Entrevista #49: Monni Ferreira

  por Aerith


Nossa entrevistada do mês de Novembro é a poderosa Monni Ferreira, artista que fusiona diferentes linguagens em sua dança, como contemporâneo, danças urbanas e afro-brasileiras. Monni compartilha com a gente sua história, conquistas, lutas e muito mais! Bora conhecer mais sobre essa deusa do agito? Boa leitura!

BLOG: Conte-nos sobre sua trajetória na dança do ventre/tribal. Como tudo começou para você?

Bem, eu sou nascida e criada em Salvador (BA) e lá foi onde eu me apaixonei pela dança. Minha primeira aula foi aos 10 anos de idade, eu estudava numa das poucas escolas públicas que tinham atividades artísticas extracurriculares e tive a sorte de encontrar no meu caminho uma professora incrível que me ensinou a importância da arte na nossa formação enquanto indivíduo. Professora Isabel, como carinhosamente a chamo até hoje, sempre se dedicou ao ensino da dança, mas as suas aulas ensinavam muito mais que alongamentos e coreografias, a gente aprendia também sobre ética e cidadania; foi com ela que descobri não só a dança, mas também o teatro musical. Baiana que sou, foi com a mistura do Brasil com o Egito que eu tive o meu primeiro contato com algo próximo ao que seria a dança do ventre.

Anos depois, já estudando na Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb/SecultBA), eu fiz uma aula experimental com o professor Rafael Jones e me encantei com essa dança. Por conta de outras atividades eu acabei parando com as aulas de Rafael, mas voltei para a dança do ventre em 2008 com a professora Lory Rabie onde permaneci até minha mudança para São Paulo. Foi com Lory que tive o meu primeiro contato com o Tribal através de algumas movimentações que ela trouxe para as aulas.

Naquela época a gente não tinha acesso à internet como temos hoje, então eu só vim conhecer professoras do estilo em Salvador quando eu já estava morando em outro estado. Em 2011, já em São Paulo, eu comecei a estudar oficialmente o estilo tribal com a professora Rebeca Piñeiro que algum tempo depois lançaria a escola e festival Campo das Tribos.

BLOG: Quais foram as professoras que mais marcaram no seu aprendizado e por quê? 

Que difícil essa pergunta (rs). Eu sempre gostei muito de estudar então durante a minha trajetória eu tive a oportunidade de aprender com muitos profissionais da dança. Certamente eu vou esquecer algum nome (e eu já peço desculpas por isso!), mas vou tentar lembrar de uma forma cronológica para facilitar. 

Já falei da Professora Isabel, a minha primeira professora de dança, que foi a grande responsável por essa minha paixão que é dançar. Marília Galvão foi a segunda professora que marcou a minha trajetória, pois foi ela que me apresentou a dança contemporânea e foi com ela que eu amadureci como bailarina. Meu saudoso Mestre King, minha referência em dança afro. Isis Carla minha fonte de inspiração nas danças brasileiras. Rafa e Lory que me conectaram com a dança do ventre. Rebeca que foi minha primeira professora de Tribal e ATS®. Najwa Zaidan que me reconectou com a dança do ventre. Todas as mestras que me ensinaram tanto durante o curso técnico em dança.  E Marlon Vila Nova que incrivelmente me fez apaixonar pelo ballet depois dos 30.

Monni com Marília Galvão, Mestre King, Isis Carla, Najwa Zaidan e Rafael Jones


 BLOG: Além da dança tribal você já fez ou faz mais algum tipo de dança? Há quanto tempo?        

Minha primeira formação foi em dança contemporânea, mas eu já fiz outros diferentes estilos. Em Salvador tive a oportunidade de estudar dança afro na escola de dança da Funceb, uma das maiores referências em dança no Brasil, e onde eu também comecei a estudar dança do ventre e brasileiras. Além destas eu também me aventurei no teatro musical. Quando comecei o curso técnico em dança eu já estudava o Estilo Tribal, então tomei como linha de pesquisa as bases deste e fui me aprofundar nas danças indianas e flamenca, além das danças árabes que eu já fazia. O ballet apareceu neste período como uma obrigação por fazer parte da minha grade curricular, mas acabou que eu me apaixonei e percebi uma melhora significativa na minha dança, então não parei mais. Neste meio tempo eu conheci um pouco mais das danças urbanas e deste então sigo estudando as diferentes vertentes deste estilo.

