por Nadja El Balady
Os clãs de ciganos passaram séculos se deslocando e
comercializando com outros povos nômades como Beduínos e Berberes. Desde a
diáspora cigana, imagina-se que as tribos que desceram pelo Oriente Médio
transitaram por alguns séculos até atingir o norte da África e por ali ainda se
dividiram por diferentes regiões, como Egito, Argélia, Tunísia e Marrocos.
Estes que imigraram para o Egito se estabeleceram em algumas regiões do
território do país, principalmente na região delta do rio Nilo, no sul (região
conhecida como alto Egito ou Said) e
no próprio Cairo.
É de conhecimento público que para
estes povos um meio de vida é também uma antiga tradição: A música e a dança.
Se adaptando aos costumes locais onde vão, costumavam a se apresentar nas
praças, em mercados, em casamentos e outras festividades familiares.
Tendo se tornado muito populares há alguns séculos, segundo o
professor Khaled Eman, as vestimentas Ghawazee
poderiam ser consideradas sinônimo de luxo pelo uso de jóias, moedas e metais
em suas vestes que, segundo ele, seria a melhor maneira de carregar os próprios
pertences.
Não se sabe bem se as Ghawazee
levaram consigo para o Egito sua corporeidade típica ou se ao chegar ao Egito
ali já encontraram as movimentações sinuosas e somando estas à sua própria
maneira de dançar, criaram algo novo. Encontramos no texto de Edwina Nearing a
opinião de Mulouk, que esteve em contato direto com algumas famílias desta
etnia: Segundo a autora, os Nawar
etnicamente são ciganos, ainda falam a língua Nawari, e em sua opinião "Se, através de sua jornada no Egito, um
país de língua árabe, estes grupos preservaram algo de suas línguas nativas,
eles devem também ter preservado algo de seu estilo nativo de dança.” (Mulouk
apud Nearing)
O fato é que a dança das Ghawazee pode ser considerada o estilo
originário da dança do ventre como a conhecemos, pois estas foram as primeiras
bailarinas profissionais do povo egípcio. Suas apresentações em praça pública foram
objeto das primeiras cartas dos soldados franceses a seus superiores durante a ocupação
francesa em solo egípcio em 1798. Foram diversas vezes descritas como lascivas
e obscenas para os olhos dos ocidentais cristãos. Segundo Claudia Cenci em seu
livro “A dança da libertação” (2001), as descrições sobre o Egito feitas por
estudantes e pesquisadores franceses “despertou um enorme interesse sobre o
Oriente, dando início a era Orientalista que influenciou a produção artística
ocidental dos séculos seguintes”.
No século XIX, o rei Mohammed Ali expulsou muitas famílias Ghawazee e proibiu suas apresentações
no Cairo e em Alexandria. Mediante a proibição, os artistas sediados nestas
cidades precisaram se mudar. Encontramos o seguinte trecho no livro “Folclore Árabe – Cultura, arte e dança” de Melinda James e Luciana Midlej: “Alguns
grupos foram para o alto Egito, para Aswan, Luxor, Qena, Edfu e Esna, e outros
foram para um local no centro da região felahi
chamado Soumboti.”
A maioria imigrou para o sul, para a
região do alto Egito, ou Said. Assim
como a família Maazin, há muito
estabelecida no sul. "Banat Maazin"
- As filhas de Maazin - São ainda
muito conhecidas por suas apresentações de música e dança típicas da região Said. Este grupo ficou muito famoso e
internacionalmente conhecido, tendo feito participações em filmes e grandes
festivais de cultura. Nos dias de hoje, são as mais conhecidas e ainda é
possível contato com Khairiyya Maazin, descrita por Melinda James como “a
última Ghawazee”, que ainda dá aulas
de dança para dançarinas pesquisadoras em sua casa em Luxor.
A região do delta do rio Nilo conhecida como Soumboti abrigou (e talvez ainda
abrigue) um clã de famílias ciganas. Música, ritmo, dança soumboti, se conectam com a expressão Ghawazee e segundo Melinda James e Luciana Midlej seu estilo sofre
grande influência beduína, da cultura felahi
caipira, do Cairo e de Alexandria, sendo uma dança ousada, enérgica e sensual.
À primeira vista a dança das Ghawazee pode ser considerada como que “sem acabamento”, por se tratar
de uma dança popular genuína. Podemos listar alguns movimentos típicos
conhecidos pela dança do ventre com twist, as batidas laterais de quadril,
contrações pélvicas, shimmies de ombro, o shimmie conhecido pelas americanas
como shimmie de ¾ e básico egípcio.
Faz parte do estilo o uso
predominante dos snujs durante as apresentações e no caso de uma representação
das Ghawazee do alto Egito, o uso de
bastão ou bengala é opcional. Desde o século XIX encontramos diversos registros
de vestimentas típicas: Grandes batas, saias longas, bolerinhos ou cholis,
saias de babado na altura dos joelhos, calças bufantes. A Ghawazee moderna usa sempre galabia,
que pode ser de asuit, bordada com
pastilhas, paetês ou muitas franjas. A Ghawazee
sempre usa muitos adornos como colares, brincos e pulseiras e sempre adornos na
cabeça que pode ser uma tiara grande bordada, um lenço de moedas ou bordado com
vidrilhos. O colar com as luas crescentes invertidas é uma marca dos adornos Ghawazee.
