por Hölle Carogne
Nesta edição do “Desvendando”, a
bailarina gaúcha Luiza Marcon revela o que há por trás da coreografia "Ghiaccio" e o que a inspirou a trabalhar neste enredo.
Eu
tive o imenso prazer de prestigiar esta apresentação ao vivo e confesso que me
emocionei muito!
Preparem os lencinhos, queridos leitores,
porque esta apresentação vem recheada de emoção, sentimento, expressão e
dramaticidade!
Espero que
gostem!
Obs.: Confesso
que estava com saudades do “Desvendando”! E vocês?
Venenum
Saltationes: Quando e
como surgiu a vontade de criar Ghiaccio?
Luiza Marcon: A
vontade de criar algo para essa música surgiu na primeira vez que escutei Akva,
que é a música de abertura do disco Sorni Nai, da banda russa Kauan, quando
este foi lançado em outubro de 2015. Ela me arrebatou desde as primeiras notas,
quando eu ainda sequer sabia sobre o que se tratava, e quando soube, essa
vontade só cresceu. Descobrir que Sorni Nai era um álbum conceitual, que exigiu
muita pesquisa e envolvimento emocional da banda, me fez querer desenvolver
algo especial, a altura do trabalho impecável dos músicos. Desde então, vim
compilando ideias e esperei pelo momento certo de levá-la ao palco.
Venenum Saltationes:
Do que se trata este trabalho? Qual o assunto abordado?
Luiza Marcon:
Ghiaccio é uma alusão ao Incidente do Passo Dyatlov, um caso até hoje não
solucionado, ocorrido em 1959, quando 9 montanhistas russos perderam a vida de
forma misteriosa e trágica, nos Montes Urais. O incidente já foi tema de
diversos livros, filmes e documentários, onde as hipóteses vão de forças
naturais até mesmo ataques alienígenas ou de criaturas selvagens. Assim como
Sorni Nai, Ghiaccio é a história de uma jornada apenas de ida.
Venenum Saltationes:
Existe alguma linguagem oculta por trás de Ghiaccio?
Luiza Marcon:
Não diria oculta, mas muito sentimental. É uma história sem final feliz, logo,
além de se tratar de um enredo triste, que lida com emoções profundas
(sofrimento, desespero e a própria morte), houve também um diálogo com um
período pessoal conturbado, de perdas, mudanças e incertezas. O momento ajudou
a moldar a dança, assim como a dança permitiu que algumas sensações se
libertassem. A magia, neste caso, foi transformar algo trágico em arte e fazer
das próprias dificuldades, um combustível para a expressão e a criação.
Venenum Saltationes:
Com quem Ghiaccio tenta se comunicar? E o que ela quer dizer?
Luiza Marcon: Creio
que essa coreografia conversa com quem busca algo além de movimentos belos e
técnica na dança (coisas que ainda não domino, por ser iniciante), mas também
feeling, entrega e um "porquê" de ser, como quem busca um livro para
conhecer uma história. Também com quem vê beleza nas coisas que a maioria das
pessoas costuma evitar. A tristeza e a morte são condições humanas, naturais, e
ainda assim são um tabu. Negamos nossa humanidade ao rejeitar essas sensações
consideradas ruins.
Assim como os
vitorianos viam sua relação com a morte com beleza, honrando a memória de seus
falecidos com carinho, Ghiaccio foi uma forma de contar um fato trágico através
da graciosidade da dança.
Venenum Saltationes:
Comente sobre os processos de criação de Ghiaccio.
Luiza Marcon: O motor maior para essa coreografia foi o encantamento pela música e as sensações que ela me causava. Boa parte dela foi surgindo naturalmente, instintivamente, ao testar improvisos. Porém, seguindo o objetivo de narrar um fato, percebi que ela deveria seguir um certo roteiro. E baseada em pesquisas sobre o assunto, dividi a dança em 3 momentos: a busca, o encontro e a destruição pelo desconhecido. Me inspirei em fotografias e relatos sobre o incidente para os movimentos, procurei usar cores que remetem ao gelo e ao frio e aludir às sensações daquelas pessoas, perdidas em um lugar fascinante e assustador. Tudo ali tem uma razão e um significado.
´