por Joline Andrade
Quando tudo começou...
Esta foi a minha quarta
participação no Tribal Massive e Massive Spectacular (já pude desfrutar desse
evento nas edições de 2013, 2015 e 2016). A oportunidade surgiu quando recebi
um e-mail de Tori Halfon, diretora do evento, em meados de 2012 me convidando
para fazer parte das aulas e do show principal. Neste e-mail ela relata que me
contatou após acompanhar meu desempenho nos vídeos postados na internet e que
gostaria de ter o meu trabalho entre os outros do lineup. Fiquei surpresa e
muito lisonjeada com o convite e, desde então, participo sempre que posso.
A primeira edição em que
estive presente, em 2013, foi a mais emocionante de todas. Por ter sido minha
estreia no intensivo de aulas e no show, muitas sensações tomaram conta de mim:
um mix de nervosismo e alegria me acompanharam do início ao fim, afinal era a
primeira vez que eu dividia o palco e a sala de aula com profissionais tão
renomados e talentosos. Fui muito bem recebida e acolhida por todos (diretora,
professores e colegas) o que me fez querer fazer parte daquilo mais vezes. Nas
edições de 2015, 2016 e 2018 me senti completamente ambientada e pertencente
àquela comunidade de dança e o nervosismo deu lugar ao entusiasmo e a
segurança.
Tori Halfon e Joline Andrade |
Preparação
Em todas as edições que
estive presente concorri a projetos de financiamento de intercâmbio de artistas
da Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e do Ministério da Cultura. Fui
contemplada em 2 deles, o que me permitiu participar de 2 edições com as
despesas totalmente custeadas. Nos outros 2 em que não tive projeto contemplado
em editais precisei reunir fundos particularmente.
Sempre animada com o
conteúdo programático das aulas e ciente do necessidade de preparo para poder
fazer 8 horas de práticas diárias no período de uma ou duas semanas
consecutivas, frequentei aulas de Vinyasa Flow Yoga meses antes do evento para
harmonizar o corpo em todas as suas esferas físico-psicológicas agregando
resistência muscular e equilíbrio emocional em uma só prática.
Desafios e expectativas antes do evento
Eu já imaginava que minhas
expectativas seriam superadas a cada edição do Tribal Massive e, na medida que
eu conhecia mais profundamente o trabalho de cada profissional, me permiti
confiar e entregar de corpo e alma às propostas técnicas e laboratoriais. Tinha
receio de encontrar professores dogmáticos e fundamentalistas, com verdades
absolutas, mas o que acessei ali foi o trabalho de artistas que buscam renovar
e inovar cada vez mais as próprias produções e estimular os seus seguidores
criativamente para tornar a comunidade de dança mais democrática e
diversificada em suas fusões, o que me fez cair de amores por cada uma delas.
Uma mudança que tenho
observado no decorrer de cada edição é a opção da diretora/curadora Tori Halfon
de oferecer um elenco mais enxuto de professores com carga horária de trabalho
mais extensa. Em 2013, por exemplo, eu fiz aulas com Zoe Jakes, Kami Liddle,
Sharon Kihara, Mira Betz, Lady Fred, Sera Solstice, Jill Parker e Heather
Stants. Já em 2018 as aulas foram ministradas apenas por Zoe Jakes, Kami
Liddle, Mira Betz e April Rose. Por um lado, com o elenco mais concentrado os
participantes podem desfrutar mais profundamente das pesquisas de cada
professor, permitindo um aproveitamento maior dos conhecimentos compartilhados
em sala (qualidade). Por outro lado, um elenco maior dava a oportunidade de
estudar uma pluralidade de conteúdos com mais profissionais, mesmo que de
maneira mais breve (quantidade).
