[Venenum Saltationes] Desvendando "O Caos e o Porvir"

por Hölle Carogne

Foto de Winny Lessa


E tem mais “Desvendando” pra vocês!!! 

Desta vez a bailarina Aerith Asgard nos conta com riqueza de detalhes como foi a elaboração de sua coreografia “O Caos e o Porvir”. 

Vem descobrir o que há por trás deste enredo mágico e descobrir como a Aerith cria seus trabalhos coreográficos! 

Eu adorei! 


Boa leitura!



Venenum Saltationes: Quando e como surgiu a vontade de criar " O Caos e o Porvir" ?
Aerith: “O Caos e o Porvir” nasceu de uma maneira diferente das minhas outras apresentações. Lembro-me que em novembro de 2013, uma grande amiga minha, Ju Najlah, convidou-me para participar do primeiro espetáculo realizado por ela e suas alunas do Grupo Nur em Nova Friburgo-RJ. O evento seria em março de 2014 e o nome do seu espetáculo foi Vida- O Espetáculo, que também contou com a participação de Anne Nargis (Rio das Ostras-RJ) e do Amir Hassan (Nova Friburgo-RJ), ambos grandes amigos e talentosos profissionais. Já tivemos muitos festivais de prestigio realizados por diferentes bailarinas do ventre da cidade, mas acho que foi o primeiro espetáculo de dança do ventre com um enredo, com uma estória a ser contada.

Deixo aqui o release do espetáculo realizado pela Ju Najlah para vocês entenderem a proposta abordada:

A vida é composta por ciclos. A cada momento tudo se transforma e renova. Nascimento e morte são vida... A fluidez das águas, a suavidade e a força dos ventos, o poder de transformação do fogo, a renovação possibilitada pela terra... O caos, que antecede o processo criativo. Que a vida e tudo que a compõe seja dançado, dando visibilidade a toda beleza que nos envolve cotidianamente. Através da Dança Oriental a Vida e todas as suas nuances será levada ao palco.”

Em nossa conversa, Ju confiou-me o papel do “Caos e o Porvir” de seu espetáculo. Ela me deixou bem livre sobre a escolha da música, figurino e processo de criação da minha apresentação. Eu fiquei lisonjeada pela confiança em meu trabalho. Guardo o Espetáculo com muito carinho em minhas lembranças.

Foto de Winny Lessa


Venenum Saltationes: Do que se trata este trabalho? Qual o assunto abordado?
Aerith: O trabalho foi desenvolvido para o espetáculo de dança do ventre da minha amiga Ju Najlah, em que cada ato do espetáculo era sobre um ciclo da vida, muitos desses ciclos tinham analogias metafóricas com os cinco elementos.

Não é fácil desenvolver temáticas abstratas. Com certeza você tem que resgatar sentimentos e emoções que você desenvolveu em suas experiências. Não sei se o processo das outras bailarinas é semelhante, mas, pelo menos comigo, eu doo um pouco de mim para trazer vida ao personagem; eu personifico a dança através dos meus próprios sentimentos, emoções e experiências adquiridas.

Então, “O Caos e o Porvir” se trata de uma fase da vida que ganhou forma através do dark fusion. Deixo aqui a descrição elaborada pela Ju para este ato do Espetáculo:

"Somente quem tem o caos dentro de si pode dar à luz uma estrela bailarina" - Nietzsche.

Foto de Winny Lessa


Venenum Saltationes: Existe alguma linguagem oculta por trás dele?
Aerith: A introdução que antecede minha apresentação foi ideia e autoria da Ju. Ela e suas alunas apareceram, todas de preto e com máscara neste momento.

Quando a música da minha apresentação começava a tocar, eu imaginava que seria interessante uma iluminação mais baixa e trêmula, e  pedi esse efeito de palco para a Ju. A ideia desse efeito seria ajudar na percepção das sensações, transmitindo uma sensação de “nervosismo” e “tensão”. Acredito que só poderia ter durado menos tempo, mas a falha no cálculo da duração foi meu.

Eu começo deslizando no chão, com o intuito de representar o “Caos” chegando vagarosamente, à espreita, de forma lasciva. Aos poucos, o “Caos” vai crescendo e ganhando força.

Por volta de 2:35, minha ideia era transmitir todo um sofrimento e dor, tentando reunir forças para se levantar, lutar e mostrar que é forte por fora. Contudo, em seu interior, as trevas sucumbiam e deterioravam o âmago do seu ser, fazendo-a vacilar, cair e tremular, sentindo-se no fundo do poço. Como é difícil se levantar para lutar e poder ficar bonita para as pessoas que não enxergam os destroços do seu interior.

Há um momento na dança, por volta de 3:35, que é aquele momento de delírio, devaneio e loucura. Você começa a surtar, quase sem esperanças de sair sob a dominância do “Caos”.
Em 4:11, o tom da música muda, dando  o pressagio do “Porvir”. Minha ideia nesse momento é retratar a esperança, o lado lúdico e sonhador.