 

BLOG: Quais foram suas primeiras inspirações? Quais suas atuais inspirações?

Eu sou completamente apaixonada pelo legado de Isadora Duncan, Martha Graham, Pina Bausch e Angel Vianna. No Tribal minha primeira inspiração foi Ebony Qualls. Eu lembro do primeiro vídeo que assisti dela e da mistura de sentimentos que eu senti naquele momento. Era a primeira bailarina negra que eu assistia dançando Tribal Fusion e para mim foi como se eu recebesse um recado dizendo "ei garota, você também pode dançar isso sendo você mesma". Depois desse vídeo eu comecei a pesquisar por mais mulheres pretas dentro do tribal e foi então que eu conheci o trabalho da Donna Mejia. Que mulher incrível! Hoje sigo apaixonada por elas duas e ainda tenho como inspiração no estilo os trabalhos de Piny e de todo o grupo Orchidaceae, Jill Parker, Julieta Maffia, April Rose, Luisana e das brazucas Paula Braz, Jessie Ra'idah, o grupo Resistência Bellyblack e tantas outras mulheres maravilhosas como as minhas queridas parceiras de Mahapsara e de tantos outros projetos: Raquel Coelho, Dany Anjos e Mari Garavelo. 😍


Monni com Jill Parker, Ebony Qualls e Julieta Maffia

 

BLOG: O que a dança acrescentou em sua vida?

Nossa, eu acho que de tudo um pouco. Com a dança eu aprendi sobre ética, humanidade, responsabilidade, acolhimento, disciplina...

Além disso, foi a dança que me apresentou pessoas e histórias incríveis. Sou extremamente grata a esta arte por me proporcionar tais encontros nesta vida.

BLOG: O que você mais aprecia nesta arte?

Acho que a experimentação, o fato de me permitir ser e criar. No Fusion trabalhamos muita a consciência corporal e nos permitimos ir muito além do que é orgânico. Nos desafiamos a cada movimentação e descobrimos a nossa força interior através da dança. 

BLOG: O que prejudica a dança do ventre e como melhorar essa situação? Você acha que o tribal está livre disso?  

Acho que as chamadas "panelinhas" e, principalmente, a falta de oportunidades. Como bailarina negra e nordestina eu vejo que o mercado da dança do ventre ainda vende um padrão eurocêntrico que não condiz com a realidade dos corpos brasileiros. Bailarinas do Norte e Nordeste ainda são desconhecidas pelo grande público e muitas vezes precisam deixar as suas regiões de origem para conquistar um lugar ao sol. Além disso o corpo negro dentro deste estilo ainda é visto como fora do padrão. Isso é desanimador demais, cansa!

De forma alguma o cenário tribal está livre disso. Na verdade, o que observamos é exatamente uma cena espelhada a da dança do ventre, só que um pouco mais restrita e, até mesmo, camuflada numa falsa filosofia de tribo. Vou deixar aqui para reflexão sobre este ponto:


Quantas bailarinas nordestinas você viu estampando um evento da região Sul ou Sudeste nos últimos anos? 


E quantas bailarinas pretas você viu nesses mesmos cartazes? 
 

BLOG: Você já sofreu preconceitos na dança do ventre ou no tribal? Como foi isso?

Sim, inúmeras vezes. Quando me julgam pela minha aparência, quando esperam de mim um mesmo tipo de performance caricata, quando não possibilitam o meu acesso a aulas e eventos. Aqui acho importante ressaltar que o preconceito, bem como o racismo, nem sempre vai se manifestar através de uma ação direta e violenta.  

BLOG: Houve alguma indignação ou frustração durante seu percurso na dança?

Sim, infelizmente. Eu comecei a dançar ainda muito pequena e quando criança a gente sonha e cria muitas expectativas pra vida, comigo não seria diferente. Por exemplo, quando pequena eu sonhei em ser uma bailarina profissional de ballet, mas este estilo não se apresentou de forma amigável para mim num primeiro momento. Durante muito tempo eu fui a fora do padrão, a que sempre ficava no fundo, a que nunca poderia errar pra não chamar mais atenção. Nesse processo a gente vai crescendo tentando se encaixar em um padrão e essa caminhada é tão dolorosa e solitária que muitas de nós desistem no caminho. Eu desisti algumas (muitas!) vezes, mas tive a sorte de encontrar forças dentro de mim mesma para voltar e continuar.

