por Bruna Gomes e grupo Al-málgama
Grupo Al-málgama de Dança
tribal e afins apresenta:
Sirena
Da concepção ao nascimento
Bruna Gomes (Direção
artística e concepção)
Há tempos
pensava em montar um espetáculo cujo roteiro apresentasse unicidade, não apenas
na temática das coreografias, mas também numa linha de desenvolvimento
narrativo que permitisse ao grupo contar uma história com início, meio e fim através
da dança tribal, dança experimental e teatro. Além disso, existia também a
vontade de explorar com mais profundidade a temática das sereias apresentada na
coreografia “Sirena”, montada originalmente em 2006 e que pretendia mostrar o
ser mítico, que não era nada bonzinho, mas tampouco malvado, e sim instintivo, agindo
conforme a ocasião pedia. Sendo este trabalho, até hoje, uma das montagens
coreográficas mais queridas do grupo, pois todas as alunas falam em se tornarem
sereias um dia.
No início
de 2014, o desejo de elaborar um novo projeto de show a partir da concepção
narrativa única permanecia forte e tive a plena convicção de que o momento de
começar havia chegado. Contudo, ainda não tinha clareza quanto ao roteiro,
muitas ideias fervilhavam em meus pensamentos. A fim de organizar as ideias em
ebulição, conversei com as minhas parceiras, alunas, amigas e colegas: Patricia
Nardelli, Taís Cunha e Paula Trombetta; expus a elas a grande vontade que tinha
quanto ao espetáculo a ser montado. Então, a partir desta conversa, chegamos a
conclusão que o momento de juntar meus dois desejos antigos havia chegado e,
por isso, Sirena ganharia corpo, forma e uma história só sua.
Porém, até
o mês de maio a ideia estava amornada, devido à minha entrada em um período de
falta de estímulo e apatia, porque, o meu visto para os Estados Unidos havia
sido negado e não mais poderia participar do Tribal Fest, uma ótima oportunidade
que se abria para mim, mas sem o visto tornava-se impossível. Devido a isso, não
conseguira, ainda, por a energia necessária na concepção do novo espetáculo.
Eis que as oportunidades começam a brilhar novamente, pois fui convidada pela
prefeitura de POA para compor o júri do prêmio Açorianos, o que além de vir a
ser uma experiência ímpar, também acabaria por possibilitar a obtenção do
documento necessário para a minha entrada nos EUA. Desta forma, consegui a tão
almejada autorização! Fui para os EUA e lá pude renovar as minhas energias, me
encher de inspirações e ânsia de produção a partir do contato com grandes nomes
da dança tribal, workshops e a apresentação de um de meus trabalhos.
Quanto voltei
a Porto Alegre, bolei alguns esboços de roteiro para o show e, com a ajuda de
cada integrante e amigo participante desse processo, o roteiro foi se definindo
e, aos poucos, ganhando uma direção única de acordo com meus desejos quanto a
este projeto. Durante o processo de elaboração o espetáculo tornava-se mais
intenso e a cada momento as bailarinas e eu descobríamos cenas novas, pois
Sirena ganhava vontades e desejos próprios, inclusive até um dia antes da
apresentação estávamos alterando e revendo cenas.
Em meio aos
preparativos, conseguimos a ocupação de temporada através de um edital, porém
ainda sem ter o trabalho no corpo, estando apenas no papel, ou melhor, na
mente. E, para meu desespero, a data que conseguimos foi bem antes do que eu
gostaria, por muitas vezes pensei em cancelar a temporada, porque o tempo
passava e faltava muito! Em meio ao processo febril e para o desespero total, o
ator com o qual estávamos contando para o papel de domador das sereias não
pode se comprometer com os ensaios e tivemos que procurar alguém com o perfil adequado
para o papel faltando menos de dois meses para a estreia.
A sorte é
que TODO o elenco foi maravilhoso, entrando de cabeça na proposta, participando
de todos os ensaios, trazendo propostas e ideias; juntos pintamos e bordamos
(literalmente), um ajudou ao outro numa sensação de equipe e grupo
verdadeiramente engajado na proposta. Devido ao tempo de organização, acabou
sendo uma produção louca para o curto espaço de tempo que tivemos, se não fosse
o grupo unido nunca teria sido possível realizarmos o espetáculo. Isso porque
todos os participantes se envolveram desde a construção dos figurinos,
pinturas, cenário, busca de apoios, além do trabalho durante os ensaios. Sendo
bastante cansativo, mas uma delícia, ensaiávamos três vezes por semana e muitas
madrugadas trabalhamos juntos, era lindo ver a importância pessoal e coletiva
atribuída pelo elenco ao Sirena e o espírito colaborativo de cada um.
