por Kilma Farias
Na última semana de dezembro de 2016 fui convidada pela bailarina Ambar Yanina a imergir em Alto Paraíso-GO. Uma jornada que me trouxe de dentro para fora compreensões que buscava há anos. E a dança, presença essa que cada vez mais me dissolvo nela, também estava presente.
Tinha
uma missão que cumpri de corpocoraçãomente (tudo junto assim) completamente
disponível: dançar a bodisatva Kuan Yin, através do Tribal Brasil, em união com
a Mãe Divina do Daime.
Surgiu
então o trabalho “Daime, Kuan Yin” que foi dançado no réveillon Ilumina no Ashram
do Prem Baba, uma morada de amor e silêncio.
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Vídeo, fotos?
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Não, nada. Nenhum registro midiático.
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Por quê?!
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Porque aquele momento de entrega plena à misericórdia e ao amor dentro de mim
foi apenas para o eterno aqui e agora daquele presente que hoje é passado.
Porque fez parte de uma cerimônia e também encontrou o silêncio.
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E o que ficou?
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Compreensões da vida e da dança nesse praticar-se pela arte.
Compreensões dentre as quais algumas compartilho agora, principalmente para as pessoas que estão me pedindo registros dessa dança.
A
primeira delas foi a aceitação de ser canal. Não lutar mais contra isso. Sim,
sou imperfeita, cheia de defeitos e questões humanas a serem trabalhadas, mas
mesmo assim sou canal de luz brilhante e consciência. Não só para mim que
desfruto da dor e da delícia da prática de si mesmo, mas para muitas outras
pessoas que admiram minha arte, principalmente minhas alunas e bailarinos e
bailarinas de Tribal Brasil. E é principalmente para essas pessoas que
comunico, semeando compreensões.
Do
processo, posso falar que ao mesmo tempo em que trabalhava os movimentos da
dança e desenvolvia vivências nas linhas da pesquisa, questões internas também
eram trabalhadas e vice-versa.
Uma
das questões que ocupava grande espaço em minha mente era sobre os medos. Assim
no plural porque eram muitos e diversos. E durante todas as vivências na
Chapada dos Veadeiros compreendi uma equivalência entre medo e esperança. E
agradeci ao Universo sentir tantos medos porque eles traziam em si, e na mesma
intensidade, a energia forte da esperança de que tudo sempre ocorre
maravilhosamente bem. E essa firmeza vem do amor. Um amor que aprendeu a não
lutar contra os medos, mas apenas os observar... e os viu serem dissolvidos na
força da esperança para logo serem absorvidos por pleno amor.
Aí
me vieram questões do budismo que encontram eco em mim. Uma delas é que nada é
sólido. O que dá solidez às coisas e palavras é a energia que cada um coloca. E
é essa energia que faz as coisas terem importância ou não, serem apaixonantes
ou não. Se algo brilhava ontem e hoje não brilha mais não foi esse algo que
mudou. Foi você, foi sua energia que mudou. Embora tudo esteja em constante
movimento e desde que comecei a escrever essas palavras todo o Universo já tenha
se transformado...
O
que quero dizer com isso é que é ingênuo olhar apenas para o aspecto discursivo
das coisas. A pessoa deve antes buscar entender a energia que as sustenta, para
que ela não te seduza e venha a te controlar, te tirando do equilíbrio,
trazendo ansiedade, decepções e até frustrações.
O
agrado ou desagrado que surgem das situações ou nas relações e nos fazem, por
exemplo, chamar alguém de amigo ou não, de afeto ou desafeto... se apresentam
para mim como uma rotulação que em si não existe, é abstração. O mundo chega a
mim como uma materialização de construções mentais fruto do encontro das
aparências das coisas e palavras com as sensações físicas que elas nos causam
(aceleração dos batimentos cardíacos, respiração ofegante, relaxamento, etc.),
produzindo energias (paixão, amor, raiva, ciúme, etc.) que nos movem; energias
das quais nos alimentamos para continuar acreditando que somos apenas esse que
acreditamos ser.
E
observando e refletindo sobre essa questão me veio outra: ir além desse “gosto
ou não gosto”. Perceber outras compreensões, não cognitivas, das coisas e
palavras. Não valorar, não julgar na balança do bom ou do ruim, nem do certo ou
errado; abandonar o claro-escuro.
Nesse abandono, percebo que em si nada tem valor, nada tem beleza e nada tem verdade. O valor, a beleza e a verdade são construções mentais nossas, castelos de areia para nos dar uma sensação de solidez, de segurança e conforto perante a prática de viver.
Ao
recordar o preceito do “praticar-se” dos gregos antigos, Foucault nos diz que
“[...] a verdade é o que ilumina o sujeito; o que lhe dá beatitude; a verdade é
o que lhe dá tranquilidade de alma [...]”; e essa verdade, ou melhor, verdades,
são construções de cada sujeito, paisagens internas que exteriorizam em
construções de mundo aparentemente sólidas (relações, instituições, sistemas,
etc.).
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E o que é isso senão uma dança?
Olhemos
para uma bailarina ou bailarino que dança.
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O que vemos? A dança? O bailarino ou bailarina? Ambos?
Nós não conseguimos “tocar” na dança. Ela não tem solidez. O máximo que conseguimos é tocar quem dança. Mas podemos perceber a dança; e ela nos toca. A dança nos move a gostar ou não, pois como refleti anteriormente na maioria das vezes caminhamos nesse terreno do bom-ruim, de acordo com nossas experiências de vida.
Mas
é fato que a dança se desfaz junto com o último acorde da música e que mesmo
sendo dançada novamente, nunca será a mesma dança.
Nesse
sentido, a experiência da dança passa a ser a própria experiência da vida: uma
ilusão de solidez que se busca a si mesma, revelando amorosamente no seu devido
tempo o que esteve sempre aqui.
Gratidão
sincera a todos que direta ou indiretamente auxiliaram nessa jornada de dança e
de vida. Esse é o Tribal Brasil que abriu meu ano de 2017 e que já trouxe
incontáveis frutos.