por Hölle Carogne
A bailarina gaúcha Fernanda Zahira
Razi concedeu uma entrevista à coluna Venenum Saltationes onde, além de contar
um pouco da sua história, explica de que maneira sua ligação com a
magia/ocultismo se relaciona com a arte da dança.
Venenum
Saltationes: Fale um
pouco sobre você. Sobre a pessoa, a bailarina e a mística Zahira Razi.
Zahira: Sou a Fernanda, conhecida também por Zahira Razi. Sou bailarina profissional, professora de Dança do Ventre e Dança Tribal, musicista e praticante da velha arte. Também, junto a dança, desenvolvo um trabalho em conjunto com dois parceiros, DJ Souq e o percussionista e baterista Guilherme Gul. Somos o Massari Project e desenvolvemos um trabalho onde a dança e música criam um ambiente único, fusionando diversos timbres do mundo com a música eletrônica e percussão árabe.
Danço
desde os 17 anos. Comecei na dança através da Dança de Rua e por muitas
andanças fui me identificando com as danças orientais e danças que obtinham em
suas expressões a ancestralidade, ainda que muito pouco mencionada e vista.
Desde cedo me identifiquei com Arte, pois tinha dificuldades de me expressar
verbalmente, dificuldades na escola; sempre fui muito distraída e um tanto
tímida, rsrsrsrs... Mas com a dança, música e até mesmo em criações manuais era
diferente. Para mim a Arte era um veículo muito pessoal de me colocar para o
mundo, algo muito maior que eu simplesmente fazia, mas nem procurava entender,
pois eu acreditava fielmente que era assim o jeito certo. Só me fazia
bem. Dessa forma criativa e nem sempre adocicada, a dança foi me
ganhando. Digo isso, porque hoje percebo nela não só um veículo, mas sim parte
de algo muito maior, capaz de transformar a vida de alguém, pois foi o que ela
fez com a minha. Como disse anteriormente, eu era muito desconectada com o
mundo ao meu redor, nada era tão atrativo quanto a minha imaginação constante;
era uma criança sensível e uma adolescente com muitos questionamentos sobre o
mundo e fora do mundo. Tentei traçar objetivos, da mesma forma que a maioria
das pessoas acreditam ser o melhor caminho, como estudar, ter um trabalho fixo
de oito horas, se relacionar e planejar a vida, mas isso sempre foi um
questionamento para mim. Embora neste período eu ensaiasse nos finais de
semana, pois já fazia parte de uma Cia de Dança de Rua, nunca foi martírio
ocupar assim os finais de semana por anos, pois era minha redenção já que a
semana era mecânica demais para me entusiasmar. E assim fui entrando num caos
interno de questionamentos e decepções comigo: me sentia perdida e sozinha,
minha família sempre me apoiou, mas não entendia minhas necessidades. Minha
vida mudou completamente, deixei para trás tudo e voltei ao zero, a única coisa
que me acompanhou foi a dança, foi meu salvo conduto para não entrar na
loucura. Neste período já estava na Dança do Ventre há alguns anos e logo em
seguida comecei a dar aulas. Posso dizer com propriedade que a dança me salvou
e ainda me salva até hoje, porque para quem sente o mundo intensamente,
encontra dificuldades para se colocar nele. Com isso tudo, a espiritualidade e
misticismo andaram comigo de diversas formas. Sempre fui muito sensível e
sensitiva, minha família é assim; cresci em meio a isso e desde muito cedo fui
entendendo o mundo que não se vê com os olhos, que não se toca. Logo em seguida
a estas mudanças, o Tribal ganhou espaço através de Karina Iman, foi ela
quem me apresentou o Tribal. Pude interagir com ele, pois o trabalho dela era
muito voltado ao autoconhecimento e entendi que deveria seguir por ali minha
jornada.
Atualmente
trabalho com a Dança do Ventre, me especializo e me dedico à leitura egípcia de
dançar. O Tribal é a forma que encontrei o mundo dentro da dança, pois nele
posso elucidar minhas inspirações com o todo. São dois caminhos bem distintos e
independentes para mim, cada um com o seu papel. Sou a bailarina de dança
oriental que dança com o coração e alma, desenhando em leitura a música cheia
de expressão em cada nota e sou a bailarina tribal que dança com suas raízes
pelo mundo, que se conecta com verdades internas e algo muito maior do que se
pode entender.
Zahira:
Bom, como comentei
anteriormente nasci em uma família que os avós curavam com ervas e benziam
quando um mal espírito assombrava. Assim eram também meus bisavós e acredito
que anteriormente a eles não era muito diferente. Tenho origem indígena também,
o que contribuiu a esta espiritualidade viva e ancestral, mas também tenho na
família outras etnias vindas do leste europeu, castelhana e um dedinho do
oriente médio, com eles vieram às crenças antigas, a ancestralidade de sua
gente, que hoje sinto correr intensamente em minhas veias. Sempre ouvi este
chamado: o chamado dos meus avós, meus ancestrais para um compromisso muito
árduo, mas pleno desde muito cedo. Eu poderia não saber nada do que fazer e
como, ou como me colocar no mundo, mas de uma coisa eu tinha certeza, era meu
destino e compromisso dar segmento ao que um dia eles começaram. Talvez a forma
mais sábia que o universo me conectou com a magia, foi através da dança,
através dela que fui encontrando os elos certos para ir ao encontro do que me
esperava. Tentei de muitas formas, muitas práticas, mas nenhuma me chamou de
maneira tão forte, já estava impressa dentro de mim, era só aceitar. Sempre fui
muito ligada à natureza e seus ciclos. Sempre!! Minha família me ensinou o
respeito por ela desde cedo. Depois de muito procurar fora o que fazer, para
onde ir, percebi que era só aceitar minha natureza, alguém que tinha a magia
dos ancestrais no sangue, o culto a lua e aos ciclos. Parece fácil aceitar,
pois é algo que muitos querem ser; algo que é natural ao ser humano, desde seu
nascimento quando se tornam filhos da natureza. Mas carregar isso pra vida é
algo muito além do que se conhece, do que se quer. Hoje sigo o caminho da
antiga religião, toda a forma ancestral de conexão com a natureza, e sigo
também o caminho nativo. Tenho uma conexão de aprendizado com as medicinas da
floresta. Sou um grão de areia diante a imensidão que são as florestas e seus
mistérios.
