[Formação no Tribal] Em que Tempo estamos na Formação?

por Ana Clara Oliveira


"Gente é como nuvem, sempre se transforma"

Angel Vianna

                                              

 

Nos últimos tempos, tenho observado uma maior preocupação da nossa comunidade de dança quando o assunto é “formação”. Quantas vezes nos deparamos estudando com diversos profissionais e pensamos “Socorro, tenho que estudar mais isso” ou “Nossa! É muita coisa. Preciso saber esse assunto também?" Outras questões são recorrentes: “a minha formação é válida”? Ou “como posso me tornar professora”? Quem nunca entrou quase que em desespero ao saber dos diferentes conteúdos que a área da Dança pode abarcar no contexto da formação? Especialmente, nos momentos desafiantes do agora e com o elevado fluxo de informação, tenho notado que crescem as propostas para diversificados aprendizados e assim, entramos num estado enlouquecedor para acompanhar o funcionamento da formação em dança.

Assim, a coluna FORMAÇÃO pretende se dedicar aos assuntos que envolvem o contexto de ensino-aprendizagem no tribal, ou seja, a educação em dança. Temas como conteúdos, capacitações internacionais e nacionais, tendências pedagógicas, metodologias, métodos, avaliações, relação entre docente-discente, cursos acadêmicos e outras modalidades do ensinar/do aprender serão pontos fundamentais que serão tocados de modo acadêmico no alongamento da coluna. No presente texto, resolvi estrear com menos rigor acadêmico ou como diria Manuel Bandeira “quero a delícia de poder sentir as coisas mais simples”.

No entanto, há que se considerar, inicialmente, que formação é um vocábulo complexo, que inspira diversos conceitos e significados. Para muitos, a formação refere-se ao âmbito educacional, ou seja, ao trabalho desenvolvido no campo de atuação institucional e organizações similares. Para outros, o termo formação relaciona-se ao modo como uma pessoa foi criada, nesse caso, aos aspectos da subjetividade. Na verdade, a multiplicidade do termo formação direciona para a tensa relação educação-segregação social, uma vez que a própria história de nosso sistema escolar mostra que o direito à educação atravessa “a histórica marginalização e segregação social e racial dos direitos sociais, econômicos, políticos, segregação tão persistente na cultura e na estrutura elitistas, conservadoras” (ARROYO, 2015, p. 18).

Visivelmente, estamos nos tempos de reconhecer que o direito à formação no contexto educacional está vinculado a negação e afirmação dos direitos humanos básicos. Em outras palavras, a segregação social e também racial impacta na demorada garantia dos direitos humanos e do direito à escola, à universidade e, no nosso contexto, aos espaços de formação em dança. Se olharmos para a comunidade brasileira de fusão tribal perceberemos se negros e outros “oprimidos” (FREIRE, 1987) chegam igualmente (quando alcançam) à tão sonhada formação em dança tribal ou estilo tribal de dança do ventre.

Paulo Freire, ao compreender os oprimidos como sujeitos de processos, agentes sociais e de formação humana, ressalta: “quem melhor que os oprimidos se encontrará preparado para entender o significado terrível de uma sociedade opressora? Quem sentirá melhor que eles os efeitos da opressão?” (FREIRE, 1987, p. 31). Para mim, é evidente que ao falar de formação/educação/pedagogia em dança é preciso reconhecer que os oprimidos compreendem a sociedade opressora e os efeitos da desumanização no cotidiano de suas vidas. Neste sentido, não seria uma função das capacitações e escolas de formação em tribal abarcar as resistências dos oprimidos e compreender suas experiências de opressão, sobretudo, do Estado? Ou deveríamos focalizar apenas no universo de técnicas estabelecidas e práticas cada vez mais eficientes e inovadoras do mercado? Por isso, intitulei o texto como: em que tempo estamos na formação?

No meu ponto de vista, acolher as reflexões e vivências do Outro, não é o mesmo que abandonar o aprendizado de técnicas. Cabe aqui, esse saber “todo o Ser Humano nasce com um Sol interno. É responsabilidade da comunidade Acender esse Sol para o nosso livre caminhar na Vida” (Filosofia Kindezi citada por Aza Njeri).

Se nos reconhecemos como profissionais ou alunos de tribal, precisamos problematizar os significados da formação. “Não nos desarmemos em tempos insatisfatórios. A injustiça social ainda precisa ser combatida. O direito à educação não vai melhorar sozinho” (ARROYO, 2015, p. 46)

E agora, o que nossa comunidade de dança entende sobre a palavra “formação”? Depois da leitura, qual imagem de “formação” você desenharia?

Vamos dialogar!

 

Referências

ARROYO, Miguel. O direito à educação e a nova segregação social e racial – Tempos insatisfatórios? Educação em Revista|Belo Horizonte|v.31|n.03|p. 15- 47 |Julho-Setembro, 2015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-46982015000300015&lng=pt&tlng=pt. Acesso em: 07 de jan. 2021.

FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.

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Formação no Tribal


Ana Clara Oliveira (Maceió-AL) é dançarina e pesquisadora do estilo Tribal de Dança do Ventre. Professora de Dança na Escola Técnica de Artes (UFAL). Doutoranda em Artes (UFMG) onde pesquisa a formação no Tribal. Mestrado em Dança (UFBA). Diretora da Zambak Cia de Dança Tribal ... Clique aqui para ler mais post dessa coluna! >>
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