Além disso, observo uma
forte tendência das professoras em trabalhar FUSÕES com outras técnicas de
dança como também uma retomada no estudo da dança do ventre tradicional (um
profundo mergulho nas tradições das danças do Oriente Médio), dando-nos
subsídio para descobrir formas de expressão heterogêneas e consistentes e para
buscar uma voz interior, um estilo pessoal. Eu estou contente de ver que esta
comunidade está evoluindo e cada vez mais aberta ao estudo de novas linguagens
de dança sejam elas contemporâneas, modernas ou tradicionais. Essas mudanças
estão nos permitindo expandir, como alquimistas, as possibilidades de
experimentação nos garantindo uma ascensão como intérprete-criadores.
Percusso para o evento
Esta foi a primeira edição
que estive numa casa alugada através do AirBnb, junto com outras colegas. Nas
edições anteriores me hospedei no Boulder Station Hotel & Casino. Foi a
melhor estadia de todas por dois grandes motivos: o primeiro por poder
compartilhar a rotina com outras dançarinas e o segundo por estar num ambiente
mais saudável, longe da atmosfera “down” e pesada de um casino. Diferente das
experiências que tive no Boulder Station (barulho, cigarro e bebidas 24 horas
por dia no térreo), o cotidiano da casa era maravilhoso. Me senti como se
estivesse na universidade novamente, numa residência artística. Éramos 6
pessoas numa casa de 4 quartos: eu, Sundari (Croácia), Kerima (Suíça), Stacey
(EUA), Austine (EUA) e Rachel (EUA). A casa tinha uma super estrutura e nos
acolheu muito bem. Cozinhamos, brindamos, conversamos, trabalhamos e dançamos
muuuuito juntas (havia uma sala enorme e empurramos os móveis para ensaiarmos
os nossos solos). A casa ficava a 5min do estúdio de dança e juntas pegávamos o
Uber diariamente para ir e voltar.
Infra-estrutura do evento
A infraestrutura do estúdio
onde as aulas do Tribal Massive ocorrem e do teatro que recebe as performances
do Massive Spectacular é exemplar. O Backstage Dance Studio tem salas amplas,
com espelhos, piso, iluminação e controle de temperatura ideais para um prática
intensa e prolongada de dança. Em 2018, o Massive Spectacular ocorreu em um
teatro diferente das edições anteriores. Desta vez dançamos no Sam’s Town Live,
um espaço ainda melhor com equipamentos de luz e som mais profissionais, palco
mais amplo e camarins mais confortáveis. Neste ano, inclusive, podíamos
assistir todo o show através da transmissão em tempo real em TVs nos camarins.
Esta super produção, dirigida por Tori Halfon, me faz ter certeza que
participar deste evento é um grande investimento, pois de fato a estrutura
oferecida gera um verdadeiro aproveitamento de todas as experiências que podem
ser vividas alí.
Workshops
Tori e professoras oferecem a opção de turma Profissional
com apenas 18 dançarinxs selecionadxs. Mesmo tendo o aval delas para estar
nesta turma, em 2018 optei mais uma vez por participar da turma
Avançada/Profissional, com 40 dançarinxs, pois fazer parte do grupo reduzido
aumentaria a minha inscrição em $500USD (cerca de R$1800,00 a mais). As turmas
PRO e ADV/PRO têm o mesmo conteúdo programático, com os mesmos professores. Há
uma pequena diferença na carga horária com um e outro professor: na ADV/PRO
temos 4 horas a mais de aula com Zoe enquanto na PRO há 4 horas a mais com Mira.
No cronograma de aulas da ADV/PRO começamos as aulas com Zoe e Kami, no início
da semana, e finalizamos com April e Mira, sendo o turno matutino com uma
professora e o vespertino com a outra.
Curso com Zoe Jakes |
As primeiras aulas são ao mesmo tempo estimuladoras e muito exaustivas. Como eu não tenho o hábito de praticar 8 horas de dança diariamente o meu corpo passou a responder melhor aos exercícios somente no segundo dia quando pude ultrapassar o ponto de fadiga muscular e atingir uma resistência e melhor propriocepção. Após superar esta condição física, as informações puderam ser melhor processadas e aproveitadas.
Os temas de aula possuem uma diversidade muito grande e
cada um contribuiu significativamente em minha formação com suas especificidades.
