[Venenum Saltationes] Saturno

por Hölle Carogne



"Saturno. Senhor do tempo, das estruturas, do que permanece e do que é corroído. Planeta de natureza fria e seca. Infértil, escasso, magro. De tempos invernais, em que a vida é mais difícil, é chamado tradicionalmente de Grande Maléfico.

Tudo o que existe na Terra, seja material ou conceitual, pode ser relacionado a um dos 7 planetas tradicionais - na ordem caldeica: Lua, Mercúrio, Vênus, Sol, Marte, Júpiter e Saturno. No nosso corpo, por exemplo, à Saturno são atribuídos os ossos e os dentes; no clima, seria o tempo fechado ou o mormaço; uma árvore saturnina é seca, sem frutos, sem folha, sem vida. Saturno ensina pelo esforço, pela resiliência. Saturno testa nossas bases e o que não for sólido ele destrói. Onde temos esse planeta no nosso mapa natal, enfrentamos dificuldades, também somos mais críticos e sérios. Saturno é o pessimismo e negatividade que trazem o ceticismo muitas vezes necessário pra que não sejamos iludidos. Sim, tudo nesse Universo cumpre uma função, mesmo aquilo que consideramos mais abominável ou difícil. Saturno nos ensina que o Universo é amoral e o destino é implacável, todos temos que lidar com seu peso de chumbo em algum momento. O tempo vai trazer suas lições, amadurecer o que tiver que ser amadurecido, e com sua foice cortar o que tiver que ser cortado, doa a quem doer."
 
Manu - Mercúrio Peregrino


Saturno é o nome do meu projeto de Videodança, em duas partes, realizado em parceria com Alessandro Roos, da Red Fox Filmes.

A ideia de fazer este projeto surgiu da necessidade de trabalhar no corpo os sentimentos advindos do período ou ciclo planetário chamado na astrologia de “Retorno de Saturno”, período este que, para quem tem Saturno em Sagitário, iniciou em 23 de dezembro de 2014 e vai até 20 de dezembro de 2017.

Retorno de Saturno refere-se ao tempo necessário para que o planeta Saturno realize uma volta completa em torno do Sol. Enquanto nosso planeta, a Terra, leva em torno de 365 dias para realizar esta volta, Saturno leva aproximadamente 29 anos terrestres para fazer o mesmo movimento. Acredita-se que quando Saturno completa este ciclo e forma uma conjunção consigo mesmo, ele, o grande maléfico, vem para cobrar aquilo que ainda não foi resolvido em nossas vidas.

“Ninguém está preparado para saber lidar com o peso do tempo. O grande maléfico atropela alguns sonhos e expectativas contrárias ao anseio de viver. Saturno professa a restrição e a solidão. Alguns lidam mais, outros menos. Porém, ninguém vive uma vida sem pisar em alguns cacos.” 
Bárbara Ariola 



"Saturno tem a ver com buracos. Como o da terra, por exemplo, quando a mão ali cavuca para enterrar uma semente.
Saturno também é o buraco do umbigo que um dia, através do cordão, nos uniu a um outro corpo, também unido, um dia, a outro mundo.
A tesoura que corta o cordão umbilical é a foice de Saturno. Saturno ao cortar o condão, cria o tempo, o umbigo e o destino da alma do mundo.
O buraco que um dia abrigará o corpo também é de Saturno.
Saturno vive a 7 palmos do chão.
A caveira com seus vários buracos é de Saturno.
O buraco na estrutura da sua vida é de Saturno.

É negra
É negra
É negra
a sua presença."


João R. Acuio, Saturnália



As filmagens foram feitas nas ruínas do antigo Manicômio de Morungava, Distrito da cidade de Gravataí/RS.

Os registros fotográficos foram feitos pela Martha Buzin. E Gabriela Lando deu suporte em diversos momentos, inclusive me auxiliando com a trança.


A primeira parte das gravações foi feita dentro do manicômio, entre corredores, escadas e salas abandonadas. A segunda parte foi feita em meio à natureza que rodeia o prédio.

A edição ficou por conta do talento do Alessandro Roos, que escolheu cenas, filtros e mesclou poeticamente cada detalhe.

As músicas utilizadas foram carinhosamente escolhidas por mim, tendo como ponto de partida a conexão e a identificação com a proposta da videodança. São elas: Ah Estereh Komh Derah do Treha Sektori; Lascia Ch’io Pianga do Handel, na versão de Tuva Semmingsen; e Firehymn do Bewitched.

Em relação à dança, nada foi coreografado ou pensado. Cada movimento surgiu de forma improvisada e de acordo com o que me fazia sentir o lugar onde dançava.


Algumas ideias de enredo foram planejas por mim antes das filmagens, como por exemplo, a trança em frente ao rosto representando uma máscara/mordaça, o ato de tingir a pele com a cor da densidade, e as cenas com sangue nas mãos.