Acho que hoje a minha maior frustração ainda é chegar num evento de dança e me vê ali como a única bailarina preta. Isso sempre me faz pensar em quantas irmãs ficaram pelo meio do caminho. 

 

BLOG: E conquistas? Fale um pouco sobre elas.  

 Monni com o grupo do Intensivo Coreográfico e Piny Orchidaceae

Uma grande conquista para mim foi a realização do curso técnico em dança. Este era um sonho antigo meu e quando eu já nem imagina mais fazer a oportunidade surgiu e eu finalmente consegui me formar em dança. Também destaco um 3º lugar (com sabor de 1º!) no concurso solo tribal feminino no Festival Shimmie Rio de Janeiro em 2016. Algumas apresentações também foram grandes conquistas para mim, como as que realizei em Curitiba, no Underworld Fusion Fest, e em Buenos Aires, na Muestra Show de Polina Shandarina, e ainda a oportunidade de estudar com grandes mestras como Jill Parker, Ebony Qualls e Piny Orchidaceae. Nesta última ainda destaco o fato de ter dançado uma coreografia de sua autoria no Festival Tribal Spin, em Salvador.

Porém eu acredito que minha maior conquista ainda é sobreviver às adversidades e continuar dançando.

 

BLOG: Como é o cenário da dança tribal em São Paulo? Pontos positivos, negativos, apoio das cidades, repercussão por parte do público bem como pela comunidade de dança do ventre/tribal? 

São Paulo é uma cidade gigantesca e que te apresenta inúmeras possibilidades, mas quando você vive em São Paulo o difícil é você consumir tudo aquilo que a cidade te oferece. Na dança isso não é diferente. Quando eu cheguei em São Paulo o cenário tribal estava em ascensão e eu tive a oportunidade de estudar com profissionais incríveis. Naquela época muita gente estava começando a conhecer o estilo e eu lembro que a escola Campo das Tribos logo virou referência, pois conseguiu reunir a maioria dos profissionais da região num só lugar. Atualmente existem mais profissionais e mais escolas que abriram a sua grade se aulas para o Fusion, isso foi uma conquista imensa para o estilo. Uma dificuldade que eu enxergo hoje tem relação com uma questão de acessibilidade, pois, no caso da capital, existe uma concentração de aulas na zona oeste, enquanto que na zona leste e norte são pouquíssimas as escolas.

Acredito que a variedade seja um ponto positivo de São Paulo, pois existem profissionais de diferentes vertentes do estilo e o público pode escolher o que mais agradar ao seu próprio estilo. Como ponto negativo eu poderia destacar o alto custo dos eventos e aulas, mas isso acontece muito porque São Paulo é uma cidade cara. Por exemplo, o custo de uma pauta num teatro bem localizado, com uma boa estrutura de iluminação e acústica, um palco razoavelmente grande e uma plateia bem distribuída é altíssimo e, na maioria das vezes, esses eventos não são patrocinados.

Quanto ao público, eu acho que hoje existe um pouco mais de conhecimento e acolhimento do estilo, principalmente dentro da dança do ventre. A inclusão também é maior do que há dez anos atrás. Alguns eventos grandes de dança do ventre hoje possuem categorias dedicadas ao Tribal, coisa que antigamente não existia. O que não mudou muito é que a maior parte deste público ainda é formada por pessoas da própria dança e não ocorre muita renovação.

BLOG: Conte-nos um pouco sobre suas principais performances. O que a inspirou para a formulação da parte conceitual e técnica das mesmas, assim como seus processos de elaboração dos figurinos e maquiagens. Como essas coreografias repercutiram na cena tribal? 

O processo criativo das minhas performances geralmente segue um mesmo caminho. Quando a música não me escolhe eu costumo partir de uma ideia, um conceito ou personagem que desejo expressar com a minha dança. Definido isso, eu começo a pensar nas características deste personagem ou na narrativa que eu pretendo seguir. Neste momento o trabalho coreográfico é iniciado utilizando também elementos cinestésicos que vão me ajudar na construção de uma memória corporal. Durante todo esse processo eu procuro pensar no figurino, maquiagem, cabelo e tudo mais que possa me ajudar a expressar este personagem e/ou este conceito.

