[Tribal Brasil] Frevo: um dos pilares do Tribal Brasil

por Kilma Farias

Nefertiti Coutinho-PE
O frevo nasce e se desenvolve no Brasil, mais precisamente em Pernambuco, em meio ao momento sociopolítico em que viviam entre os anos 1880 e 1890, constituindo-se como uma tradição inventada pelo povo no seio do espaço urbano.

Filho da abolição da escravatura e da proclamação da República, o frevo, que recebeu esse nome porque as multidões pareciam ferver numa panela de pressão, é hoje patrimônio imaterial do Brasil.

Compõem o material humano que criou o frevo, todos os que frequentavam o centro do Recife àquela época: operários do porto, das fábricas e do comércio, jornalistas, profissionais liberais, biscateiros, desempregados e marginais. Gente que se reunia para, num momento de divertimento, acompanhar as bandas do exército e da polícia militar, que desfilavam e realizavam retretas em praça pública. Acompanhando o espírito da época e os movimentos que surgiam na multidão, os músicos dessas bandas aceleraram o andamento das músicas da moda, como o maxixe e a polca, e foram criando a música frevo. Ao mesmo tempo, era gestada a dança que sugeria volteios e dinâmicas para a música que estava sendo criada. Aos poucos as novas músicas foram ficando famosas e os passos ganharam nomes e também foram citados nos jornais da época. Era o frevo que tomava suas formas. (VICENTE, 2011, p. 1 e 2).

            Sendo uma dança que busca o incomum, através de uma movimentação que acontece pelo equilíbrio e desequilíbrio entre ponta de pé e calcanhar, o frevo se utiliza de uma leitura musical que acompanha o acelerar e desacelerar da música.

            A expansão é um dos princípios de movimento que norteia esse estilo, exigindo do corpo impulso e explosão em contraponto com deslizamentos e volteios. Sendo assim, o frevo constrói uma dança que ocorre pela oposição e pelo que Barba (1995) chama de equilíbrio precário ou equilíbrio de luxo que se constitui por um equilíbrio extracotidiano, “[...] Quanto mais complexos se tornam os nossos movimentos – quando damos passos mais largos do que de costume ou mantemos a cabeça mais para frente ou para trás do que o usual – mais o nosso equilíbrio é ameaçado.” (BARBA, 1995 p. 35).

            Desse modo, o passista de frevo, como é chamado o bailarino desse estilo, constrói sua dança em meio a um equilíbrio dinâmico. Assim, “os músculos em ação devem substituir os ligamentos na manutenção da posição [...]”(BARBA, 1995 p. 39).

Studio Lunay - Tribal Brasil


            O frevo vem a se consolidar como a arte que é só em 1930 e encontra sua efervescência nos anos 50. Ao longo de sua história trilha diferentes percursos e corporeidades, desde a capoeira aos movimentos sociais, à adesão de artistas que batizavam os passos “[...] com nomes como tesoura, carancolado, siricongado. Os seus inventores se mantiveram anônimos, pois eram oriundos principalmente de classes marginais ou menos favorecidas”. (VICENTE, 2011, p. 2).

            Um dos maiores colaboradores e difusores do frevo foi o mestre Nascimento do Passo que, nos anos de 1970, sistematizou a transmissão dessa dança com a proposta de repassá-la para as novas gerações.

            Ao incluir o estudo do frevo no Tribal Brasil, faço um exercício de metalinguagem, percebendo como se constrói uma dança a partir de outra que também foi construída. Identifico pontos de aproximação e outros de complementação.

            Percebo no frevo, por si só, um hibridismo de ritmos e gestos. E hibridizar a partir do hibridizado nos faz olhar para nós mesmos e vislumbrar o outro em nosso processo particular. O nosso mundo cabe sim no mundo lá fora e vice-versa.

            O Tribal Brasil, a seu modo, também surge de uma necessidade, de uma vontade de ser verdadeiro, de reinventar, a partir do que se tem no corpo e na experiência de vida, um novo movimento. Não nega a Dança do Ventre, nem a Dança Indiana, nem o Flamenco, nem o Tribal Fusion ou ATS, mas as transforma.


            Seus primeiros fomentadores, em sua maioria, estão no Nordeste brasileiro ou possuem vínculo familiar ou afetivo com as tradições nordestinas: o maracatu, caboclinhos, forró, frevo, cavalo marinho, entre outras manifestações culturais.

            Assim como no frevo, uma nomenclatura vem sendo gestada no Tribal Brasil, visando a escolarização do estilo, como podem perceber os participantes do primeiro Curso de Formação em Tribal Brasil – presencial e à distância – que tenho ministrado (março de 2016 a dezembro de 2016). E essa nomenclatura também não vem de uma só pessoa. Vem de um corpo de bailarinas, vem da Cia Lunay, vem de alunas dos workshops que ministro, que apelidam os movimentos para lhes facilitar a lembrança do passo.

            O processo de criação em Tribal Brasil com base no frevo é uma experiência divertida, desafiadora, que fala não apenas de técnica, mas principalmente de história de vida, de luta de classes e principalmente da força da união do povo brasileiro.

Referências bibliográficas:

BARBA, Eugenio; SAVARESÉ, Nicola. A arte secreta do ator: dicionário de antropologia teatral. São Paulo: Editora Hucitec/Editoda da UNICAMP, 1995.

VICENTE, Ana V. Frevo: uma arte urbana, a dança e suas formas de ensino. In: VICENTE, Ana V.; SOUZA, Giorrdani G. Q.. Trançados musculares: saúde corporal e ensino do frevo. Recife: Editora Associação Reviva, 2011. DVD.


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