[Campo em Cena] Além das fronteiras: O Tribal e outros espaços.

por Thaisa Martins



 Uma coisa que sempre me chamou a atenção foi a ampla aceitação que o Tribal tem quando vai para espaços outros que não os seus de costume. Seja dentro das escolas, em feiras temáticas, nas ruas e parques, em eventos universitários, mostras artísticas e etc. No artigo deste mês, propomos refletir sobre a relevância de expandirmos nossa presença em diferentes espaços artísticos e culturais tanto para formação de público quanto para a manutenção da cena. 


Quando  iniciei meus estudos acadêmicos em dança, me ressentia por não encontrar colegas de classe e professores que conhecessem a modalidade Tribal Fusion. Sempre que eu me apresentava e dizia a modalidade que eu estudava sempre ouvia aquela fatídica pergunta  “Tribal o que? Não conheço!”. Aos poucos, fui apresentando a dança para as pessoas mais próximas, levando amigas para dançar comigo em eventos na universidade, até que finalmente consegui produzir eventos totalmente dedicados ao Tribal dentro da UFRJ e fui selecionada para dar aulas da modalidade no ComuniDança-UFRJ, um dos maiores projetos de extensão universitário da Dança na UFRJ, no qual dei aula para mais de 60 pessoas por semestre. Essa experiência me evidenciou o interesse que o Tribal Fusion desperta nas pessoas, independente da idade ou sexo. 

Encontro de Dança Tribal UFRJ - agosto/2019

Seja pela indumentária, pelas músicas, pela atitude no palco ou pelos movimentos, sempre que eu dançava recebia muitos comentários de interesse em saber mais sobre aquilo que eu tinha apresentado. Certa vez, fui com o projeto ComuniDança-UFRJ numa escola pública na região do Jacaré (comunidade da zona norte do Rio de Janeiro) para dar aulas de Tribal para os adolescentes. Além do Tribal, também foram professores das modalidades de Hip Hop e Contemporâneo. Chegando na escola, separaram para nossa atividade um pequeno espaço no pátio e ficamos aguardando os alunos saírem para o intervalo. Na hora do Tribal, havia uma desconfiança no ar, os adolescentes estavam ansiosos para o Hip Hop mas não tinham muito interesse “nesse negócio aí que ninguém sabe o que é”. Quando soltei a música, um super “batidão” do Tribal, os alunos foram chegando mais perto e assim que a aula começou muitos se juntaram para participar. Eu havia criado uma sequência simples de isolamentos e, no final, foi um sucesso! Os alunos ficaram maravilhados e quando acabou nosso tempo não queriam ir embora. Lembro que haviam algumas meninas mais tímidas que não se juntaram à prática, mas que ficavam sentadas acompanhando atentas às explicações. Essa foi uma experiência que me marcou muito, pois pude perceber a potência do trabalho corporal que o Tribal pode desenvolver dentro das escolas.


Ação ComuniDança na Escola Estadual Luiz Carlos da Vila outubro/2018


Outra experiência inesquecível foi quando viajei com um outro projeto da universidade para dar aula e dançar Tribal no interior do ES numa escola de artes da região. Foram 2 dias de evento e a aula de Tribal concorria a atenção com aulas de Balé, Contemporâneo, Hip Hop, Experimental, Vogue e muito mais. Mais uma vez, passei por aquele momento  de explicar às pessoas o que era a modalidade e o que esperar da aula para despertar algum interesse na comunidade. Muitos compraram a ideia de “ver o que é isso aí". No dia, encontrei corpos super dispostos e curiosos, que nunca tinham ouvido falar da dança mas que se jogavam e sentiam seus corpos movendo de formas que nunca haviam experimentado. Essa foi uma das melhores trocas em sala de aula que já tive na minha vida. Na apresentação, foi a indumentária que mais cativou o público. Aquela mulher no palco, vestida de uma forma que eles nunca haviam visto antes, era algo que chamava a atenção. Lembro que havia uma menina de uns 9 anos, a única criança que fez a minha aula e que, quando me viu toda montada no dia da apresentação, ficou me seguindo e me encarando com um olhar de surpresa e admiração. Quando saí do palco, ela veio até a mim, me abraçou, pediu para tirar uma foto e disse que quando ela crescesse queria dançar assim, igual a mim.

Apresentação “Deus é uma Mulher” em São Mateus-ES no 5o UniversiEncontro de Dança CarioXaba abril/2019 - Foto: Wagner Cria


Essas são só algumas das experiências que tive com o Tribal fora do nosso próprio nicho, fora dos festivais e mostras de escolas de Tribal. Trago estes exemplos para evidenciar dois pontos. O primeiro, a ideia de formação de público e  segundo, que está intrinsecamente conectado com a formação de público, que é a manutenção da cena.    