Posso destacar as performances Oiá Igbalé, Guardião e Sabá Odoyá como exemplos deste meu processo de criação coreografia. Todas estas tinham como inspiração a fusão com a dança afro e os arquétipos dos orixás. Enquanto que em Oiá Igbalé e Guardião eu trabalhei com a construção de personagens, em Sabá Odoyá o meu objetivo foi trabalhar com um conceito de Iemanjá não só como rainha do mar, mas também como a Grande Mãe, aquela que acolhe, mas também destrói. Eu recebi feedbacks maravilhosos nestas três performances, acho que foram importantíssimos para me manter em linha com esse meu processo criativo.

 

 

Sabá Odoyá

 

BLOG: Como é fazer parte de um grupo de ATS®/ FCBD® Style? Qual a importância que você vê no ATS®/ FCBD® Style

Melíade Tribal ITS

Uma delícia! Eu sou apaixonada pelo ATS®, agora FCBD® Style, e lembro o quão difícil foi me adaptar a esse sistema de improviso coordenado, mas hoje eu sinto muita falta de dançar com 'azamigas'. Durante a minha trajetória no Tribal eu tive a oportunidade de participar de alguns grupos do gênero e essa possibilidade de criar em conjunto é maravilhoso. O grupo Melíade Tribal ITS, do qual fiz parte de 2012 até 2017, tinha como base a estrutura e movimentações do ATS®, mas enquanto grupo de ITS (Improv Tribal Style) a gente tinha liberdade para criar e experimentar.

Eu acho esse um estilo incrível e super recomendo pra qualquer pessoa. Você vai trabalhar não só o físico, mas também vai desenvolver consciência corporal e percepção espacial. 


BLOG: Conte-nos sobre a sua participação em outros grupo de Tribal, seus integrantes, qual estilo marcante de cada grupo e se ele sofreu alguma mudança estrutural ou de estilo desde quando foi criado.


Como eu comentei numa outra pergunta, eu fiz parte do grupo Melíade Tribal ITS durante alguns anos e a gente utilizava como base a estrutura do ATS®. O grupo inicialmente era formado por Juliana Araújo, Zambak Parikhan, Ludmila Fornes e eu, depois se uniram ao grupo Ana Meredith e Raven Kirsh. Nós costumávamos trabalhar nas apresentações alguma temática visando construir uma narrativa. Foi assim com a performance "Tríade" onde trabalhamos a Deusa Tríplice em suas três figuras femininas: a Donzela, a Mãe e a Anciã. Acredito que o Melíade se destacava na cena justamente por ter como característica a criatividade e a inovação. Certamente foi uma fase muito feliz e de grande aprendizagem na minha trajetória.



Em 2017 recebi um convite muito especial da querida Mari Garavelo para participar de um projeto que tinha como proposta trazer um olhar devocional à dança. O Mahapsara Dance Group surgiu no ano seguinte e foi uma delícia embarcar nesta aventura com Mari, Raquel Coelho, Dany Anjos e Nina Araújo. Indo muito além de um grupo que dança Tribal Fusion, o Mahapsara é uma reunião de mulheres que usa a linguagem da dança para falar das diferentes deidades femininas. Das nossas apresentações mais marcantes eu posso destacar a que realizamos no show da banda Corvus Corax na FolkFair 2018 e a do Jantar Medieval do Taberna Folk que ainda contou com o show da banda Faun. Mari é muito criativa e talentosa, como coreógrafa acho que ela ainda vai preparar coisas bem interessantes para o Mahaps.



BLOG: Um dos seus trabalhos dentro do Tribal  é a fusão com hip hop. Conte-nos um pouco como surgiu essa preferência e como você busca fusionar essa linguagem na sua dança. Na sua opinião, qual a principal característica para uma performance ser considerada Urban Fusion?



Eu sempre curti muito as danças urbanas, assistia em vídeos e achava a coisa mais incrível do mundo. Não sei como funciona hoje, mas em Salvador aconteciam muitas intervenções e batalhas, mas eu só ficava assistindo e não arriscava nenhum passinho, demorei pra tomar coragem e me jogar. Daí quando eu comecei a estudar o Fusion e vi que era possível trabalhar também com as danças urbanas nas minhas movimentações eu senti que tinha que me permitir isso. Depois foi fácil juntar os dois. 


