por Hölle Carogne
No último
Desvendando de 2016, tenho o privilégio de compartilhar com vocês este trabalho
incrível, da bailarina Ana Paula
Medeiros T. Dos Santos. Conheça um pouco mais
sobre a bailarina e o que há de oculto por trás deste trabalho tão sensível!
Venenum Saltationes: Quando e como surgiu
a vontade de criar “A widows mourning”?
No meio de 2016,
depois de seguidos acontecimentos ruins durante o ano.
Venenum
Saltationes: Do que se trata este trabalho? Qual o assunto abordado?
Em 2016, mais de 10
pessoas faleceram entre família, amigos, família de amigos e algumas pessoas
que não via fazia tempo, mas que tinham marcado minha vida. Não pude em ir
todos os velórios e isso me deixou muito mal. “A widows mourning” é sobre medo,
sobre saudade, sobre vida e morte. Nunca
lidei bem com a morte, sou extremamente ansiosa e esse medo da perda muitas
vezes me tira o sono. No meio do ano uma colega de escola faleceu (daquelas que
não eram muito legais com você na escola e te marcam pra sempre, sabe?). Eu não
era próxima dessa pessoa, mas uma amiga minha sim. Acompanhei pelas redes
sociais o sofrimento dos amigos, da família e comecei a refletir como aquele
sentimento ruim que nutri por essa pessoa não fazia sentido, como perdi tempo lembrando
de coisas ruins e comecei a me apavorar pensando se eu perdesse alguém naquele
dia quais sentimentos teriam sido inúteis. O sofrimento do esposo dela me tocou
profundamente, eram recém casados. Minha empatia anda especialmente forte esse
ano, às vezes penso que vou sentir até o gosto do que outras pessoas estão
comendo a minha volta. Medo + empatia = crise de pânico... Comecei a chorar
pensando na solidão e desespero que o esposo dela estava sentindo e como seria
se eu perdesse meu esposo, meu companheiro que me apoia em todas as loucuras
possíveis. Eu precisava colocar toda essa bagunça, medo e desespero pra fora.
Estava procurando uma música pra dançar no Underworld Fusion Fest e não
conseguia me decidir. Meu marido perguntou porque eu não dançava “You Are My Shelter” do Ektomorf, que tem uma
letra muito significativa pra nós. Dessa sugestão e do momento que eu estava
vivendo nasceu “A widows mourning”.
Venenum
Saltationes: Existe alguma linguagem oculta por trás de “A widows mourning”?
Eu diria que essa
coreografia está sendo um exorcismo pra mim. Dancei três vezes até agora e toda
vez sentimentos diferentes querem sair. Não sou muito boa em conversar com as pessoas
sobre essas coisas e essa coreografia têm sido um ritual de cura, doloroso, mas
de cura.
Venenum
Saltationes: Com quem “A widows mourning” tenta se comunicar? E o que ela quer
dizer?
Penso que quero
que essa coreografia chegue a todos que perderam alguém ou algo importante.
Esse sentimento de perda, de saudade sem fim é enlouquecedor. Saber que alguém
entende e está lá por você faz diferença pra restabelecer a sanidade nesses
momentos. Espero que minha dança seja cura e incentivo pra quem precisa
desabafar e não sabe como. Algumas pessoas vieram falar comigo sobre ela, acho
que estou conseguindo atingir isso e espero que faça diferença.
Venenum
Saltationes: Comente sobre os processos de criação de “A widows mourning”.
Meus processos de criação variam muito,
no caso dessa eu não estava conseguindo coreografar. Fugi até o último minuto,
literalmente. Como já conhecia bem a música tinha uma estrutura coreográfica na
cabeça e alguns movimentos em pontos chave, mas só parei pra dançar ela toda na
tarde do evento e aí vi como seria difícil. Tenho fibromialgia e depois do
primeiro improviso meu corpo travou.
Fiquei com muito medo disso atrapalhar minha performance a noite, mas
acho que a dor no fim ajudou de alguma maneira a transmitir o que eu queria, me desequilibrei algumas vezes, mas o sofrimento desequilibra a gente, não é? Não
sei se volto a dançar essa coreografia, ou se vou coreografar 100% dela um dia, mas gostaria de ver como ela vai
mudando conforme esses sentimentos dentro de mim também vão mudando.