A Influência Cultural Brasileira no modo de ver e expressar o Tribal – Final

por Janis Goldbard

Essa pequena pesquisa vem na intenção de demonstrar possíveis influências estéticas e comportamentais no nosso modo de ver e expressar o Tribal, trazendo algumas analogias e observando pontos nos quais antigos artistas, movimentos artísticos e obras de arte que em algum momento de nossa história da arte brasileira podem ter contribuído para essa percepção e nosso modo de expressar o Tribal.

Relembrando, na InfluênciaCultural Brasileira no modo de ver e expressar o Tribal – Parte 2 chegamos até a década de 40 fazendo ligações entre o que estava acontecendo no cenário artístico cultural político brasileiro e a dança do ventre no mundo para observarmos como essa influência chegou até nós e como foram por nós absorvidas.Depois de um período de enrijecimento político que de certa forma reprimiu a cultura brasileira, o país até que enfim é agraciado com a primeira apresentação de dança do ventre.

No ano de 1954, Zuleika Pinho, bailarina de balé clássico formada pela escola de teatro municipal, foi convidada a fazer uma apresentação em um clube árabe chamado Homes. Zuleika praticava além do balé clássico vários outros estilos de dança e dançava desde os 13 anos de idade.  Ela conta em uma entrevista (http://horusfestival.blogspot.com/p/60-anos-de-danca-do-ventre-no-brasil.html) que não tinha ideia do como faria e de como seria essa apresentação, mas decidiu aceitar mesmo assim.

Foi durante o ensaio que conheceu a música e os instrumentos árabes e desde então se apaixonou.  Zuleika conta que  foi tudo muito intuitivo. O fato de ela já ser uma bailarina com certeza lhe deu crédito e visibilidade, o que se dizia de suas performances é que eram hipnotizantes e ela possuía charme, delicadeza e muito expressividade. “A técnica se adquire com estudo e prática, mas o sentimento nascemos com ele.” Zuleika sempre foi muito elogiada pela imprensa que sempre a apoiou e que inclusive lhe deu o título de  “Rainha da dança do ventre”.


“A técnica se adquire com estudo e prática, mas o sentimento nascemos com ele.”
Um pouco mais pra frente para nossa sorte, chega no Brasil, em 1957, Madeleine Iskandarian,  palestina de nacionalidade, foi cabeleireira  por alguns anos e, somente a partir da década de 70, começou a se dedicar à dança do ventre. Foi aí que  a bailarina, cantora e professora começou a aparecer no Brasil, adotando o nome artístico de Shahrazad Shahid Sharkey. Suas apresentações aconteciam no Bier maza em São Paulo, que foi um restaurante muito importante na história cultural árabe brasileira.

Shahrazad foi a pioneira no ensino por meio de VHS, livro, artigos e entrevistas na TV, o trabalho de expansão da Dança do Ventre no Brasil e no exterior foi de muito profissionalismo e, em 1998, escreveu o livro intitulado “Resgatando a feminilidade – Expressão e Consciência corporal pela dança  do ventre”; além de produzir vídeos didáticos para exercícios da dança que ao todo somam três mil exercícios criados por ela baseados em sua metodologia de ensino.



Shahrazad não está mais entre nós, mas seu legado está presente nas obras que criou, no modo como se expressou, no como transmitiu a arte da  dança do Leste como ela gostava de instruir a se referir a dança do ventre e nas grandes bailarinas que estudaram com ela e, hoje, são referências no Brasil e no exterior. Entre algumas que foram suas alunas: Lulu From Brazil, Hayat El Helwa, Suheil, Jhade Sharif entre outras.





Shahrazad dizia:

“Meu trabalho não tem a pretensão de criar novas coreografias, pois a dança do leste existe há séculos no mundo árabe, tudo já foi dançado. Meu trabalho, no qual cada gesto envolve um profundo respeito pela essência humana cada movimento é sagrado, e não estou falando no sentido religioso. Somos sagrados por sermos filhos do planeta Terra, do criador. Pertencemos ao universo”.




Durante este período o Brasil estava vivendo um momento de florescimento da cultura árabe e alguns artistas relevantes para essa estruturação no Brasil, como Atef Issaf e o grupo folclórico “Cedro do Líbano”, também faziam apresentações. Atef foi um dos divulgadores da dança folclórica árabe, bem como Samira Samia que também contribuiu para essa estabilização e divulgação da dança do ventre no Brasil.  


Samira foi autodidata,pois na época não haviam meios para estudos tão acessíveis como hoje, mas, desde que se interessou pelas danças orientais houve de sua parte muita pesquisa e estudo a fim de aperfeiçoar suas apresentações o que transparecia em suas propostas sempre inovadoras, onde acessórios eram introduzidas, sendo a primeira a dançar com espadas no Brasil.Inclusive, foi muito criticada por essa versatilidade. Algumas pessoas diziam que esses acessórios eram invenções, contudo, o tempo foi passando e hoje está provado o caráter de estudo no qual Samira se baseava.

Em 1977, já ministrando aulas e instigando a curiosidade do público brasileiro, conseguiu então  realizar o primeiro festival de alunas, começando pequeno e, no terceiro festival, já seria necessário alugar um clube bem maior. O tão conhecido Mercado Persa é fruto desses festivais e é conhecido desde 1995 quando foi idealizado. Essa marca se consolidou e hoje é forte referência no cenário da Dança do Ventre  junto ao jornal “Oriente, encanto e magia”.

Como percebemos, no Brasil tudo começou sobre uma base muito sólida, com pessoas competentes e realizadoras de grandes feitos. Isso está se refletindo hoje, pois, se vermos por essa ótica, está muito bem encaminhado e a estabilização da dança do ventre tende a se firmar e a ser respeitada cada vez  mais. Nossas influências iniciais nos mostraram determinação e estudo, sobre a técnica, a criatividade se apóia e nisso percebemos mesmo no estilo de Shahrazad que também nos orienta a sermos expressivas, termos o sentido de respeito e devoção com o nosso ser feminino.




Apesar de nos depararmos com alguns desacertos e falta de conceito em algumas propostas, percebemos que esse tipo de trabalho não se sustenta e o que aparece e tem destaque são trabalhos conceituais que possuem como base muito estudo, técnica e expressividade. O Brasil, desde o início quando começou a aparecer com a nossa maneira de expressar a dança do Ventre, se baseou em muito estudo e criatividade, e isso hoje está se refletindo nas grandes bailarinas de Dança do ventre e Tribal que aparecem nos representando no País e no exterior.

O cenário tende a crescer e a se sustentar. Dessa maneira, todo o processo para que hoje tenhamos uma base em nossa história com a Dança do Ventre mistura as influências cultural brasileira e árabe em um formato que não nos abdicamos de nosso modo de expressar, mas também não nos apropriamos de uma forma equivocada da cultura árabe. Espontaneidade e estudo foram as palavras que marcaram o início e foram a  base de como tudo começou no Brasil e que continuemos assim. Amém!

Estudar, estudar e estudar, nunca é demais!



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