Primeiro eu fui estudar o hip hop, o locking e o popping que eram as movimentações que eu mais identificava nas performances de Fusion. Depois me encantei pelo house, mas foi no dancehall que eu pirei e me encontrei. As aulas são incríveis, os steps são divertidos e a energia é surreal. Particularmente gosto de estudar e experimentar um estilo de dança até deixar o meu corpo o mais confortável possível com a nova leitura corporal, mas quando eu conheci o dancehall eu fui um pouco além, eu senti que precisava estudar também a base musical. Lógico que ninguém precisa fazer um curso de música pra dançar, mas naquele momento eu senti que precisava aprender muito mais e isso abriu minha mente para inúmeras possibilidades. 


Eu considero uma performance como Urban Fusion quando eu vejo repertório de danças urbanas, independente do estilo, em harmonia com o vocabulário do Fusion, mas além do repertório o que eu procuro encontrar é a chamada "atitude hip hop" que minhas alunas super conhecem. Infelizmente ainda existe muito preconceito com esse estilo e cultura que tem tanto pra nos ensinar.

BLOG: Conte-nos sobre suas fusões do estilo Tribal Fusion com danças populares brasileiras e africanas. Como surgiu a afinidade por tais fusões? 

Foi muito natural. Eu já falava em dançar ATS® ao som de Margareth Menezes durante as aulas, por exemplo. Sempre que possível eu trazia para a minha dança alguma referência da minha história. Acho que quando eu fui adquirindo mais confiança e segurança na técnica do Fusion eu comecei a experimentar movimentações com as danças que eu já tinha afinidade e tinha trabalhado em outros momentos da minha trajetória. Então tudo foi acontecendo muito naturalmente, pois a afinidade e o conhecimento já existiam. 

No caso das danças africanas, eu acho que houve também um resgate a ancestralidade. Eu fui buscar referências em danças de matriz africana para então voltar e olhar para as minhas bases na dança afro lá da época em que eu estudava na escola de dança da Funceb, em Salvador.


 

BLOG: O tema sobre “apropriação cultural” tem sido debatido na comunidade Tribal
em âmbito mundial. Qual sua opinião sobre o assunto dentro do universo da Dança Tribal? 
 

Ahhh muita gente me escreve pra saber/entender sobre esse assunto tão polêmico. Eu até fico surpresa por ainda ter que contextualizar o que de verdade seria essa tal apropriação cultural, mas de fato essa ainda é uma pauta existente dentro da cena Tribal. Então eu convido você que está lendo esta entrevista a acompanhar no próximo mês a minha coluna "Sankofa" aqui no Blog, pois >>ALERTA DE SPOILER<< vamos falar desse tema lá 😆🤫


BLOG:  Como é ser colunista do Coletivo Tribal? Qual a importância desse espaço para
a cena Tribal Brasileira? Fale um pouco sobre a proposta da sua coluna , a Sankofa. Como você seleciona os temas a serem abordados nessa plataforma  e como os desenvolve?


Olha este certamente foi um grande presente de recebe neste ano tão caótico. Quando a Aerith me fez o convite eu nem pensei duas vezes. Pra mim esse blog sempre foi uma grande referência na cena tribal pela relevância dos conteúdos abordados. Eu estou adorando ser colunista do Coletivo Tribal, pois sinto que posso contribuir bastante com o crescimento da cena. A proposta da minha coluna “Sankofa” passa inclusive pelo significado da própria palavra que tem como essência voltar ao passado para ressignificar o presente. A minha ideia é apresentar o quanto que as culturas africanas influenciaram e continuam influenciando o Estilo Tribal, é destacar a importância da diversidade na dança e, quem sabe, fazer desta uma arte mais inclusiva. Sei que o processo é lento, mas precisamos dar um primeiro passo. Sobre os temas eu penso que eles precisam conversar com esta proposta da coluna, precisa existir essa identificação com a temática afro, pois é algo praticamente esquecido no nosso meio. A minha ideia é que a coluna seja colaborativa, por isso já convidei algumas bailarinas pretas para contribuir com essa temática. Eu posso te garantir que tem muita coisa boa vindo por aí, muito conteúdo bacana pra contribuir com o crescimento do estilo, fiquem ligades!!! E se você tem interesse em contribuir com a coluna pode me procurar pra gente bater um papo e desenrolar essa colab. 