Zahira: Acredito que o ocultismo está
inerente em minhas composições artísticas, pois minhas inspirações nascem da
minha interação com a magia, a forma como eu lido com esses mundos internos e
externos, minhas percepções de vida e a forma como eu vejo a arte, pois para
mim a arte é uma das formas que a natureza encontrou para tocar os homens
distantes dela. Traz ao alheio sua beleza e contemplação e aos que a reconhecem
como algo maior e se faz um canal para a criação, onde a magia ganha corpo e
alma. Os movimentos são seu corpo, as canções sua voz, as pinturas sua beleza
de infinidades de traços e cores, e a interpretação, de todas as formas, é a
sua alma. Só por este ponto de vista, já me movimenta a criar, a elucidar
minhas compreensões e percepções sobre mim e o mundo a minha volta. Minhas
vivências, dentro do mundo oculto me trazem perspectivas distintas e acredito
que é meu compromisso levar até as pessoas esta consciência sobre aquilo que
elas não compreendem. Mostrar uma conexão maior e que ela existe. A arte de
hoje é simplesmente um reflexo das necessidades dos antigos. A prática da velha
arte nos concedeu a criatividade que, mesmo distante destas raízes,
conseguimos, consciente ou inconscientemente, conectar-nos com algo além da
nossa compreensão.
Venenum Saltationes: Você se considera uma bruxa?
Zahira: Sim, sou bruxa. Por todas as razões
que estou neste mundo. Sou iniciada familiar, pois minha família já tem um
caminho traçado na magia. Mas também, sou bruxa por escolha. Passei de
adormecida para cumprir com minhas responsabilidades. Sou iniciada de primeiro
grau dentro da antiga religião; faço parte de um coven de treze mulheres, onde
honramos o sagrado feminino e o masculino em equilíbrio, cultuamos a Lua,
honramos nossos ancestrais e todos aqueles que vieram antes de nós para
propagar a velha arte. Neste grupo, pude me conectar com a minha essência. É
onde aprendo a evolução humana a cada instante, onde a magia é consciente. Um
caminho de muita entrega, estudo e dedicação.
Venenum Saltationes: O título desta coluna revela a dança como sendo um entorpecente, um psicotrópico. Para você, essa arte pode ser vista assim? Uma medicina ou uma prática que te faz transcender? Explique sua opinião a respeito.
Zahira: Do meu ponto de vista, as variadas
formas de arte são maneiras de expandir a consciência, pois para chegarmos à
criação precisamos expandir nossa mente para transformar emoções e sensações em
criações artísticas. Deste modo, vejo e sinto a dança como um psicotrópico
natural e com uma complexidade infinita, pois psicotrópico traz consciência ao
buscador quando este é o propósito. Neste caso, a dança é uma medicina onde a
cura acontece em cada movimento e a entrega é profunda e coesa. Acredito que
muitas curas são obtidas na dança, não só na dança, mas em toda forma de Arte,
desde sua simples prática até processos criativos, muitos são resultados de
curas internas e entendimentos externos. Mas como toda a medicina que tem a
capacidade de curar, também existe o poder de destruição. Neste ponto vejo a
destruição quando a arte deixa de ser uma necessidade interna e passa a ser uma
simples exibição superficial, as vejo como vícios entorpecentes, uma ilusão de
status e pouco autoconhecimento do que se faz e de si mesmo.
Várias
culturas antigas utilizavam, e utilizam até hoje, a dança como um canal para
uma conexão com algo maior; dervixes giram para se conectar com o universo;
africanos e indígenas chamam os espíritos com canções rezadas e danças transe.
Nos tempos idos sacerdotisas nórdicas e egípcias expressavam na arte suas
conexões e assim muitas outras culturas. Acredito que a chave de transcender
através da dança é se conectar com algo, dentro ou fora. Uma verdade interna ou
algo divino... Não importa se há crença em algo maior ou a fé em si
mesmo. A Arte e a dança são resultados de muitas possibilidades onde se precisa
mergulhar profundamente nos mares internos e desbravar outros mares a fora. É
uma equação exata em proporção e o resultado é único, sem restos e devedores.
Massari Project |
Grupo Zahira Razi |
Fernanda, foi um prazer imenso conhecer um pouco mais sobre a origem da tua arte e ler histórias tão cheias de magia. Em nome da Coluna e do Blog, agradeço a tua disposição em desvelar-se de forma tão encantadora!
Venenum Saltationes
_______________________________________
Porto Alegre, RS