por Kilma Farias
Ser d'Água - Carol Marques |
A dança Tribal é uma arte essencialmente
simbólica. Ela articula diálogos diversos entre culturas e noções diversas de
pessoa.
Paira
no imaginário Tribal um conceito de identidade que passa pelo coletivo, pelo
âmbito da tribo. Pelo sentido de pertença, de inclusão identitária.
A
dança é uma estrutura simbólica, criação do homem; e como toda criatura, herda
as características de seu criador. A dança significa além dos movimentos.
Significar além do significado imediato, além da consciência, nos faz
compreender que palavras e imagens têm aspectos inconscientes, assim como nós.
E isso me faz pensar que não teria como ser diferente: palavras são criações
nossas. Objetos são criações nossas... tudo que foi, é e será construído pelo
homem existiu primeiro em seu inconsciente, passeou pelos sonhos, virou
imaginação para depois ser materializado. Assim, a dança herda a identidade, as
características do bailarino. Eu diria que a dança é o bailarino. Mas também é
muito mais que ele.
Carl Jung (2008) nos fala de uma herança psicológica comum à humanidade,
ao que ele chamou “inconsciente coletivo”. Nele, as representações simbólicas
mantêm constante trânsito entre identidade e coletividade.
Acontecimentos abaixo do limiar da consciência afloram através da
intuição. Apesar de não termos percebido esses acontecimentos, eles são
absorvidos subliminarmente. A qualquer momento podem brotar do inconsciente
como uma espécie de segundo pensamento. Isso acontece porque a realidade
concreta tem aspectos que ignoramos, pois não conhecemos a natureza extrema da
matéria. É impossível conhecer toda a natureza do universo. Nesse sentido, é
impossível conhecer toda a nossa psique porque ela também faz parte da
natureza.
Mas como nosso eu mais profundo aflora através da intuição, é comum, ao
mesmo tempo, duas bailarinas de Tribal Brasil fruírem passos semelhantes em
seus trabalhos sem ter tido uma comunicação direta entre elas. Pois ambas
estavam na mesma vibração de frequência, estudando as mesmas referências de
corporeidade e daí, acessam o coletivo em suas criações. Por isso é tão comum,
em um mesmo festival, várias coreografias referentes a sereias ou Iemanjá, por
exemplo, deixando as bailarinas encantadas com a “coincidência”. É o poder do
coletivo manifesto na identidade do artista.
A existência do ser humano é fragmentada e o símbolo nos ajuda a
entender as relações do homem consigo mesmo, com o outro e com a natureza. E
para entender os símbolos, os sonhos são uma ferramenta bastante eficaz. “Os
sonhos são o mais fecundo e acessível campo de exploração para quem deseje
investigar a faculdade de simbolização do homem.” (JUNG, 2008, p. 26).
O trânsito entre consciente e
inconsciente, entre ego e “outra face”, acontece fora de uma temporalidade.
Algo que está em nossa mente consciente torna-se inconsciente porque não nos
interessa mais, tornando-se subliminares. Esse mecanismo também pode ser
motivado pela necessidade de se esquecer de algo por qualquer motivo que seja.
Como uma defesa. Desse modo, esses acontecimentos não receberão mais a mesma
atenção do nosso consciente. Seria humanamente impossível viver com toda a
nossa experiência no limiar da consciência. Entraríamos em falência mental.
Esquecer torna-se um verbo essencial. E o sonho, um mecanismo de entrar em
contato e manter o diálogo entre inconsciente e consciente.
Agora imagine você que já tem uma
certa estrada dançante, lembrar com riqueza de detalhes de todas as
coreografias já dançadas. Imagine essa tarefa para uma bailarina com 20 anos de
carreira. As coreografias do passado não foram deletadas, elas estão apenas
entorpecidas porque não nos interessam mais. Porém são possivelmente acessíveis
a partir do trânsito com o inconsciente.
Precisamos entender o inconsciente não como um depósito de memórias do
passado e percepções sutis, mas também é um lugar de criação que suscita
novidades. Assim como os sonhos que também expressam pensamentos novos que
ainda não chegaram ao limiar da consciência.
Sinto o Tribal Brasil como um sonho coletivo que articula identidades,
de acessibilidade coletiva, de felizes encontros para quem quer encontrar.
Referências bibliográficas: