Hoje trago uma publicação da revista India Perspectives (vol. 24 2010), traduzida por mim, contando a mágica história da bailarina Protima Bed e sua ecovila dedicado às danças clássicas indianas.
Rodeada pelos bosques verdejantes de Hessargeta, Nrityagram, uma aldeia de dança, trinta milhas longe da cidade de Bangalore, tem um recinto de dez acres e é um paraíso onde dançarinos, músicos, escritores e atores amiúde se reúnem para criar uma sinergia de suas energias criativas, inspirados pela natureza ao seu redor.
Esse projeto foi concebido pela já falecida bailarina Protima Bedi e foi um sonho pouco comum para uma pessoa que foi criada na mais alta sociedade e sob os holofotes do mundo do cinema de Bollywood em Bombaim.
A sua vida foi transformada um dia quando ela foi a um auditório para buscar uma amiga e ficou encantada com a magia do também falecido Guru Kelucharan Mohapatra, dançando Odissi. Não se via a imagem de um bailarino calvo com dentes castanhos, tudo o que ela via era êxtase, a paixão e a graça da dança. Nesse momento ela decidiu que tinha que aprender essa arte, seja como for. Nos bastidores depois do espetáculo, ela abordou o mestre: "Guruji, por favor ensina-me essa dança!"
Olhando para a moça vestida com calças e com o cabelo atado num rabo-de-cavalo o mestre casualmente estabeleceu uma condição: "Se amanhã você estiver vestida tradicionalmente à minha espera na porta de minha casa, então eu vou considerar o seu pedido..."
Acreditando que tinha se livrado daquela "ocidentalizada", Kelucharan se surpreendeu quando na manhã seguinte encontrou Protima sentada nas escadas de sua casa "com a paciência de um monumento", usando um saree e um bindi.
Foi impossível negar tamanha insistência e ele então convidou Protima que se junta-se aos demais alunos, ainda acreditando que seu interesse fosse desaparecer. Mas Protima persistiu e mais tarde ela recebeu a necessária atenção individual para aperfeiçoar sua dança, até ela se transformar numa bailarina conceituada e muito conhecida.
A idéia de criar uma aldeia de dança à maneira da Kalakshetra de Rukmini Devi (que coincidentemente começou a aprender o Bharata Natyam também com 30 anos) longe dos sons e das distrações da cidade tornou-se uma obsessão de Protima alguns anos mais tarde. Persistiu teimosamente até o então chefe do Governo provincial, Ramakrishna Hedge, ceder um terreno que seria usado para produção cinematográfica. "Acho que o ministro ficou tão farto de me ver em todo lado que ia que percebeu que a melhor maneira de se livrar de minha presença era dar-me o terreno rs!", disse Protima.
Se ele não fosse um ministro liberal e inteligente, Nrityagram talvez não teria surgido. Em seguida foram necessários meses de trabalho com o arquiteto Gerard de Cunha para encontrar o financiamento, desenhar e criar pequenas casas para alojamento e um espaço para aulas. Durante muito tempo Protima morou numa modesta tenda que vivia rodeada de serpentes e escorpiões. Á noite, tinha que usar uma lamparina para ir à casa de banho longínqua. Mas ela não desistiu.
Finalmente, foi um momento de grande orgulho em 1990 quando o Nrityagram foi inaugurado no dia 11 de Maio pelo então primeiro ministro V.P. Singh.
Surupa Sen, a principal aluna de Protima, partilhou os seus sonhos e as suas aspirações. Quando Protima veio a falecer inesperadamente num trágico desmoronamento nas montanhas em 1998, Surupa assumiu o seu lugar à cabeça de Nrityagram. Surupa trabalhou com uma outra aluna, Bijayni Satpathy, que era inicialmente aluna de Gangadhar Pradhan. A mente criativa de Surupa e os seus conceitos coreográficos combinados com o talento de Bijayni e de todo o grupo, asseguraram Nrityagram como uma potência no mundo do Odissi.
A escola de Odissi é cada vez mais aclamada e o grupo dos alunos formados pelo Nrityagram já ganhou os melhores louvores. É espantoso ver o número de horas durante as quais esse grupo treina. Com Yoga, Meditação, Artes Marciais, sânscrito, mitologia e literatura, os alunos obtem uma aprendizagem integrada. Artistas de várias disciplinas e coreógrafos diversos visitam o vilarejo, tornando-o um raro ambiente artístico, realçando a interação entre as diferentes artes. Todos os espetáculos refletem cuidadosamente essa excelência.
Os bailarinos também trabalham na horta e cultivo, e isso confere uma qualidade muito especial ao seu treinamento. Kelucharan dizia que o cultivo e a plantação despertam e refinam a sensibilidade artística.
Durante o festival anual VasantaHabba, o espaço chega a receber 40.000 expectadores no auditório ao ar livre para verem os números de música e dança clássicas.
Em 1996 o grupo estreeou sua carreira internacional em Nova Yorque, levando seu espetáculo a diversos palcos. Infelizmente Protima não pode se ausentar de Nrityagram
e faleceu antes de ver a carreira sempre ascendente de seu grupo. Hoje em dia o grupo de Nrityagram já se apresentou nos EUA, no oriente médio e em toda a Europa.
Graças ao financiamento que recebeu do Projeto Nacional de Dança da Fundação das Artes da Nova Inglaterra, e mais recentemente do Teatro Joyce o grupo pode aliar ao renomado estilo tradicional do Guru Kelucharan um maior liberalismo, incluindo elementos contemporâneos em alguns trabalhos. A formação rigorosa que os bailarinos recebem permite uma dança tecnicamente perfeita ao mesmo tempo que graciosa na sua dimensão dramática.
A primeira produção foi o espetáculo "Sri - à procura da Deusa" estreado em 2001. Em seguida o espetáculo "Ansh" inovou a maneira de conceber o formato tradicional do repertório, e em seguida o espetáculo "Espaço Sagrado" homenageou a arquitetura dos templos hindus, sendo premiado em 2005.
Estreou em 2008 o espetáculo "Protima", feito sob encomenda onde a história da fundadora e sua relação com a dança foi abordada, e os críticos o elegeram como um dos melhores espetáculos de dança já produzidos.
Atualmente o Nrityagram conta também com uma sala de exposições e um centro de fisioterapia, e além de receber e hospedar bailarinos residentes o Nrityagram também envia professores para ensinar em aldeias e nas cidades, uma vez que a escola se encontre realmente distante dos centros urbanos
.
Para qualquer bailarino, estudar em Nrityagram é viver e realizar um sonho, é ter a dança e a natureza como amigos íntimos. Esse sonho é possível graças ao esforço de indivíduos que dedicam sua vida à arte e que merecem não apenas o aplauso nos palcos mas todo o apoio possível.
| Baseado no texto de Leela Venkataraman
ÍNDIA PERSPECTIVAS vol 24 2010
A todos que acompanharam minhas postagens ao longo desse ano para esse blog, e mesmo para aqueles que chegaram agora por aqui, deixo o meu muito obrigado e votos de boas festas e um próspero ano novo.