Formação de público e a manutenção da cena 


Esse assunto eu já toquei, brevemente, em outros artigos desta coluna, mas acho importante continuar conversando sobre ele. Pierre Bourdieu e outros autores desenvolveram a ideia do sistema de relações sociais que compõem o campo da cultura (BOURDIEU, 1974), evidenciando como o consumo de capital cultural influencia nas escolhas, e até mesmo no sucesso, do indivíduo em sua carreira. Partindo desse, e de outros autores, a formação de público é uma questão de estudo que impacta diretamente o campo de produção cultural e, logicamente, afeta o campo da Dança. 


A formação de público vai muito além de questões quantitativas, ou seja, não é o “quantos ingressos eu vou vender” que é mais relevante, mas sim o qualitativo, o “quem são as pessoas que estão consumindo o meu espetáculo?”. A principal diferença da formação de público é que o produtor cultural deve buscar conhecer o seu público alvo (aquele que eu estou direcionando a minha ação), desde questões espaciais (de que localidade da cidade vem o meu público? Há fácil acesso para transporte público? e etc), sociais (esse é público especializado? tenho uma classe social específica que quero atingir com essa ação?) e outros. Cada uma dessas perguntas são importantes para você direcionar os esforços de produção e divulgação do trabalho.


Esse tipo de reflexão está totalmente conectado com a manutenção e expansão da cena. O que já diagnosticamos anteriormente é que a cena Tribal é mantida, principalmente, pelas pessoas que já estão inseridas nela, muitas vezes são as próprias profissionais que consomem e sustentam a cena. Nossos eventos são basicamente voltados para o ensino da modalidade. Com a situação pandêmica, tivemos que “mergulhar de cabeça” no mundo virtual e uma nova modalidade de aulas ganhou força, a aula a distância. Agora, você pode fazer aula com profissionais do mundo todo dentro da sua casa. O que por um lado foi excelente pois passamos a ter uma conexão maior com grandes nomes da cena estrangeira, por outro lado canibalizou o trabalho das profissionais brasileiras. O que podemos esperar para os próximos anos da cena Tribal no Brasil? Acredito que precisamos direcionar o nosso foco para a construção de um público consumidor que busca fruir com obras de Tribal, mas que não necessariamente são alunos de dança.


Olhando para os outros campos da arte, quantas pessoas precisam ser pintoras para consumir quadros? Pouquíssimas! Quantas pessoas são músicos de formação para consumir música? Pouquíssimas! Então por que precisamos nos fechar em um público de dança que pratica a dança? Os dois exemplos pessoais que compartilhei no início deste artigo são evidências de que o Tribal Fusion é uma arte que desperta o interesse de diversos grupos de pessoas e defendo aqui que precisamos, com urgência, começar a explorar esses diferentes espaços em busca de novas relações para o Tribal Fusion. 


Seja nos inserindo em escolas, dançando em diferentes espaços culturais, dançando na rua, produzindo espetáculos de dança com o Tribal Fusion ou fazendo parcerias com outros artistas. Urge a necessidade de alargarmos as barreiras das mostras pagas de eventos de Dança do Ventre e Fusões ou das festas de fim de ano das nossas escolas.



Conclusão


No presente artigo, busquei discutir a ideia do aumento de capilaridade do Tribal e da formação de público como algo necessário para a manutenção e expansão da cena Tribal. Através de dois exemplos pessoais, evidenciei que o Tribal Fusion é uma modalidade de dança que tem ampla aceitação em diversos espaços e que precisamos usar essa vantagem a nosso favor.


Apresentei a ideia de formação de público como uma ação que investiga qualitativamente as pessoas que consomem cultura, na intenção de direcionar os esforços de produção para alcançá-las de forma efetiva. Também apontei para a necessidade de começarmos a mudar a estratégia de formação de público dentro da cena Tribal, passando a trabalhar com um público fruidor. Defendo que essa atitude faz-se necessária para que possamos manter a cena no Brasil.  


Bibliografia:

BOURDIEU, Pierre. “O mercado de bens simbólicos”. In BOURDIEU, P. A economia das trocas simbólicas (Org. S. Miceli). São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 99-182.


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Campo em Cena


Thaisa Martins (Rio de Janeiro-RJ) é graduada em Teoria da Dança (UFRJ) e mestranda em Arqueologia (UFRJ) onde pesquisa processos de reconstrução de dança na Índia antiga. É sócia do Medusa Tribal Studio, estúdio de dança dedicado ao Tribal Fusion, suas derivações e origens no RJ,  junto com a dançarina e fisioterapeuta Maya Felipe. Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 

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