BLOG: Atualmente, muitas bailarinas do tribal fusion estão saindo um pouco do rótulo e fazendo várias experimentações. Como você encara as fusões experimentais? Quais fusões você tem mais interesse em desenvolver em sua dança? Qual principal cuidado que o estudante de tribal deve ter ao querer apresentar esse tipo de performance? 

Eu super apoio as experimentações. Acredito que a gente enquanto artista precisa manter a mente aberta e livre para experimentar. Por outro lado, é importante também ter atenção com alguns pontos importantes quando estamos trabalhando uma fusão como a técnica do estilo e a sua identidade. Não basta apenas usar uma música de tango e dizer que está fazendo uma fusão, é preciso trabalhar a essência desse estilo dentro da sua proposta de performance, por exemplo. 

Eu já trabalhei com a fusão de alguns estilos, o primeiro deles foi através da leitura musical dentro do estilo DUB que é caracterizado pelas marcações de baixo e bateria e estudo da cultura Dancehall, ambos originais da Jamaica. Desde 2017, venho desenvolvendo um trabalho com as danças afro-brasileira dentro do Tribal Fusion através dos arquitetos dos Orixás.

Todas as vezes que eu pensei em fazer uma fusão eu fui estudar para conhecer mais do estilo e me aprofundar nas movimentações. Acho importante esse mergulho de cabeça quando existe o interesse em trabalhar a fusão com algum estilo. Obviamente que você não precisa se aprofundar, mas um mínimo de pesquisa e cuidado com a essência é necessário. 


BLOG: Atualmente, o ativismo em prol à causa negra na dança do ventre e estilo Tribal tem se fortalecido com várias ações como lives, shows onlines e presenciais, fóruns, grupos, entre outras manifestações culturais. Qual importância desses movimentos? Como eles tem se desenvolvido e repercutido na nossa cena de dança? Qual a maior dificuldade participantes e colaboradores desses projetos tem  sofrido? Quais são as principais causas e pautas que a comunidade bellyblack busca no contexto do artista preto brasileiro na cena Tribal?

Olha, nem sei por onde começar a responder todas essas perguntas (risos). Bem, primeiro eu acho que preciso pontuar aqui que esse ativismo já existe há algum tempo, mas agora ganhou uma proporção maior e eu me atrevo a dizer que a grande responsável por todo esse movimento seja Angela Cheirosa, uma das maiores bailarinas que eu já conheci. Cheirosa é muito mais que uma inspiração, ela é um exemplo a ser seguido. Admiro o trabalho dela e a força que essa mulher tem para quebrar tantos paradigmas. Eu sempre me senti muito sozinha na dança, mesmo quando estava numa sala cheia ou num evento lotado, pois a vida de uma bailarina negra é solitária, olhar para os lados e perceber que você é a única preta no local é triste demais. A verdade é que o racismo está presente na dança assim como ele está presente nas nossas vidas, no nosso dia-a-dia, e o que sempre ocorreu na arte foi manter esse racismo velado, era um assunto que ninguém poderia falar, pois na dança não existia algo assim. Então eu acredito que esse movimento é legítimo e surge como forma de reivindicação de espaço, reconhecimento e oportunidade não só para o povo negro, pois ele possibilita a quebra do padrão hoje existente e busca uma maior diversidade de corpos na nossa dança. 

Quanto à repercussão eu acredito que ainda é pouca, na verdade eu acho que faltam ações efetivas no mercado da dança do ventre e tribal. O trabalho de conscientização é diário e pesado e a gente ainda precisa desconstruir muito coisa nesse meio, então a falta de ações convergentes com a causa desanima demais. Dá aquela sensação de estar rodando em circulo sabe?! Esta precisa ser uma pauta presente em escolas e eventos, a gente precisa questionar a falta de diversidade, não dá mais para aceitar que o cabelo black de uma bailarina preta seja avaliado como fora do padrão, a gente precisa questionar que padrão é esse, não dá mais para fingir que a gente não tá vendo a professora colocando a única aluna preta no fundo da coreografia, não dá pra achar normal ver o cartaz de um evento só com profissionais não negros, não dá mais para ver tantos sonhos desfeitos por conta deste sistema. Entendam, a nossa luta, que também precisa ser sua, é por oportunidade e reconhecimento. 