A dança Ghawazee e o Estilo Tribal Americano de Dança do Ventre
Little Egypt |
Os artigos que contam a história da
dança do ventre nos Estados Unidos contam que a primeira apresentação se deu em
1893 na World’s Columbian Exposition em
Chicago, uma feira organizada para a comemoração de 400 anos da chegada de
Colombo à América e que contava com exibições culturais internacionais. Havia
nesta feira uma área chamada “Streets of
Cairo” onde aconteceram apresentações de dança de um grupo que seria de
origem Ghawazee. Segundo Michelle
Harper, o grupo foi levado para Chicago pelo empresário Sol Bloom, que teria
visto a apresentação do grupo em 1889 em Paris na Paris Exposition Universelle. A partir do evento em Chicago, onde a
sociedade americana ficou chocada com as apresentações, muitas dançarinas
passaram a se apresentar pelos Estados Unidos usando o nome artístico “Little Egypt” dando origem ao “estilo
cabaré americano de dança do ventre”.
Jamila Salimpour |
É possível dizer que já no chamado “estilo pré-tribal” da
dança do ventre de Jamila Salimpour, em seu grupo Bal Anat na década de 70,
podemos encontrar muitas influências da dança e da música Ghawazee. Desde o uso massivo dos snujs, dos elementos usados para
os figurinos até a formação do vocabulário técnico do estilo de Jamila com
muitos movimentos de origem Ghawazee. É importante entender aqui que o estilo
criado por Jamila Salimpour influenciou fortemente o American Tribal Style®. Podemos citar alguns movimentos muito
marcantes da técnica de ATS® que tiveram influência direta do estilo Bal Anat e que têm na dança Ghawazee a sua origem: Shimmie Step, Egyptian Basic, Shoulder
Shimmie, Reach and Sit, Doble back, Layback, Arabic, Circle Step, Body Wave,
Taxeem e claro: Ghawazy Shimmie Combo,
criado posteriormente. Diversos destes movimentos fazem parte também do
vocabulário gestual de outras danças de etnias do norte da África como beduínos
e berberes e foram largamente usados por Jamila Salimpour em suas coreografias.
Este vocabulário técnico se tornou a marca da dança do ventre californiana que
deu origem ao ATS®. Carolena Nericcio, criadora do estilo, trabalhou em cima
destes movimentos ao longo dos anos incluindo movimentações de braço
específicas, acrescentando a postura flamenca e criando novas combinações de
movimento exclusivas para o ATS®, modificando o caráter popular dos movimentos.
As músicas típicas Ghawazee também
são bastante apreciadas para performances de ATS®.
Apesar da clara influência da movimentação no vocabulário de
tribal, onde mais se percebe a presença da dança Ghawazee é na tradição do improviso. O American Tribal Style® é um estilo de dança criado para o
desenvolvimento da chamada coreografia improvisada ou improvisação coordenada.
A dança das Banat Maazin, por exemplo, era sempre dançada em grupo, como no ATS®. Uma das dançarinas tomava uma
posição de liderança e as outras a seguiam, sendo esta liderança compartilhada
com outra dançarina, como no ATS®. Assim como o vocabulário técnico, a formação
do grupo e posicionamento das dançarinas foi modificado e estilizado sempre
pensando no aspecto cênico da performance artística, na estética apresentada ao
público.
Fat Chance Belly Dance |
Acredito que apesar das estilizações, o Estilo Tribal carrega
consigo algo universal, que é marca da dança Ghawazee e que faz com que esta tradição sobreviva por tantos
séculos: A alegria da dança coletiva e espontânea. A beleza da diversidade, a
sensualidade natural da mulher que é livre para se expressar através de seu
corpo e de sua arte.
HARPER,
Michelle “Hoochie Coochie: The Lure of the Forbidden Belly Dance in Victorian
America” publicado no site https://www.readex.com
CENCI, Claudia “A dança da libertação”, Vitória Régia, São
Paulo, 2001.
MIDLEJ, Luciana ; JAMES, Melinda “Folclore Árabe cultura, arte
dança”, Kaleidoscópio de Ideias, São Paulo, 2017.
NEARING,
Edwina, “The Gawazee Tradition”, publicado no site www.gawazee.com
WILLIMAS, A.
“Dom of the Middle East: An Overview” publicado no site http://www.domresearchcenter.com
PERETZ,
Miriam “Dances of the “Roma” Gypsy Trail From Rajastan to Spain: The Egyptian
"Ghawazi" Dance” publicado no site http://www.domresearchcenter.com
MOHAMED, Shokry” La danza mágica del vientre”, Mandala
Ediciones, Madrid 1995.
ALMEIDA, Isabela “Dança do Ventre: Transformações através do
tempo”, Univercidade, Rio de Janeiro, 2009.