Zoe está cada vez mais dedicada as técnicas circenses e aos exercícios de
layerings. Suas aulas apresentam os conteúdos mais intensos tecnicamente e eu
adoro isso. Além disso, Zoe trouxe muitos dos movimentos do tribal old school,
todos baseados no formato de Jamila Salimpour, numa proposta laboratorial de
composição, estrutura de aula que também costumo aplicar em meus cursos.
Kami
Liddle apresentou este ano suas novas pesquisas com dança contemporânea e foi
ótimo revisitar alguns métodos que já estudei na universidade com o olhar e
mecanismos de fusão de Kami. Os aquecimentos feitos através de técnicas do Buti
Yoga e a aula de imersão em shimmies também foram muito estimulantes.
April nos
fez mergulhar novamente no estudo rítmico e de movimentos da dança do ventre
clássica erudita, dando-nos um aporte teórico profundo e cheio de complexidade,
como de praxe (como acadêmica, April também faz um excelente trabalho).
Por
fim, Mira Betz ministrou aulas teórico-práticas de sua nova pesquisa em otimização
do sistema neuromuscular, além dos laboratórios de experimentação e jogos
teatrais que fazem parte do seu repertório.
Joline e Zoe Jakes |
Joline e Kami Liddle |
Joline e April Rose |
Joline e Mira Betz |
Para mim o maior desafio deste ano foi dedicar total
energia nos 9 dias de aula, com carga horária extensa e intensa, sem deixar de
manter o foco no show Massive Spectacular que ocorreu, diferentemente dos
outros anos, no último dia da programação do evento. A exaustão física,
psíquica e emocional tiveram que ser severamente combatidas para que o meu
desempenho na apresentação do solo, no nono dia da programação, pudesse ser do
nível que eu almejei. Mesmo diante deste desafio, estou satisfeita com o
resultado.
Na minha opinião, não houveram cobranças nem tampouco
postura autoritária por parte dos professores. Havia um desejo de presença
(prontidão física e mental) e correspondência aos exercícios propostos,
principalmente os laboratoriais.
Curso com April Rose |
Fission X The
Massive Spectacular
Fission é o espaço que as
participantes têm para apresentar seus trabalhos. Neste show a formação do
elenco é por livre demanda, isto é, a oportunidade de apresentar é dada para
cada dançarina envolvida no evento. As incríveis coreografias criadas nos
Intensivos com Amy Sigil e Jill Parker também foram apresentadas no Fission.
O Massive Spectacular é um
show que tem a curadoria de Tori Halfon (ela seleciona os artistas que irão
compor o elenco). Geralmente as professoras levam seus trabalhos de grupo e
solos, como também outros grupos e solistas renomados são convocados para
participar. Nesta edição, o show foi divido em 2 atos. Meu solo foi apresentado
ao final do segundo ato, junto com Zoe e seu grupo Coven, Kami Liddle, April
Rose, Amy Sigil, Jill Parker, Michelle Sorensen, Claudia Carbone, Sera e seu
grupo Solstice Tribe, Kelli Li e Kimberly Larkspur.
Apresentações favoritas
Zoe Jakes & Coven (EUA):
Mira Betz (EUA):
Jill Parker (EUA):
Claudia Carbone (Itália):
Michelle Sorensen (EUA):
Performance & Experiências
Joline com Aco Yamazaki, Hannah Lily, Antonella Sciahinna, Kerima Edmond, Sundari Sunchi, Michelle Sorensen e Kami Liddle |
Joline, Sundari, Antonella Sciahina e Hannah Lily |
Joline e Sera Solstice |
Joline e Serena Spears |
Joline e Christina Hidalgo |
Joline e Claudia Carbone |
Joline e Jill Parker |
Partilhar do palco, bastidores e da sala de aula com toda essa gente talentosa e inspiradora é um sentimento indescritível. Estar ali é o resultado de um trabalho cotidiano, duro e envolto de amor. Carrego desde jovem uma energia que me move adiante, que não me faz estagnar, mas acredito muito que parte das minhas conquistas veio do estímulo que tenho das minhas alunas, colegas e familiares. Quero então aproveitar o ensejo para agradecer cada uma das pessoas que me acompanham, colaboram e alimentam o meu trabalho e dizer que participar do Tribal Massive e Massive Spectacular, às vezes como única brasileira, às vezes como a única Latina, é também uma conquista motivada por vocês! Muito obrigada por fazerem parte disso!!!
