por Hölle Carogne
Intenção:
(Etm. do latim:
intentio.onis)
1. Resultado da
vontade depois de admitir uma ideia como projeto = desígnio, intento,
propósito, pensamento.
2. O próprio fim a que se visa.
3. O que se
almeja (conscientemente ou não), vontade, desejo.
4. Aquilo que se
utiliza para produzir alguma coisa ainda que esta não se realize.
Quando criança, passei por uma experiência que me fez acreditar que
a intenção é o ingrediente especial de tudo que se cria.
“Minha mãe havia saído e estava se demorando a voltar para casa. Eu
estava muito preocupada, pois ela nunca ficava fora por tanto tempo. Então,
minha avó me orientou a fazer um nó em alguma peça de roupa dela, pois ela logo
chegaria. Então, ao amarrar com força uma blusa laranja, pensei: ‘Tomara que
essa simpatia dê certo! Espero que minha mãe volte para casa, agora.’ Em poucos
minutos, minha mãe estava chegando em casa.”
Durante muito tempo fiquei confabulando: Ou minha avó era uma bruxa;
ou a simpatia dava certo mesmo (não deu em outras ocasiões); ou ‘o querer’
tanto que minha mãe chegasse, fez com que ela estivesse em casa antes do limite
do meu desespero; ou ainda, foi só uma coincidência.
Óbvio, que se este episódio tivesse ocorrido durante minha vida adulta,
escolheria a última opção (coincidência). Porém, minha escolha como uma criança
de 8 anos foi pensar e acreditar muito que a intenção de querer que minha mãe
voltasse logo, realmente a fez voltar. Desde então, comecei a desejar pequenas coisas ao criar outras. Tudo
passou a ter um propósito. E com o tempo, isso virou um hábito.
A intenção, para mim, é como uma “força” ou “energia” que, de forma
simples e eficiente, motiva a criação de algo bom ou ruim.
Por exemplo:
“Vou fazer um bolo porque minha irmã virá me visitar.” (o simples
fato de fazer um bolo).
“Vou fazer um bolo, que ficará lindo e delicioso, e que tornará a
tarde com a minha irmã ainda mais agradável.” (o fato de fazer um bolo +
desejar que ele fique bom + querer que a tarde seja mais agradável).
“Vou fazer um bolo, mas como não sou boa na cozinha, ele não ficará
tão bom.” (o fato de fazer um bolo + ter, antecipadamente, uma desculpa para a
minha irmã caso o bolo fique ruim).
Tá. E porque estamos falando sobre isso em uma coluna que trata de
“Dança & Ocultismo”?
Pelo simples fato de que considero a Dança uma criação artística e a
intenção o seu ingrediente especial, o seu tempero.
Há alguns anos venho filosofando comigo mesma sobre este assunto e observando
o que costuma ou não funcionar. Achei que desenvolver minhas conclusões sobre
este tema poderia colaborar com a realidade de cada leitor/bailarino, ou, ao
menos, tornar-se um bom motivo para novas e produtivas discussões. É importante frisar que a teoria compartilhada aqui é parte de experiências
inteiramente pessoais, e que por este motivo, pode não se encaixar com a sua
realidade ou não ser compatível com as suas opiniões. A ideia é debatermos e deixarmos
esta coluna mais interativa.
Sempre considerei a Dança como uma forma visceral de expressão.
Sinto que todos os elementos que envolvem esta arte colaboram para que o
bailarino possa se comunicar intimamente com o público. Porém, percebo que, principalmente na Dança Tribal, onde a estética é
algo muito importante, e os enredos são muitas vezes recontados, pois têm sua
origem em mitos ou lendas, torna-se um pouco difícil reconhecer uma intenção,
um propósito pessoal naquilo que se dança. A intenção pode caminhar de mãos dadas com o enredo. Ou não. Por exemplo, um bailarino dança representando um pássaro.
Caracteriza-se de pássaro, estuda os trejeitos, encarna as expressões. Ele
torna-se um pássaro. No palco, ele é um pássaro e convence o público disso.
Porém, porque ele quis ser um pássaro? Qual a sua intenção em se parecer, se
mover, sentir como um pássaro? O corpo expressou sua vontade e isso ficou
visível para o público. Mas o que a mente consciente expressou? O que você quer
dizer com a sua performance? Você quer dizer alguma coisa?
Um exemplo clássico e interessante do uso da intenção está na
palavra “Abracadabra”, que segundo uma possível origem vinda do aramaico,
significaria “Eu crio enquanto falo”.
Esse exemplo ilustra o ato de falar carregado de intenção e energia;
a palavra repleta de significado consciente. Da mesma forma que é possível criar enquanto falamos, creio que é
possível criar enquanto nos movimentamos.
Na minha opinião, quando uma pessoa dança, ela pode usar dois tipos
de movimentos: os instintivos e os que ela aprendeu e estudou (aqueles que
fazem parte de um conjunto já existente, pois foram criados por outra pessoa e
já são usados em diferentes tipos de trabalhos). A linguagem dos movimentos instintivos é inconsciente e, por isso,
está repleta de significados que podem passar despercebidos. Mas e aqueles movimentos que não são instintivos? Os que você
aprende em sala de aula e vem se empenhando em executar com perfeição. Que
linguagem eles têm? Bom, aí é que está o segredo. Eles têm a linguagem que você
imprimir neles! O corpo fala de forma inconsciente, mas fala muito mais se você
quiser, conscientemente, que ele diga alguma coisa.Porque você escolheu esta música? Qual o motivo de estar usando este
figurino e estar representando este personagem? Por qual razão você escolheu
executar esse conjunto de movimentos e criar este enredo? O que você quer me
dizer com a carne do seu corpo?Isso é investir com intenção em uma criação. Isso é comunicação.
Muitas vezes, a intenção que é depositada em uma criação, não é compreendida
pelo espectador da forma original, ou de forma completa. É necessário ter um
olhar muito crítico e sensível para perceber um propósito. Além disso, a arte
abre um leque para várias interpretações. A grande questão é que, quando você
quer dizer alguma coisa, alguém sempre vai ouvi-lo. Inclusive você mesmo.
A mística, muitas vezes, transcende o sobrenatural. Ela está na
capacidade de perceber as coisas reais. De manipular as coisas reais. E de se
comunicar de forma real.
A intenção é a partícula de ocultismo dentro de um processo de
criação. E o ato de criar conscientemente é que leva você a comunicar-se de
forma real com o outro.
Se não existir esse impulso, o que resta é somente um punhado de
palavras e gestos, como milhões de outros dentro desta grande engrenagem.
Estas são as minhas conclusões. Qual a sua opinião sobre este
assunto? Sinta-se à vontade para comentar e iniciar um debate aqui na página!
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