Além disso,
no processo da produção tiramos fotos e fizemos algumas filmagens externas, para
o material de divulgação do espetáculo, estes momentos forma uma loucura, um “friozão”
e nós, lindas, maquiadas e engajadas nas personagens, tudo isso dentro da água
fria num dia nublado de setembro. Ainda uma semana antes da estreia tive uma
contratura lombo-sacral que me deixou travada...
Neste clima
de euforia, companheirismo e entrega, Sirena nasceu e foi muito bem acolhida, a
energia do público foi uma delícia, não poucos disseram ser o melhor show do
Al-málgama até hoje. Mesmo assim, sabemos que temos muito a amadurecer ainda,
muitos passos a dar, e que estamos num processo de desenvolvimento e
crescimento. Atualmente estamos trabalhando para que esta proposta seja a cada
momento mais madura, pois em 2015 tem mais e será ainda mais “foda” do que já
foi da primeira vez.
O elenco apresenta Sirena
Elenco artístico do Grupo
Al-málgama
O
espetáculo Sirena remetendo ao conto
da Pequena Sereia de H. C. Andersen, pois se trata da história de um domador de
circo que afirma ter acalentado durante toda a vida o sonho de cuidar de sereias
e, certa vez, ao conseguir pescá-las, coloca-as em seu freak show juntamente com demais atrações. Ao longo do espetáculo o
espectador é convidado a olhar no fundo dos olhos de Sirena e assistir ao processo
de como ela percebe sua história com o tratador. Assim, vemos o desenrolar de uma
história de amor e obsessão através do ponto de vista da sereia. Desta maneira,
a peça desenvolve-se através do conto narrado na visão da sereia e não temos
como saber se esta história é real ou fictícia, ficando a decisão de descobrir
se é verdade ou não ao público.
O
espetáculo une dança tribal, dança experimental, canto, teatro e show de luzes,
sendo assim, a união de todos esses elementos faz com que o espectador vivencie
um processo inovador e seja transportado para a atmosfera magicamente bizarra
criada pela junção entre o processo narrativo e o processo vivencial ofertado
pelo Grupo Al-málgama. Neste contexto, a presença do bizarro, do absurdo e do
fantástico proporciona ao espetáculo uma dimensão altamente simbólica, causando
impacto no espectador e fazendo com que ele reflita sobre o sentido da
transfiguração da realidade apresentada e sobre as temáticas transversais
abordadas na peça.
Também cabe
destacar que outro aspecto importante para proporcionar um universo possível em
que o que acontece na peça seja crível dentro da lógica interna narrativa
(verossimilhança interna) é a personagem do domador, cujo ator sustenta a peça
com maestria do início ao fim. Além disso, as personagens de apoio também são
importantes para o desenvolvimento da história contada.
Com a
finalidade de atingir a plenitude da experiência vivenciada pelo expectador o
grupo elaborou conjuntamente cada detalhe dos figurinos, das maquiagens e do
cenário num processo conjunto de elaboração e criação. Assim sendo, a
cumplicidade estabelecida pelas horas de ensaio, os momentos de criação e
discussão transparece no espetáculo através da sintonia e ideia de conjunto que
perpassa todo o show apresentado chamando a atenção para a capacidade do Grupo
Al-málgama de transformar sonhos e ideias em realidade. Além disso, o grupo
apresenta uma variedade notável em relação à diversidade de corpos, energias e
vivências do elenco, o que enriquece a experiência quanto à apresentação da dança
e estabelece uma aproximação para com o público demonstrando que qualquer corpo
tem a capacidade de ser gracioso e prender a atenção de quem está assistindo.
Assim, o
espetáculo Sirena é uma experiência coletiva em todas as suas dimensões desde a
criação, elaboração e vivência tanto do público quanto do grupo de dança,
proporcionando inúmeras reflexões, experiências, criações e suscitando
pensamentos, ideias e, porque não, momentos de incômodo para com o
estabelecido, para com o que deve ser e abrindo a possibilidade de explorar situações
conhecidas de maneira bizarra, inusitada e profunda.