por Hölle Carogne
“Uma fenda
aberta... Uma chaga incandescente na alma e na coluna. Uma energia encarnada
que flui do corpo todo e cria vibrações, ondas, sons desesperados. Labaredas de
um fogo tão intenso, que se materializa; enraizando-se nas veias, na carne, nas
vísceras... Fluidos e resinas licorosas que espalham odores sobre a pele
branca, talhada em marfim. Poções e sentimentos etéreos que criam nervuras sobre as mãos e abrem espaços para
fibras transparentes; que desenham, pouco a pouco, as teias da vida.
Ramificações e folhagens que se espalham pelo corpo e amaciam a aspereza. Giros
eloqüentes que libertam a mais pura essência e exalam o melhor dos aromas.
Fluxos e movimentos de uma dança tão antiga, que a alma sabe de cor e o corpo apenas
reaprende os passos... Deslocamentos e compassos que modelam as ancas e uma
sede insana que penetra fundo e toma conta de todas as glândulas. Feitiços e
rituais pagãos que escancaram portas e soltam a prisioneira: Uma serpente que
dança! Um animal arisco, ardiloso, cruel... Um bicho que se arrasta e se
encosta às frias vielas do meu ser, ameaçando... Uma criatura faminta, suada,
molhada; que move pernas, braços, mãos... Revira os ombros, solta os freios, as
amarras, quebra todas as correntes... Torna-se livre! E arrebata de mim o vil,
o fraco, o vulgar, o insignificante... E dança sobre o meu corpo entorpecido,
extasiado... E me consome todos os cantos de alma... Cria asas... E me liberta
de mim mesma!”
(Hölle Carogne)