por Kilma Farias
Para muitas pessoas, estar na plateia é
estar em estado de passividade. Para outras, a dança que acontece no palco é a
mesma para todos que a veem. E se eu dissesse que acontece uma dança em cada
observador de um corpo que se movimenta? Se assim pensarmos, podemos supor que
toda dança é uma dança coletiva e com coautoria.
Essa reflexão se apoia no estudo dos
neurônios espelho, em constante e atual pesquisa pela ciência. Esses neurônios se ativam em nós quando
observamos alguém, a exemplo do bocejo, do riso e do choro. Lembro quando minha
filha era pequena e eu a deixava no berçário para trabalhar. Quando uma criança
ou bebê chorava, vários outros choravam “por simpatia” e eu achava aquilo muito
curioso. Da mesma forma como começamos a rir quando uma pessoa ri descontroladamente
ao nosso lado. Isso acontece por conta dos neurônios espelho. Ele “dispara tanto quando um animal realiza um determinado ato,
como quando observa outro animal (normalmente da mesma espécie) a fazer o mesmo ato. Dessa forma, o neurônio imita o comportamento de outro animal como
se estivesse ele próprio a realizar essa ação.” (Disponível em http://pt.wikipedia.org/wiki/Neur%C3%B3nio_espelho, acesso em 18 de out.
2014).
Podemos então pensar sobre o ato de
assistir uma dança como uma vivência, uma experiência motora, sensória. Daí as
sensações que nos permeiam quando saímos de uma mostra de dança, festival ou
espetáculo, ou ainda quando assistimos uma dança na tela do computador. Envolvemos-nos
ou não, somos tocados ou não, devido à atividade dos neurônios espelho que
entendem o movimento como uma linguagem e decodificam em nós, enriquecendo
nossa criatividade, possibilidades de corpo, de percepção do espaço, realizando
novas conexões motoras que nos serão de fundamental importância na hora de
estudarmos nossos próprios movimentos.
Agora feche os olhos e lembre quantas
apresentações de dança te marcaram, te fizeram colocar em contato com o que te
tirou do seu conforto, do seu senso de normalidade e equilíbrio, quantas te
arrancaram lágrimas, quantas te fizeram sonhar e até pensar “como eu queria ter
dançado junto”, “eu queria ter feito esse solo”. Quantas te deixaram de boca
aberta pelas proezas do corpo de quem dança, quantas trouxeram o impossível
para a dimensão da realidade material? Quantas te fizeram ficar de pé para
aplaudir? Quantas te levaram de volta para casa sem entender nada e até se
perguntando se o que você viu era realmente dança? Possivelmente você nem se
lembre de tantas danças assim, mas não faz mal. Seus neurônios lembram! E eles
trabalham atualizando essas danças em você no momento em que você se propõe a
dançar, a criar e pensar dança.
Agora bem, quando dançamos, não dançamos
sozinhos. Dançamos toda uma construção coletiva em constante transformação ao
longo de nossa existência. Dançamos nossas inspirações, nossas observações;
dançamos o diálogo constante. Estar na plateia não é estar sentado, ou de pé,
parado. É estar executando sua dança a partir da dança do outro. É uma
necessidade do ser humano para continuar evoluindo como tal.
No Tribal Brasil, esse diálogo é bem
visível, basta observar as construções coreográficas de grupos e solistas que
trabalham o estilo. É interessante perceber como o corpo renova e atualiza a informação
a partir do que já está posto no mundo. Isso é fascinante e enriquecedor para
todos, bailarinos e público. Nessa dança do diálogo entre quem vê e quem se
move, não há aquele que age e o que simplesmente observa; há um constante fluxo
de movimento unindo corpos-espaço-tempo num eterno “está sendo”. Penso que isso
seja viver a dança. Sejamos uma plateia de corpos moventes!