[Tribal Brasil] O Tribal Brasil e um lugar chamado Terra

por Kilma Farias


Cia Lunay em Amálgama | Foto de Milena Medeiros
Andei lendo dois livros. Um é Arte: corpo, mundo e terra de Manoel Antonio de Castro e o outro é Espaço e Lugar de Katia Canton. E o que eles têm a ver com o Tribal Brasil?

Os dois falam muito a respeito de arte, inclusive trazendo possíveis conceitos e dialogando com eles. Vamos conversar um pouco com alguns desses pensamentos.

Bailarina Alinne Madelon | Foto de Italo Rodrigo

Em Arte: corpo, mundo e terra fala-se do “humano do homem” para definir arte. A Terra é pré-requisito para a condição existencial do homem, visto que a divisão que a modernidade impôs entre natureza e cultura não mais se sustenta. Fala-se que para um Ocidente metafísico-epistemológico também há um Ocidente poético-ontológico. Sendo assim, as poéticas das obras de arte são memórias do real, são linguagem, mundo, verdade, sentido, tempo e história. O livro nos fala ainda que somos corpo, mundo e terra e que, quando uma criança nasce, o mundo torna a começar, numa grande teia interconectada que nos transformam em “seres-do-ente” num eterno ciclo. Diz o autor, “se quisermos saber o que é terra e corpo teremos que saber o que é mulher enquanto lua, terra, vida, mãe-fonte, menino.” (Castro, 2009, p.18). E o que pode ser mais Tribal Brasil do que uma mulher enquanto Lua? Uma mulher enquanto vida? Enquanto fonte, mãe geradora? Enquanto Terra? O quanto de nós, na dança, pode auscultar nossos corpos plenos de poética e memórias do real? O quanto de nós se faz mundo enquanto o movimento se faz e desfaz no espaço e no lugar da dança?

E que espaço e que lugar são esses de quem dança? Qual o espaço e o lugar do Tribal Brasil? Qual o lugar da arte?


Aquarius Cia de Dança-PE, espetáculo Nordestinados

O livro Espaço e Lugar traz uma definição de Mario Pedrosa, dos anos 60, que diz que a “arte é o exercício experimental da liberdade”. E penso, existe mesmo uma liberdade em arte? Se existe, qual o papel das tendências? Quem as dita? No Tribal, os grandes festivais como, por exemplo, o Tribal Fest. As grandes bailarinas internacionais do estilo. Todos os praticantes do Tribal, admiradores, alunos, professores, bailarinos, pesquisadores estão o tempo todo buscando vídeos novos no youtube e em DVD para conferir o novo trabalho da Zoe Jakes, os novos grupos que despontam nos festivais, as músicas mais utilizadas, tendências de figurino, maquiagem, conceito.

O Tribal Brasil é uma questão. É uma proposição que não busca tendências, mas busca relações entre corpo-memória-movimento. Relações cheias de Mundo, plenas de Terra. Repletas de contaminações e diálogos entre identidades de todo o mundo, entre intimidades e entre mundos. Contamos histórias com nossos corpos, com nossa poética.

Hellen Labrinos Vlattas desenvolve o Tribal Brasil na Grécia | Foto de Nina Franco

Katia Canton organiza as utilidades da arte dizendo que “[...] ela provoca, instiga e estimula nossos sentidos, descondicionando-os, isto é, retirando-os de uma ordem preestabelecida e sugerindo ampliadas possibilidades de viver e de se organizar no mundo. [...] ensina justamente a desaprender os princípios das obviedades [...] pede um olhar curioso, livre de pré-conceitos, mas repleto de atenção [...] constituída de conhecimento objetivo envolvendo a história da arte e da vida, para que com esse material seja possível estabelecer um grande número de relações. [...] a arte precisa ser repleta de verdade. Precisa conter o espírito do tempo, refletir visão, pensamento, sentimento de pessoas, tempos e espaços”. (Canton, 2009, p. 12 e 13).

O Tribal Brasil que vivo contém o “espírito do tempo”, livre de tendências e temporalidades, no espaço e no lugar que seja minha verdade, que seja minha Terra. Longe das obviedades e das tendências, não tente entender o Tribal Brasil. Tente primeiro se sentir humano, se sentir uma mulher plena de Lua, de Sol, de Estrelas e de múltiplos caminhos a serem dançados nessa e em outras terras.


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