por Aline Pires
No feriado do dia de Tiradentes,
dia 21/04, aconteceu o espetáculo Fiar Caminhos Tecer Dança, realizado pela
Escola de Danças do Oriente Yasmin Meera. O espetáculo foi o trabalho de
conclusão de curso da primeira turma de formação profissional em danças orientais da escola, e contou a historia da dança do ventre desde as danças folclóricas até o
estilo Raqs Sharki. A abertura do espetáculo se deu com uma apresentação da
dança Hagallah, (também escrito como Hajallah ou Hajjalah), dança folclórica
que possui vestimentas pesadas, que lembram um pouco as roupas das danças do
Afeganistão. Então escolhi esta parte para resenhar, pois dela vem todo um
contexto cultural que foi traduzido para os palcos.
Hajallah deriva da palavra "pular",
e é uma dança tribal beduína que normalmente acontecia em casamentos e
celebrações de família. Os beduínos são divididos em clãs ou tribos, e são um
povo semi-nômade que vive no deserto, apesar de muitos terem abandonado suas
tradições hoje em dia. A Hajallah é dançada por homens e mulheres, e é composta
de um coro (ou uma meia lua, ou simplesmente dois grupos divididos), algumas
pessoas no centro, e a bailarina também chamada de hajallah, a qual lidera a
dança com movimentos mais repetitivos afim de facilitar para que suas
seguidoras a acompanhem. Ela improvisa e tira alguém para dançar, pede palmas e
as vezes provoca as mulheres que estão esperando sua vez para entrar na
brincadeira, ou provoca os homens que estão no outro lado da roda. A posição de
hajallah é normalmente revezada, e outras formações diferentes podem ocorrer.
Enquanto as formações mudam, é comum as mulheres chamarem os homens para dançar
e logo depois colocá-los para fora, demonstrando que nessa dança o poder é
sempre delas. Os principais ritmos usados são falahi, saidi, baladi e maqsoum
acelerados; e a dança é caracterizada por movimentos bem marcados de quadril,
grandes e soltos, pouca movimentação de braços e pé no chão sempre. Movimentos
como básico egípcio, soldadinhos, shimmie “hagallah”, outros shimmies simples,
soltos e grandes, redondinhos com mudança de nível, redondinhos com
deslocamento e todo um jeitinho “roots” de se dançar.
Monique ao centro liderando neste momento. Vestes pesadas e com cores fortes, nos remetem aos precursores do tribal e suas inspirações folclóricas, como as trupes Bal Anat e Hahbi Ru, além da trupe Reda que fazia uma releitura da hajallah para o palco. O sistema de improviso com liderança nos faz lembrar o ATS. Uma curiosidade sobre as roupas das Hajjallas é que elas variavam de acordo com o poder aquisitivo de cada uma, as que tinham mais babados e enfeites demonstravam mais riqueza.
No momento de liderança, a hajallah precisa mostrar carisma e charme, pois no final da noite a mais bela hajallah é eleita pelo publico. As brincadeiras que ocorrem nesta dança foram muito bem traduzidas pelas bailarinas, que de tempos em tempos se olhavam antes de iniciarem juntas algum movimento, ou faziam os famosos gritinhos “iiiieppp” para chamar alguma que estava mais atrasada ou perdida, em uma forma de dizer “vamos todas juntas”.
A Hajallah é originalmente dançada
sem coreografia, porém para palco acontece de ter momentos de improviso e
momentos coreografados. Foi o que aconteceu no espetáculo, onde pude observar
que um dos momentos de improviso se assemelhou a um transe encenado pelas
bailarinas (foto acima), enquanto isso a música se tornava repetitiva, quase
que hipnótica.
Como bons exemplos da dança
Hajallah temos a trupe Reda, e também a bailarina Serena Ramzy, com movimentos
de quadril grandes e uma personalidade de “líder da tribo”.
Apesar do espetáculo ter sido
voltado para a dança do ventre, acredito que cabe aqui falar sobre uma das
danças que faziam homenagem ao sagrado feminino, por ser um assunto de
interesse pela comunidade tribal, e por ter ganhado um espaço especial neste espetáculo.
A coreografia "Dança do Invisivel I" mostrava as faces da deusa
tríplice, representando a donzela, a mãe e a anciã.
Donzela (representada por Julia, à esquerda), mãe (Jaqueline, à direita) e anciã (Valtiara ao centro), juntas
empunharam cajados, fizeram alquimia e mexeram poções em um caldeirão invisível, claro, mas os movimentos faziam a leitura de um conto bruxólico,
enquanto a música era semelhante a um cântico ritmado por um tambor forte que
acordava a ancestralidade dentro de nós. Era uma dança com bastante
interpretação e teatralidade, com momentos inesperados pelo público, e, por trás
de cada movimento, havia um significado profundo.
E com isso encerro a resenha de Abril. :) Abraços!