por Hölle Carogne
Como
um dos meus objetivos nesta seção é criar um “cordão umbilical espiritual” com
o leitor e estimular a energia da troca, inicio incitando uma maior intimidade
entre nós.
Venenum
Saltationes abre seus trabalhos revelando um pouco da sua origem...
Espero
que gostem e que sintam vontade de trilhar comigo este novo caminho!
Em
meados de 2011, durante meu primeiro ano de estudos em dança tribal, sentindo a
necessidade de compartilhar as minhas visões e impressões relacionadas a este universo
mágico, criei um texto que denuncia a Dança como sendo uma droga. Um
psicotrópico que ao ser “ingerido” causa efeitos no corpo físico fazendo com
que o corpo astral se desprenda e entre em contato direto com o Cosmo! Muito
além de profissão, estudo, lazer ou forma de expressão, a Dança é desvelada como
um portal, como um caminho para o autoconhecimento. A dança sendo revelada do
ponto de vista mágico, litúrgico e transcendente.
O
Veneno da Dança, assim como o ópio de Quincey e o Haxixe de Baudelaire, vem
para exaltar a crença do indivíduo em sua própria divindade...
Eis
a origem...
Ao Universo Tribal...
"Mesmo possuindo acesso às alturas, prefiro as profundezas! A estar em cima, prefiro estar embaixo... Plantar os pés na Terra e aguardar a floração. Esperar, ansiosamente, que esta grande mãe amacie-me toda a aspereza, dissolva-me toda a rigidez... Que fertilize a ousadia das sementes e regue a rebeldia dos brotos. Que conduza os ramos em direção à luz e mantenha as raízes livres, ainda que aderidas. Que me permita conceber os melhores frutos e diluir nas articulações todos os desafios.
Furiosa, decido agitar meus galhos com a leveza de todos os ventos e com a força de todos os mares. Compor-me em espirais e elevar-me em consciência. Digerir nos membros as vibrações mais ondulantes, os rodopios mais desesperados, os compassos mais audaciosos. Arranjar-me em cores, texturas e dimensões; harmonizar-me em melodias, sons e palavras; converter-me em intérprete, em artista, em fiel devoto... Erguer minhas preces com a carne do corpo, já que a boca não sabe suplicar!
E ainda que possua destreza em elevar-me, prefiro inclinar-me ao mais profundo dos infernos e fazer-me âmago, transformar-me em cerne, fundir-me em veias, vias e fendas. Libertar os meus instintos e desprender garras, carapaças e escamas... Converter-me em germe e obter forma de embrião... Rebentar do solo como freixo e contrastar com a minha espécie. Invocar os meus demônios e entrar em contato com todos os animais, com todas as plantas, com todos os seres da natureza. Confraternizar com os espíritos guardiões e reconhecer todos os meus arquétipos; admitir inclusive as minhas facetas mais malignas... Olhar-me no espelho e aceitar-me assim: infinita.
Insaciável, opto por beber os ungüentos sagrados e mascar as ervas da terra. Sugar todos os venenos e armazená-los nas presas, nos chifres, na cauda e no ventre. Oscilar mãos, ombros, pernas e quadris como quem procura a bênção inerente à peçonha. Mover-me em compassos lascivos, libidinosos... Escancarar portas e deixar vir à tona os melhores aromas, abrir frestas e fazer escorrer sobre a pele as mais doces resinas. Desvendar os segredos ocultos na alma e coroar-me ‘o alpha e o ômega’!
E ainda que haja um “Deus” nos céus, prefiro reconhecer aqueles que estão na terra e trilham comigo os caminhos; que se parecem comigo em gestos, vícios e pecados. Que posso ver refletidos nos espelhos; face a face. Que são de carne, ossos e enigmas. Que incorporam e nunca escravizam. Que vacilam diante de alguns degraus, e por vezes, mostram-se indecentes, delinqüentes, cheios de defeitos e transgressões.
Insana, opto por cultuar os deuses que se expressam através das mais estranhas contorções, dos gestos mais suspeitos, de visagens e meneios, de magia negra... Que dominam a arte de transcender, mesmo mantendo os pés firmemente aterrados. Que desprendem seus corpos e espíritos, e sendo consumidos pelo fogo, acabam falando muito mais com o corpo, do que com a boca. Que abrem as fissuras da terra e entram em comunicação carnal com ela. Deuses que são como eu, ou como você... Que se escondem dentro de nós... Que precisam apenas de um impulso, de um veneno ou de uma dança para libertarem-se!
E ainda que eu tenha permissão para voar, prefiro mergulhar fundo nos abismos e reconhecer o que há de mais terreno em mim. Perdoar-me por todos os pecados e afirmar-me em todos os disfarces. Admitir-me repleta de máscaras, de deuses, de multidões alvoroçadas... Digerir toda a perversão contida nas entranhas e lavar os pés sujos de lama, para mais à frente, voltar a enterrá-los..."
Venenum Saltationes
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Porto Alegre, RS