O novo solo
chamado "Soprano Dance" é uma fusão do meu repertório de tribal fusion com dança clássica
e moderna. Foi a quinta vez que apresentei este trabalho num palco (já havia
dançado em Maceió, Fortaleza, Buenos Aires e Camaçari). Soprano Dance é
dividido em duas partes: a primeira com a música lenta e dramática The Host of
Seraphim (conduzida pela voz da fantástica soprano australiana Lisa Gerard e a banda
Dead Can Dance) e a segunda mais explosiva e estimulante com uma versão
eletrônica da música Syla Doli (da soprano ucraniana Solomiya Krushelnytska) tendo
mais velocidade e drama, causando intimidação para o público. É um solo que
traz uma atmosfera etérea, fluida e delicada e, ao mesmo tempo, densa, escura e intrigante.
O figurino tem uma estética clássica/vintage e esvoaçante: tutu preto romântico
e top de renda confeccionados pela estilista Jacqueline Teixeira (minha mãe), e
uma coroa prateada do atelier venezuelano MaMa Desings.
Tive
excelentes feedbacks das professoras e colegas de classe. Após assistirem ao
solo passaram a me chamar de "Black Swan" no backstage. Rs! Creio que pude
tocá-las de alguma forma e espero que o público em geral tenha uma boa
receptividade quando o vídeo for lançado.
Sem dúvidas
pretendo participar novamente das próximas edições! Tive os melhores e maiores
aprendizados de uma comunidade que se apoia, respeita, inspira e estimula!
É um festival feito para
muitos! O nível ADV/PRO e os intensivos que ocorrem paralelamente ao programa
principal apesar de possuírem pré-requisitos, têm uma flexibilidade em relação
a prática dx dançarinx, podendo ser elx experiente em dança do ventre e/ou tribal.
Em minha visão, dançarinxs com experiência a partir de 3 anos poderão
aproveitar bastante e ter um bom rendimento nas aulas. É ideal para quem gosta
de ser desafiado, seja técnica ou criativamente.
Pontos positivos
O Tribal Massive e Massive Spectacular oferecem os conteúdos e produções artísticas mais atuais do universo da dança tribal e sua fusões. É um ambiente provocativo e germinador de fusões autorais e bem embasadas.
O Tribal Massive e Massive Spectacular oferecem os conteúdos e produções artísticas mais atuais do universo da dança tribal e sua fusões. É um ambiente provocativo e germinador de fusões autorais e bem embasadas.
Pontos negativos
O único ponto negativo é a
localização do evento. Eu, particularmente, não gosto da cidade de Las Vegas,
do ambiente dos casinos e atmosfera de festas e entretenimento artificial 24
horas por dia. Porém como estamos imersos nas atividades do festival, essas
questões não afetam potencialmente o seu desenrolar.
Inspirações para a comunidade brasileira
Gostaria de ver mais eventos
brasileiros dedicados a fusões do tribal com outras linguagens de dança. Que xs
dançarinxs locais expandissem seus estudos buscando outras técnicas, métodos,
fontes de inspiração, assim como artistas competentes de outras linguagens
pudessem colaborar com as misturas interculturais que esse tipo de fusão
demanda. Criaríamos uma rede de profissionais ainda mais competentes e
multifacetados!
Dicas e conselhos
Junte suas economias e faça
esse favor a si mesmo! Este é o tipo de festival libertador que propicia um
real intercâmbio com artistas de todo o mundo que compartilham da mesma
frequência: aprender, criar e evoluir!