Algumas ideias surgiram na hora e foram dadas pelo próprio Alessandro, como, por exemplo, a caminha em meio à natureza e a cena onde esfrego sangue no rosto.



O figurino não remetia em quase nada ao Universo Tribal. Não usei acessórios e, pela primeira vez, dancei com a barriga coberta. A ideia era dar um ar mais minimalista para o trabalho. A maquiagem, como de costume, foi extravagante e pesada, para combinar com a cor do chumbo!



No destino há dor, mas também há esperança. É na dor que aprendemos qual é o nosso destino. A dor nos ensina a viver. Devemos respeitá-la e amá-la como algo necessário. Muitos indivíduos não respeitam sua dor, não aprendem nada com ela. Estão sempre se lamentando e maldizendo a vida. Muitos nem ao menos sabem por que sofrem. Acham que a dor é causada pela falta de dinheiro, falta de amor, falta de emprego. Se tentassem entender a dor, tudo seria mais fácil. Perceberiam que ela não é causada pelo mundo, mas é uma dor pessoal causada pela insatisfação, causada pelo desejo de viver, causada pelo desejo de liberdade. Não percebem que é seu destino que reclama dentro de seus corações. Os homens sufocam seu destino e é na dor que o destino grita por socorro. É o destino em nossos corações que reclama à vida.Friedrich Wilhelm Nietzsche



Ruína
"Eu queria construir uma ruína.
Embora eu saiba que ruína é uma desconstrução.
Minha ideia era fazer uma coisa com jeito de tapera. Alguma coisa que servisse para abrigar o abandono, como as taperas abrigam.
Porque o abandono não pode ser apenas um homem debaixo da ponte, mas pode ser também um gato no beco ou uma criança presa num cubículo.
O abandono pode ser também de uma expressão que tenha entrado para o arcaico ou mesmo de uma palavra.
Uma palavra que esteja sem ninguém dentro. Digamos a palavra AMOR... A palavra amor está quase vazia. Não tem gente dentro dela.
Queria construir uma ruína para salvar a palavra amor.
Talvez ela renascesse das ruínas, como o lírio pode nascer de um monturo."

Manoel de Barros 






Uma situação interessante que aconteceu enquanto filmávamos é que em um dos corredores havia um pano pendurado no teto, que caía amortecido até metade da altura da parede. Eu passaria por ali, caminhando ondulante em direção à câmera, e falei para o Alessandro que iria parar para interagir com o pano. O pano estava sujo. Imundo, pesado e fedido de tempo. Eu parei para dançar com o pano e o que era para ser apenas um minuto esticou-se e tornou-se um tempo diferente. Entrou um vento pelos buracos das ruínas e o pano começou a dançar comigo. Ele ia para lá e para cá, como se respondesse à minha investida. Parece bobo contando, mas a sensação foi incrível. Em alguns momentos tive a impressão de esquecer a filmagem, esquecer as pessoas que estavam comigo, e só pensar no pano como se fosse um corpo. Um corpo igual ao meu, pesado como chumbo, mas que tem seu próprio fluxo. Como diria João Morgado, "um corpo alquebrado, maltratado, castigado, torturado, até que se abra um sulco de arado na alma…". Poucas cenas deste momento foram para a edição final. Mas este momento ficará eternizado em minha mente como uma experiência surreal.



“A multidão é vento. E eu só. Eu, no meu passo. Passo. Eu pó.” Moinhos de Vento

Mesmo se eu tentasse, eu não conseguiria explicar e contar mais sobre o que representa este projeto para mim. É doloroso. Não há palavras minhas que possam contemplar tal sentimento.

Como nos diz Isadora Duncan: “Se eu pudesse explicar o que as coisas significam, não teria a necessidade de dançá-las.”.

Eu aproveito a deixa e agradeço a todos os poetas e escritores que me ajudaram a contar esta história até aqui. Cada trecho contido nesta matéria carrega um significado bem próximo do que o universo Saturno representa para mim!

"Sem perceber, sou envolta por um mal-estar leve, porém prolongado. Não uma depressão, algo mais como um fascínio pela melancolia, que giro na mão como se fosse um pequeno planeta, triscado de sombras, de um azul impossível." Patti Smith 


Agradeço a todos os que leram até aqui.
Obrigada por acompanharem meus experimentos!

Canção Mística (Fragmento)
"No mistério do jardim
Equilibra-se uma borboletra
E, na borboletra, um jasmim,
E, no jasmim, um poeta,
No poeta um planeta..."


(Cris de Souza)






Confira as Videodanças:


Teaser: 




Saturno - Parte I:




Saturno – Parte II: 




Confira todas as fotos:

Conheça a Red Fox Filmes:
Youtube: https://www.youtube.com/channel/UCcxo2MDY11HBC8IOekrpX7w/videos



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