em conjunto de forma uníssona enfatizando a necessidade da nomenclatura para o fazer mercadológico. 


A décima participante enfatiza a questão da nomenclatura atual não ser descritiva, carregando um peso de “nome não oficial” desde sua criação. Traz luz a um dos porquês para dificuldade de se nomear o estilo : a dificuldade de definir o estilo tribal por sua ampla variedade de interpretações sobre quais são suas principais bases. Relata que na sua opinião o momento para o estilo é de extrema importância e pode agregar muito pelo pensar a dança, suas características, a pontuação das diferenças e semelhanças de cada uma das várias vertentes atuais do estilo. Mostra sua discordância com uma das participantes anteriores sobre o termo Tribal ser um termo acadêmico. Na sua opinião, o termo tribal está atualmente (nos últimos 10 anos) sendo discutido no meio acadêmico para a compreensão do que foi utilizado por pessoas leigas intuitivamente. 

Indaga se assim como o termo, se a dança em si moralmente falando, não é algo politicamente incorreto na visão atual. Na sua opinião ela não seria.

Exemplifica a adaptação a nomes inapropriados utilizando o termo Dança do Ventre e relata a adaptação do público ao termo com o passar do tempo e o crescimento da modalidade. 


A décima primeira participante enfatiza a dificuldade da escuta pelas estadunidenses, dos  países que abraçaram o estilo FCBD Style e sofreram grande impacto com a mudança da nomenclatura.  Na sua opinião, a mudança do nome sem a discussão sobre  apropriação cultural se caracteriza como uma “fuga” improdutiva.

Em sua opinião seria interessante haver maiores pontes, conversas, debates entre os países subalternizados sem a necessidade da constante consulta dos países centrais em relação ao estilo. Concorda com a opinião de participantes anteriores sobre a importância de se estudar e compreender o fazer do tribal ao invés de focar totalmente na identidade através da nomenclatura.


No chat do encontro uma participante perguntou: o que vocês acham do termo Transnacional fusion? e pede para que outras participantes discorrem sobre.


A  próxima participante faz uma ratificação por entender que não foi bem compreendida por uma das participantes que se baseou em sua fala. Ela enfatiza que o termo tribal não veio do meio acadêmico, porém o questionamento/ inquietação sobre a utilização do termo tribal  sim. Fala sobre o termo Tribo Urbana criado na década de 80 e sua influência na nomenclatura do estilo pela alargamento no conceito de tribo amplamente criticado atualmente pela academia. Aborda a importância do estudo do termo Tribal pelo olhar acadêmico sem a necessidade de o fazer academicista, gerando uma construção do conhecimento através da dialógica entre  academia e sociedade.


Em resposta ao questionamento no chat, uma das participantes responde:  Pontua que a pesquisa de Donna Mejía se iniciou em 2011 sem grande adesão de suas pesquisas pela comunidade da dança. Ela relata que a tradução/ intenção da utilização do termo transnacional seria ‘’para além das fronteiras’’, aproximando mais as pessoas. A participante discorda da utilização do termo pela não diluição das fronteiras culturais, visto que a mesma foi criada em meio ao paradigma cultural colonialista do fazer estadunidense. 


A próxima participante relata que o termo transnacional não foi criado por Donna Mejia, visto que o termo foi pensado na década de 90 pelas ciências sociais pela necessidade do pensar o colonial e o aculturamento dos povos colonizados, agindo para tirar o colonizado do lugar de passivo e trazendo o foco para a influência gerada pelo encontro das duas cultural simultaneamente.

Pontua sobre a percepção através de um olhar antropológico acadêmico de Donna Mejia como professora de dança para a eleição na sugestão do novo termo para designação do estilo. Porém, de acordo com a participante, o termo transnacional já não é bem aceito no meio acadêmico. Para finalizar, se posiciona discordando da fala de uma das participantes sobre o fazer da dança tribal não ser correto, já que a seu ver a dança só não é certa se não houver embasamento.


A próxima participante relata seu descontentamento com o termo transnacional e sobre a problematização em relação a trocar o nome da dança após ser utilizada por longo período. No seu ponto de vista o termo tribal atualmente já é reconhecido com suas particularidades corporais e estrutura visual e deixar de usar o termo seria uma grande perda do que já foi conquistado no mercado da dança. 


O último participante tenta resumir os conteúdos abordados. utiliza exemplos para trazer a pauta a tentativa atual de várias danças de buscar nomenclaturas mais fiéis às suas origem para definir de forma mais precisa as culturas estudadas, dando como exemplo o uso do termo Raq al sharq ao invés de dança do ventre e cavalo marinho no lugar de danças brasileiras, diminuindo assim a utilização de termos hegemônicos. Embasado nessa tendência, classifica o transnacional como hegemônico e inapropriado. Ratifica falas de participantes anteriores sobre a necessidade da maior conversa entre academia e conhecimento popular, mostrando a importância de ambos. 


Enfatiza a importância da decisão do nome apropriado para o estilo  devido a necessidade mercadológica dos profissionais da dança e discorre sobre o quanto as atuais discussões e o pensar o estilo junto a academia vão afetar o nosso fazer da dança.


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Fórum Tribal

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Fórum Tribal - Fórum Brasileiro de Dança Tribal e Fusões

 


Sobre a coluna:

Muito se fala em um lugar ideal, onde possamos olhar no fundo dos olhos e reconhecer algo de grandioso além-nós. Não me servem palavras desgastadas, então penso que esse lugar não tenha nome.

Entretanto, meu corpo ainda vibra quando penso em “comunidade”. Essa palavra que enche a boca e o coração. Comunidade me parece algo inteiro, construída de pequenos fragmentos. Míseros farelos. Ou ainda, grandes universos.

Penso que esse lugar, morada do que é comum, não exista e que, talvez, seja impossível criá-lo. Mas bem no fundo do meu âmago, acreditar neste improvável me dá forças para mudar o processo, o hoje, o agora.

Eu acredito nesse lugar! Eu acredito no impossível!

E hoje, eu não sou eu. Porque hoje, não estou sozinha.

Divido a dor e a alegria de acreditar na humanidade e me torno nós.

Nós, míseros farelos, não temos produto, nem serviço. Não estamos vendendo, não estamos divulgando. Nem nomes temos.

Somos como a virgem e nosso intuito é servir. Trabalhamos para proporcionar um espaço àqueles que sentem o chamado. Facilitaremos a sua manutenção para que vocês venham semear a terra.

Estaremos dispostas a doar, a cooperar, sem nada pedir em troca. Mas temos um sonho... Ver o recém chegado e o pioneiro, o aluno e o professor, o acadêmico e o autoditada, o curioso, o entusiasta. Temos o sonho de iniciar uma grande roda, com eixo imóvel, que nos permita o movimento.

Como a Estrela, nos ajoelhamos diante do rio e oferecemos nossas águas. Nuas, vulneráveis, mas cheias de esperança.

Venha! Escolha seu lugar na grande roda. Pegue um dos fios do novelo... Juntos, como iguais, carregando o sangue velho das avós, teceremos o amanhã!

Texto por Hölle Carogne



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