[Venenum Saltationes] Butoh – A Dança das Trevas

por Hölle Carogne

Butoh (bu=dança e toh=passo) é um estilo de dança (arte dramática - teatro japonês em forma de dança com mistura de mímicas e expressão corporal). Também denominado “Ankoku Butoh” - “Dança das Trevas”, o Butoh é uma forma primal de dança que se origina no agora e no muito antes, sem começo, meio ou fim, onde a vida borbulha e instiga o autoconhecimento, extrapolando, assim, a força dos gestos, movimentos ou plasticidade do palco.

Surgiu no Japão pós-guerra, em 1959, e ganhou o mundo na década de 1970. Criada por Tatsumi Hijikata e Kazuo Ohno.


Dance of Darkness - Documentário sobre a dança Butô:


A dança butoh nasceu a partir de performance Kinjiki (Cores Proibidas) interpretada por Tatsumi Hijikata e Yoshito Ohno,  e baseada nos escritos de Yukio Mishima. Na época , o butoh escandalizou o público, pela violência e contestação à linguagem formal, e porque a peça apresentada fazia alusão à zoofilia.


Para muitos, o butoh não é uma dança, mas uma encenação teatral.

“Butoh é uma das mais arrojadas formas de dança contemporânea, única do Japão. Expressa ao mesmo tempo tantas idéias diferentes que é impossível defini-la. Ela somente choca e surpreende”. Ohno

O butoh conecta a consciência com o inconsciente. O movimento não é ditado pelo que está fora, mas aparece na interação entre exterior e interior do mundo. A essência do butoh baseia-se no mecanismo em que os dançarinos deixam de ser eles mesmos e tornam-se outra pessoa ou coisa. Nessa arte, o importante não é a transformação em alguma coisa, mas a transformação em si mesma, o fato de mudar-se. Somente assim pode-se trazer o corpo de volta para seu estado original.

Corporalmente, a linguagem Butoh buscou sempre como elemento essencial a força dos pés e do quadril, partes que mantêm contato direto com a terra como que para sugar a energia vital através dela. A civilização distancia cada vez mais a terra do corpo.



A idéia de corpo morto (bastante difundida dentro do butoh) sugere um corpo e uma alma vazia, livre, leve, sem empecilhos que o impeça de expressar-se.

A ideia do “olho de peixe” que lembra os olhos de um cadáver, sem vida e estático, porém, assim como o peixe, extremamente vivo e pronto para reagir.

O Butoh expressa o que é universal, expressa o que é o ser humano e a sua verdade. Assim, tanto para o butoka quanto para aqueles que o vêem dançar, as máscaras sociais são arrancadas e a verdade de cada um é brutalmente desvendada causando, consequentemente, uma espécie de alvoroço interior que nos obriga a sair de nossas estaticidades e conformações em busca do nosso verdadeiro eu.


Em butoh, o corpo pode “ver com a pele, respirar com o ventre”. Nesse sentido, o interior do corpo permanece vedado ao órgão da visão, aberto por uma faculdade do “sentir”, de um território incomum, de estados singulares de percepção.

Os dançarinos de Butoh quase não usam vestimentas, para eles a roupa veste o corpo e o corpo a alma. E é através da alma, das emoções, da vivência de cada um é que são criadas as sequências gestualísticas que formam o Butoh.

A maquiagem melancólica, o branco sobre todo o corpo, faz com que os músculos sejam realçados, e suas formas expressivas delineadas em movimentos essenciais, se valorizem pela ausência de pêlos.



O Butoh recupera a vitalidade e a força do corpo, de um corpo domesticado pelas atividades cotidianas e esmagado pelas regras estabelecidas. O desenho de cada gesto é simbólico. Ele estimula idéias, associações e emoções tramando uma visibilidade: As intensidades, os afetos que atravessam os corpos, a música, os movimentos, são expressos através dos gestos.

“Entre ruídos, gemidos, sons e gritos movem-se homens e mulheres - seus rostos estão distorcidos em esgares alucinantes, os olhos revirados para dentro, as línguas penduradas, a saliva escorrendo. A movimentação é lentíssima como se cada mover não fosse apenas muscular, mas custasse cada órgão do corpo dos bailarinos. O primeiro impacto é de terror. [...] Existe algo naqueles quase-monstros que os toca de forma singular. Essa ‘deformidade’ explícita, que não é externa, é interna, liga o "butoh" ao homem universal. O caos representado é o caos do século XX, não importa oriente ou ocidente...” (Solange Caldeira)




Para Saba Khandroma:

“o Butoh é hoje em dia a linguagem em que eu existo profundamente, eu não o escolhi, mas ele sempre foi parte de mim e eu o encontrei novamente. É a transformação de um corpo que não é corpo. Também é a liberdade e a extinção do “Eu”. É a poesia e o sutil, o pequeno gesto latente... Onde se busca com o espírito, onde dançam as forças cósmicas... É um fluir constante.”


Segundo João Butoh:

“Todo artista está ligado de alguma maneira a uma crença ou mesmo alguma forma de espiritualidade. Buscamos atingir o divino o tempo todo. Buscamos o sublime, o perfeito. O Butoh assim como qualquer outra arte deve estar isenta de padrões religiosos. Cada artista a meu ver deve buscar a sua maneira de se conectar com o ser supremo que o ampara e o ilumina.”

“Se o butoh é uma dança, e dança a fazemos com o corpo, o mínimo que se espera de um intérprete é que o mesmo tenha um trabalho corporal significativo. Que tenha conhecimento do próprio corpo.”

“O Sentir deriva de sentimentos, e eu sou só sentimentos. Não acredito que a arte esteja isenta de sentimentos. Eu me preparo para estar completo em cena. Tenho uma paixão por histórias. Paixão por histórias emocionantes, aquelas que tocam fundo na alma. Está é uma característica da minha arte. Conto histórias por meio do butoh. É o que me seduz na arte, proporcionar uma viagem emocionante durante alguns minutos, e no final desta jornada, deliciar que o meu público está totalmente entregue a esta doação. A arte como instrumento para emocionar as pessoas. Daí, é um passo para a transformação do indivíduo. Sim, só a arte transforma!”


Como leitura, sugiro o trabalho da Solange Caldeira e do João Butoh, grandes referências desta pesquisa:




Deixo aqui os vídeos de butoh que mais se comunicam comigo:










Comentários
0 Comentários

Nenhum comentário:

Postar um comentário

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...