por Hölle Carogne
No segundo capítulo da Série Desvendando,
a bailarina gaúcha Michelle Loeffler revela os significados ocultos por trás da
coreografia In Meine Dunkelheit, que chocou alguns e encantou muitos! Espero
que gostem! Eu sou fã!
Em alemão “In Meine Dunkelheit” quer
apenas dizer “na minha escuridão”. Não costumo nomear coreografias, apenas
descrevi nesta, o estado ao qual me encontrava quando a fiz.
Ir para o inferno às vezes é necessário.
E é tão somente nele que observamos com clareza a estupidez com a qual
costumamos conduzir nossas vidas. Colocar coisas ou pessoas em pedestais é uma
atitude obsessiva de negar repulsivamente a própria escuridão. Este foi o maior
aprendizado, que em parte resultou nesta coreografia.
Sou aluna da Fernanda Zahira Razi, que
está arquitetando há um tempo já, um belo espetáculo, o qual tem instigado nós
alunas a fazermos mergulhos nas nossas mais belas, ou não, ideias.
Michelle e sua professora Zahira Razi |
Para mim, a arte é o mais alto grito de
libertação das nossas emoções. Não consigo resumir a dança como uma prática
exclusivamente técnica e teórica. Na verdade, a dança é ainda mais curiosa e
única quando expressa o que somos de verdade. Este é outro aprendizado que tive
ao ter coragem de mostrar essa coreografia em público.
Desde criança sempre amei cabelos
longuíssimos, mas por conta dos piolhos só pude deixá-los gigantes depois de
adulta. E foi neles que, estupidamente, depositei por anos o único raio de autoconfiança
que tinha. Mas a natureza é sábia. Por desventura me coloquei em situação a
qual eu mesma tive de cortá-los, totalmente contra minha vontade.
Michelle, ainda com cabelos longos |
Estraçalhar a única coisa que eu acreditava
ser forte em mim foi um ato profundamente simbólico, que observei por meses.
Aprendi tantas coisas que certamente me transformei em uma pessoa bem diferente
do que eu era.
Essa coreografia mostrou apenas parte do
tamanho da raiva que explodia dentro de mim mesma. Foi um alívio pôr um pouco
para fora. Eu sentia raiva de mim; sentia raiva da forma competitiva e escrota
como muitas vezes a dança é vivenciada por aí; sentia raiva de tudo e todo
mundo. Eu queria berrar: “Seu estúpido, não adianta se achar tanto, se tu não põe
perfume fede pior que porco e acaba no mesmo buraco que todo mundo, então
deixa de tanta frescura”.
Nela, além de expressar a raiva que eu
sentia, “tirei onda”, da forma “bonitinha” como muitas bailarinas tentam ser
iguais a alguma bailarina famosa, renegando sua própria personalidade
artística.
Todo o tempo que ensaiava em casa, era um
alívio, ao mesmo tempo que achava engraçado a brutalidade do sarcasmo impresso
nela. Foi quando assumi: "Sim, essa sou eu". Fiquei com vergonha de mostrar ao
público essa coreografia, mas sentia que precisava me libertar e pôr para fora.
A Zahira, como sempre, me incentivou bastante, afinal esta é também a forma que
a Fê tem de ensinar arte para as alunas. É comum sentir vergonha de se expor, afinal, eu estava mostrando meu pior lado para muitas pessoas. Tomei coragem e
mostrei. Esperei tomates, mas, para minha surpresa, muitas pessoas gostaram
bastante do que viram.
Devo confessar que nunca me senti tão à
vontade, tão eu mesma para dançar uma coreografia como esta, pois essa coisa
sou eu. Quando mostro o vídeo, geralmente aviso: “Não tem nada de bonito nessa
coreografia, ela é estranha”.
Na ocasião da mostra, eu usava um
megahair, o qual eu chamava de “bengalahair” que minha amiga Paula Knecht,
cabeleireira de elite, tanto me ajudou colocando e ajustando. Foi necessário
usar, para não andar de cabelos ridículos por aí.
Michelle, já com megahair, acompanhada de sua cabeleireira e amiga, Paula Knecht |
Além de pôr para fora um pouco da raiva,
foi também uma forma de dizer ao público, quem eu sou, que eu estava mudando e
que eu iria aparecer de cabelos curtos. Foi uma forma de contar minha
desventura.
Hoje, pouco mais de um ano, tô curtindo
bastante meus cabelinhos curtos.
Michelle, com cabelos curtos |
Desapegada de padrões e aberta aos
movimentos que a natureza faz para nos tirar do lugar e nos fazer andar para
frente, sigo, imprimindo acima de qualquer coisa, minha personalidade artística
em todas as coreografias que tenho desenvolvido. – Michelle Loeffler