[Folclore em Foco] A estilização de um traje folclórico

por Melinda James


O traje de cada povo, a forma de usá-lo e as ocasiões demonstram influências culturais importantes. Na roupa, podemos notar a proteção contra o sol, a chuva, o frio, o calor, definindo assim o clima da região.
Os acessórios e trajes preparam a pessoa para o clima, vegetação e solo local, além de demonstrar em seus costumes os padrões de beleza  e a forma que cada povo reage a isso, sendo mais ou menos tradicionalistas e rigorosos em seus decotes (ou na ausência deles).
O estilo do tecido também é fundamental, pois ele torna o visual mais rústico ou mais elitizado, ele pode dar peso ou deixar a dança mais leve.

A maioria dos adornos e bijuterias são símbolos ancestrais, eles têm um bom motivo para fazer parte do figurino. Também é importante saber a relevância do material que são feitos, alguns lugares se usa mais ouro, outros prata e alguns povos variam o material de acordo com a ocasião.

Traje de cerimônias (foto Wikipédia)

Muitas danças folclóricas têm suas roupas próprias, que já são estilizações de trajes populares para o palco, eles não costumam ser iguais aos trajes reais, mas são desenhados por artistas locais de forma que não descaracterize o povo que está sendo representado.  

Citarei aqui alguns problemas de trajes de folclore no nosso meio, mas não se assustem, eu também cheguei a estes pontos da pior forma: errando, logo, não fiquem tristes caso venham a se identificar com algumas destas questões,  elas  também fazem parte do meu caminho de aprendizado.

Traje de Dança Núbia do Reda Troupe
Traje Núbio do Museu de Aswan

Mulheres Núbias nas ruas da Vila Núbia | Foto de Melinda James

Homens Núbios | Foto de Melinda James

O maior problema é quando a estudante de folclore se inspira nas roupas já estilizadas e insere sua licença poética... Segue abaixo os pensamentos que acontecem durante a elaboração do traje folclórico que acabam nos levando a grandes problemas na caracterização do figurino, você pode se identificar com alguns deles:

"Darei uma apertadinha ali... Posso abrir uma nesga aqui... Vamos aumentar o decote?"
"Vou tirar este sapato usual e colocar um mais alto..."
"Ahhh um tecido com brilho fará o maior efeito..."
"Que tal mais paetê? Posso deixar mais curto pra ficar sexy?"  
"Um tecido transparente não fará mal (afinal coloco meu sutiã)..."
 "Não tenho os adornos originais, então compro algo grande e dourado no centro da cidade e servirá bem..."
"Tenho aqueles colares do outro folclore (com os símbolos de outro povo, mas ninguém vai notar)..."


Como resultado:

  • A representação do clima já se perdeu, em alguns locais só se usa determinados tons por causa do sol.

  • O Nível de conservadorismo será impossível medir nos decotes, nesgas, mangas, altura de saia e modelagens ocidentais.

  • Os símbolos das joias se foram e não representam mais o objetivo principal.

  • A ginga foi embora, pois o salto altera na forma de pisar no chão (geralmente rústico) o que sobrou? Nada

  • A professora ou bailarina ainda visualiza em seu traje claramente a referência estudada e ninguém mais consegue absorver isso, nem mesmo o público consegue sentir a influência folclórica que deveria estar sendo representada. 

Algumas destas alterações até podem ser bem vindas, mas devem ser feitas com muito critério, em alguns folclores podem funcionar e já em outros modificará totalmente a energia da dança em questão. 

Desenho antigo de mulher beduína Egípcia (Foto printerest.com)

O segundo maior problema é a busca desenfreada das “receitas de bolo”. 

Existem as danças que não tem traje específico, mas não quer dizer que se pode usar qualquer coisa, e sim que existem várias opções. Na falta de conhecimento, a profissional necessita criar regras para ela mesma, tentando concluir o estudo sem muita base real e estas regras saem erradas, pois foram criadas por professoras ocidentais e não por conhecedores da cultura de cada povo. 

Dar uma opinião sobre um assunto que te contaram em uma frase é muito fácil, porém, quanto mais detalhes você souber de determinado conflito, mais difícil para você será emitir uma opinião. Isso que acontece com assuntos complexos, logo, criar uma regra em folclore é fácil quando não se conhece muito. O ideal é aprender profundamente as manifestações populares para montar sua performance com cautela, baseada em informações seguras.

Posso citar as ghawazee: existe uma infinidade de trajes que foram utilizados em épocas diferentes e por clãs diferentes; tem que se levar em consideração a localização do clã, a história de peregrinação, a questão temporal, como também as ferramentas acessíveis em cada lugar para confecção de roupas.  O cigano absorve a cultura local e trará para sua arte muitas influências do local onde vive, levando em consideração todas as tradições das áreas circundantes. O estilo do traje ghawazee deve estar de acordo com o estilo de música escolhido, pois os dois juntos devem definir a região do povo que está sendo representado.

Estilos de trajes ghawazee Maazin e clãs antigos
(Fotos Gieldserpent, printerest.com e Wikipédia)

(Foto Farida Fahmy)




O terceiro e último problema que precisamos ficar atentas é investir em um traje folclórico como investimos em trajes de Dança do Ventre. 

Criou-se um conceito de que a roupa folclórica tem que ser mais barata, talvez pela ausência de bordados ou por ser menos comercial, porém, conseguir um modelo perfeito com as bijuterias e acessórios de acordo, necessita do mesmo tipo de investimento, você não pode reaproveitar tudo que tem no armário e achar que está fazendo uma roupa típica, pode até conseguir em alguns casos, mas em algum momento isso te trará problemas, pois cada povo tem suas peculiaridades. 

Então, o que fazer?

  • Começar a estudar a cultura antes da dança, para conseguir expressar a cultura no palco. Você precisa saber o que é importante realmente nesta região, quais as prioridades do povo, precisa conhecer a roupa local verdadeira, que é usada hoje e as que foram usadas no decorrer dos tempos. Sua performance folclórica deve seguir uma lógica temporal e cultural.
  • Fotografe ou pesquise fotos no Google dos trajes usados no decorrer das décadas do povo em questão, estude as variações de traje de acordo com o poder aquisitivo, trace um paralelo entre as roupas folclóricas usuais; se pergunte como a roupa evoluiu para as roupas de palco que você conhece, exclua os trajes que você não obtiver as respostas.

Tenho certeza que após uma pesquisa profunda você chegará a um lugar mais seguro dentro dos seus estudos.

Ouled Nails (Filhos de Nails, ciganas Argelianas) | (Foto www.pinterest.com)


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