BLOG: Apesar de estar cada vez mais se consolidando e ganhando força, a dança tribal ainda é recente no universo da Dança. Como a dança tribal está ganhando espaço na cena acadêmica? E o que você considera importante ainda ser trabalhado no âmbito acadêmico para a dança ser mais valoriza e reconhecida? 

Acredito que o estilo vem ganhando espaço a passos bem curtos na academia. Além do desconhecimento, existe também um preconceito com esta dança principalmente entre os mais clássicos. Por este ser um estilo ainda recente e em constante transformação acho que dificulta ainda mais a sua valorização. Para mim, ainda é necessário que haja mais pesquisas e trabalhos científicos que abordem o estilo tribal, as danças árabes e também as danças de fusão. Um repertório definido bem como uma metodologia de ensino universal também ajudaria no reconhecimento deste estilo. Sinceramente, enquanto estivermos olhando para o Fusion buscando o pioneirismo individual será cada vez mais difícil o acesso desta dança no cenário acadêmico. 

BLOG: Qual importância da prática do Yoga para a dança?  

Eu acredito que a prática seja muito útil para qualquer pessoa, independente se é da dança ou não. Igualmente a terapia, que eu acho que todo mundo deveria fazer sabe?! (risos)

A primeira vez que eu escutei sobre a importância do Yoga e experenciei na dança foi durante os workshops de Sharon Kihara. Eu lembro que logo depois das aulas dela eu já estava pesquisando onde estudar e praticar. Eu fiquei tão encantada com a forma como ela falava do Yoga e dos benefícios, não só na dança como na vida, que eu comecei com as aulas regulares pouco tempo depois.  

BLOG: Em sua opinião, o que é tribal fusion?  

Uma grande salada muito saborosa!!!

Eu amo salada, logo dá pra entender o porquê desta minha comparação (ou não! já diria Caetano 😅). Pra mim o Estilo Tribal significa liberdade no sentido de possibilitar a experimentação, mas além disso, e aí pensando mais na parte teoria e histórica, eu enxergo essa dança com uma base muito sólida nas danças árabes para guiar as diferentes estilizações existentes. E o tempero dessa salada é a referência pessoal, a personalidade de cada corpo.



BLOG: O que você mais gosta no tribal fusion? 

As inúmeras possibilidades. Eu sempre comentei com as minhas alunas como isso me fascina no estilo, como desperta a minha criatividade e o quão desafiador ele é. Eu percebo que no Fusion é possível enxergar mais facilmente a identidade de cada bailarina.

BLOG: Você considera a dança tribal uma dança étnica contemporânea? Por quê? 

Sinceramente, pelo meu entendimento do que seja uma dança étnica, eu não acho que o que conhecemos como dança tribal seja uma dança étnica. Para mim o Estilo Tribal é uma grande mistura de outros estilos de dança que em suas origens podem ser classificadas como étnicas, mas essa fusão que trabalhamos hoje não poderia ser definida como tal. Acho que ainda estamos caminhando para uma definição de nomenclatura do estilo que é muito novo e ainda deve sofrer muitas modificações pela frente.

BLOG: Como você descreveria seu estilo? 

Eu não faço a menor ideia 😅 🙈

Olha eu nunca parei pra pensar sobre isso e sinceramente acho muito difícil rotular a dança. Eu entendo meu estilo como Tribal Fusion (ou seja lá qual o nome que o estilo recebe atualmente RS) e no momento eu trabalho a fusão com as danças de matriz africana sem esquecer de toda bagagem adquirida em outros diferentes estilos que estudei ao longo da minha trajetória. Acho que estou vivendo este momento agora e está muito bom. 

BLOG: Como você se expressa na dança? 

Isso depende muito de cada performance e da sua proposta em cena, mas basicamente eu procuro levar verdade na minha dança. Eu me entrego e mergulho de cabeça, então tem muita intensidade em tudo que eu faço. Penso em cores, formas, cheiros, texturas e tudo o que pode compor a minha construção coreográfica e me ajudar a expressar aquilo que eu estou levando com a minha dança. 