A saída tem a ver com a mudança, com o período de transição, que é efêmero, como em um piscar de olhos. Enquanto estava passando por todo “Caos e o Porvir”,o momento que o precede chegou de forma rápida, brusca e inesperada. É tempo de mudança. Minha ideia era sair rodopiando como se fosse levada pelo sopro de um vento.

Foto de Montagna Filmes


Venenum Saltationes: Com quem tenta se comunicar? E o que esta coreografia quer dizer?
Aerith: Apesar de “O Caos e o Porvir” ter sido designado a mim e a minha a interpretação desta parte do espetáculo pela Juju, foi algo muito natural, intrínseco.

Eu tento me comunicar com meus sentimentos mais profundos. Tentar verbalizá-los sob a forma de dança é uma maneira de visualizá-los e organizá-los. Resgatá-los é uma forma de encará-los e amadurecer como ser humano. Através da dança, consigo realmente exorcizar meus demônios. Expurgá-los de dentro de mim e transformá-los em algo produtivo, que é a Arte. Desta forma, tento me conectar com o público. Nem sempre iremos tocar a todos da plateia, contudo, precisamos apenas nos conectar com alguém que se identifica com a mensagem que você está transmitindo. Você precisa de mais de uma pessoa para estabelecer uma comunicação. Então, quando isso acontece, conseguimos nos realizar com a Arte, pois sentimos que alguém nos entendeu como somos, muito além de uma forma, de uma embalagem, mas realmente olhando para o fundo de sua alma amorfa.

Eu realmente vivi um “Caos” em minha vida, principalmente nesses últimos três anos. E claro, almejava um “porvir”. Entendo esta apresentação, “O Caos e o Porvir,” como uma passagem, um período de transição que liga o “Caos” e o “Porvir”.

Imagine o “Caos” como sendo páginas de um livro. Você leu um capítulo inteiro sobre o “Caos” e guardou o livro em uma gaveta, esquecendo-o ali. Por muito tempo você só viveu a parte do “Caos” e você “parou no tempo” neste capítulo. Um dia, você decide seguir adiante e virar uma nova página para começar um novo capítulo. Esse movimento de virar a página para o novo capítulo é “ O Caos e o Porvir”. É um momento tão efêmero  quanto o piscar de olhos. Apesar de ser um momento breve, não deixa de ser importante, pois ele é um momento de reflexão, de revisão de tudo o que você leu até ali... Este é o momento que você toma a atitude, que você faz uma ação e essa ação também terá consequências, que você só descobrirá no “Porvir”. Você continua a deixar o livro guardado na gaveta empoeirada? Ou você decide pegar o livro e conhecer um novo capítulo? Sim, se você ler o novo capítulo você pode conhecer coisas novas; terá novas perspectivas; terá novos desafios para se deparar e pensar em como resolvê-los; terá outras frustrações; sairá do seu estado de inércia para o de movimento.  Se você decidir não seguir adiante, você continuará no ponto em que parou. Você viverá o “Caos”. E o “Caos” irá consumi-lo de forma a corroê-lo dia após dia, esmagando seus sonhos, ideais , desfigurando quem você é.



Venenum Saltationes: Comente sobre os processos de criação de "O Caos e o Porvir".
Aerith: O processo de criação das minhas danças é sempre difícil para mim. Atualmente, eu não costumo ter muito tempo e nem espaço para treinar, o que faz com que eu demore muito tempo quanto eu gostaria de levar no processo de criação.

A maioria das minhas apresentações são improvisadas ou possuem momentos de improviso mesclado com marcações e/ou trechos coreografados.

Para todas as minhas apresentações eu parto do mesmo princípio, que é escolher uma música que eu me identifique e , se tiver uma temática, que combine com a mesma. Neste caso, eu tive a sorte de encontrar com essa música através da Shabbanna Dark em um projeto pessoal. Ela me mostrou a música e gostei muito. Quando a Ju me convidou para o Espetáculo, pedi autorização da Shabbanna para usar aquela música, já que fora ela que me mostrara.

A partir da escolha da música, meu próximo passo foi ouvi-la quase todo dia para memoriza-la “inconscientemente”. A próxima etapa consiste em sentir a música no meu corpo. Eu danço improvisado e vejo o que fica legal e o que não fica. Algumas ideias aleatórias surgem para eu desenvolver a maneira  como eu começo e termino uma apresentação. Eu chamo de marcações. Geralmente é a introdução e a conclusão da sua estória.

Eu demorei muito tempo para ter alguma inspiração para essa apresentação.  Foi na última semana que antecedia o evento, após a passagem de palco, é que eu tive inspiração e ideias do que eu queria transmitir com aquela apresentação e quais movimentos utilizar em cada momento.





Comentários
1 Comentários

Um comentário:

  1. Você foi brilhante, não só por ser talentosíssima, mas porque pôde trazer tudo isso em sua dança. Vc é maravilhosa!!! Muito obrigada por abrilhantar o espetáculo com interpretação perfeita de um momento tão difícil. Minha confiança em vc e no seu trabalho é total!

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