[Fusion Brasil] Dança Afro como Dança Moderna Brasileira

por Kilma Farias


Nossas danças populares brasileiras me são percebidas como herança do processo de colonização. E, em se tratando das danças afro-brasileiras, as poéticas e estéticas trazem influências das referências dos bailarinos que trouxeram a Dança para as artes do espetáculo, palcos e teatros de revista.


Dessa forma, compreendo nossa dança afro-brasileira como uma dança Moderna Brasileira. Vamos lá!


Temos a compreensão de que um corpo que dança pode assumir diversas funções. Dançar em caráter social, dançar como ritual, dançar como entretenimento para uma plateia, dançar no palco enquanto obra de arte, dançar para protestar, dançar para celebrar, etc. Em síntese temos duas funções básicas da dança: danças de caráter social, danças para palco.


As danças populares serviam ao caráter social e, em 1851 a italiana Maria Baderna leva pela primeira vez uma dança popular ao palco do Teatro Santa Isabel em Recife-PE, fazendo o trânsito de caráter social para palco da dança lundu. O lundu chocou a sociedade da época que a considerou uma dança lasciva, dando origem ao termo “baderna” como sinônimo de escândalo.


Bem mais tarde, a russa Maria Olenewa (1927) ajuda a fundar a Escola Municipal de Bailado do Rio de Janeiro, participando ainda da criação da Escola do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Atos de fundamental importância para a dança enquanto área específica de arte e conhecimento.


Observem a influência europeia na construção da nossa dança brasileira. Quando essa influência não acontece de forma direta, acontece de forma indireta como veremos logo mais com outras referências.


O fato é que foi durante o Modernismo que as danças populares e afro-brasileiras ganharam evidência e incentivo para pesquisas.


Eros Volúsia

A primeira bailarina a dançar descalça no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, influenciada pela bailarina da dança Moderna Americana, Isadora Duncan, foi Eros Volúsia (1940). Eros também foi a primeira bailarina a sambar em sapatilha de ponta, sendo, na minha visão, a primeira a fusionar danças brasileiras com o balé em um palco de tamanho porte como o teatro Municipal do RJ.


Carmen Miranda

Talvez você nunca tenha ouvido falar em Eros Volúsia, mas em Carmen Miranda com certeza já ouviu. Era na Eros que a portuguesa Carmen se inspirava com seus barangandãs e badulaques. 


Eros teve suas pesquisas financiadas pelo Serviço Nacional de Teatro, que fazia parte do movimento modernista, assim, Eros desenvolve uma espécie de balé brasileiro, o Bailado Nacional.

Chinita Ullman

Nessa mesma época, Mário de Andrade desenvolvia a Missão de Pesquisas Folclóricas no Norte e Nordeste brasileiro, registrando o que ele chamava de Danças Dramáticas. Dessa pesquisa, surge o espetáculo de dança Quadros Amazônicos com direção musical de Villa Lobos. Na direção coreográfica, Chinita Ullman.


Mary Wigman

Chinita era natural de Porto Alegre, e, distante do Norte e Nordeste, se via na missão de retratar figuras folclóricas como a Iara, Saci, Curupira, Boitatá, Mula sem Cabeça, etc. Pra completar, Chinita tinha sido aluna de Mary Wigman na Alemanha. Mary Wigman, por sua vez, foi discípula de Rudolf Laban, pioneiro da Dança Expressionista Alemã, Dança Teatro, e sistematizador do Método Laban de estudo do movimento.


Isso me leva a refletir que produzimos uma identidade de cultura popular idealizada, que forja uma dança moderna brasileira com traços da dança expressionista alemã.


E a nossa dança afro-brasileira?


Mercedes Baptista

Uma aluna negra de Eros Volúsia consegue o feito de ser a primeira bailarina negra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Ela é Mercedes Baptista (1950) e cria o balé de pé no chão.

Katherine Dunham

As influências de Mercedes vêm do candomblé e da Dança Afro Moderna Americana, pois ela foi aluna de Katherine Dunham quando fez residência nos Estados Unidos.


O termo Danças Afro-brasileiras vem com o aluno de Mercedes, Walter Ribeiro (1956) onde ele organiza movimentos por grupos; saltos, giros, deslocamentos, etc. Na minha compreensão ainda um trabalho de Mercedes Baptista, embora já em desdobramentos.


Hoje quando vemos um balé arfo como o corpo de baile de Daniela Mercury, por exemplo, podemos ter a certeza de que ali tem Mercedes Baptista, mas também Eros Volúsia, Chinita Ullmann, Maria Olenewa, Maria Baderna e tantas outras Marias que ousaram traduzir, fusionar, idealizar, recriar, badernar.


Hoje, no Fusion Brasil, quando fusionamos o Afro, honramos todas essas pessoas com seus saberes, corpos e ideologias, sabendo que nossa brasilidade foi construída através dessas pessoas e que nós somos mais um a colaborar com todo esse amálgama na construção de uma Dança Afro Moderna Brasileira.

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Fusion Brasil - Identidade no Corpo

Kilma Farias (João Pessoa-PB) é bailarina, professora, coreógrafa, produtora e pesquisadora na área da dança. É formada em Licenciatura em Dança e Jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba. Mestra em Ciências das Religiões pela UFPB, desenvolveu dissertação voltada para a relação entre presença cênica e espiritualidade na Dança Tribal.  Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >> 
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