BLOG: Sobre sua carreira, qual/quais seu momento tribal favorito ou inesquecível? 

Eu sinto que ainda estou em processo de construção da minha bailarina dentro deste estilo, mas acredito que os momentos mais inesquecíveis desta minha trajetória foram nas minhas apresentações com o solo “Oiá Igbalé”. Já na estreia, no Underworld Fusion Fest em Curitiba (2018), eu senti que aquela não seria uma performance qualquer, pois além de feedbacks incríveis eu pude perceber a emoção do público, mas a ficha só caiu pra mim na segunda apresentação no Sarau Shamando as Tribos Dark Side, em Piracicaba (SP). O clima mais intimista me deixou mais próxima da plateia e a energia reverberou de uma maneira indescritível. Eu fiquei tão assustada com a repercussão destas duas apresentações que a minha primeira reação foi de simplesmente tentar negar e não seguir com esta performance, evitando até divulgar vídeos destas apresentações temendo a reação das pessoas ao assistir, mas foi exatamente com a divulgação de um desses vídeos que eu percebi que esta não era uma performance só minha e que eu não tinha o direito de guardá-la só para mim, pois a arte não pode ser contida e a mensagem que esta performance transmite tem assinatura de Oiá. Minha última apresentação com esta performance foi na Argentina, na Muestra Show de Polina Shandarina (2019) e foi igualmente intensa e visceral. Eu já tinha decidido não me apresentar mais com esta dança, mas uma vez mais Ela me mostrou que esta decisão não depende apenas de mim. 

 

Oiá Igbalé

 

BLOG: Quais seus projetos para 2021? E mais futuramente?

Eu confesso que não estou fazendo muitos planos para o próximo ano. Como eu tive que adiar alguns projetos para 2020 por conta da pandemia, eu devo retomar as minhas pesquisas nas danças de origem africana e suas singularidades. Mais futuramente eu não sei, talvez eu volte a dar aulas regulares, pois tive que parar para me dedicar as minhas pesquisas.  

BLOG: Improvisar ou coreografar? E por quê? 

Depende. Acredito que os dois são igualmente importantes. Não conseguiria escolher um só. Pra mim coreografar é uma delícia! Existe todo um processo de criação que me fascina, onde eu posso explorar a minha criatividade e experimentar diferentes movimentações. 

Quanto a improvisar, acho incrível a oportunidade de deixar o meu corpo ser levado pela energia daquele momento presente, mas eu confesso que demorei pra me jogar no improviso, foi um processo longo até me sentir confortável. Para improvisar você precisa ter na bagagem um bom repertório, uma técnica afinada, uma boa noção de leitura musical, velocidade no raciocínio e tantas outras coisas que eu imaginava ser impossível dançar de improviso. Com o tempo eu fui ganhando segurança e hoje eu sempre coloco um trecho de improvisação nas minhas coreografias, assim sempre será uma apresentação única.

BLOG:  Você trabalha somente com dança?  

Infelizmente não. Eu tenho uma outra carreira que tento conciliar com a dança, mas é muito difícil e super cansativo. Além da dança eu também tenho formação em Comunicação Social e atualmente trabalho com gestão de projetos de mídia. A minha rotina diária para manter as duas carreiras é insana e exige muita gestão de tempo, então por isso eu acabei levando para minha carreira como bailarina e professora de dança muito do que eu aplico nos projetos em que trabalho. Quem me conhece sabe que eu sou "aloka" do cronograma e do check list. 

BLOG: Deixe um recado para os leitores do blog.

Acredite em você! Na nossa trajetória a gente nem sempre vai encontrar palavras de incentivo para seguir, mas acredite em você e nos seus sonhos. E pretas: vocês não estão sozinhas!

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Editora

Aerith (Curitiba-PR) ( pronuncia-se 'Aéris' e não Aeriti ❤) é carioca, blogueira desde 2010, idealizadora e produtora do Underworld Fusion Fest e dos Encontros Folks PR, e diretora do Asgard Tribal Co. Adora o universo da dança tribal, principalmente as fusões mais undergrounds. Atualmente, reside em Curitiba-PR, em que está desenvolvendo novos projetos e parcerias envolvendo o estilo 'Tribal'Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 
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